Era um antigo sonho. Nada melhor do que o dia 25 dezembro para concretizá-lo. E o amigo de Natureza Morta se mandou lá das bandas do Buriti das Mulatas, Sudoeste do Paraná, rumo a Curitiba. Bolso cheio. Pagamento à vista.
Na mira, um Simca Chambord. Simplesmente o automóvel mais caro do Brasil. O capricho no acabamento e a sofisticação nos detalhes impressionaram Riograndino, o conhecido do solitário da Vila Piroquinha.
Um luxo só
Na longa jornada até a capital, sacolejando no ônibus, sonhava com o painel estofado, os assentos revestidos de couro. Mais os cinzeiros dianteiros e o porta-malas com iluminação. Vidros ray ban opcionais – “vou optar por eles”.
Rede para revistas? Nada disso: eram pastas de couro com fechadura. Atrás, até um minibar com uma garrafa de uísque, três copos de cristal e cigarreira. Pneus faixa branca; calotas cromadas e raiadas. Ah! E o estepe sobre o para-choque?
Leu que era o chamado Kit Continental, uma criação americana que desembarcou por aqui com o Lincoln, nos anos 1950, uma década antes, portanto, da viagem em andamento.
Motor? Quem iria se preocupar com isso? Os 6 cv extras do Présidence, graças à carburação e ao escapamento duplo, resolviam qualquer parada. Enfim, bastava bater a chave de ignição e se mandar.
O retorno
Consumada a compra, Riograndino instalou-se no reluzente Simca e tratou de pegar a estrada. Não via a hora de chegar em casa. Dispensou até a tradicional parada no Posto 3 Pinheiros, em Guarapuava, para pedir um pingado e um pastel de carne.
Escurecia, rapidamente. Hora de acender os faróis.
– Porca miséria! Onde fica o acendedor? Tinha início um quilométrico tormento. Escureceu de vez. E ele, apavorado, não descobria como “ligar a luz”. Pânico, medo. No escuro total, um breu, decidiu parar e rezar por ajuda. Quase uma hora de espera, aleluia! Luz no fim do túnel. Ou no meio da estrada. Nunca dois faróis (alheios) alegraram tanto na medida em que se aproximavam daquele que se sentia o mais patusco dos seres humanos.
O beócio foi para a beira da pista. Acenou freneticamente, feito um náufrago desesperado para não perder a passagem de um transatlântico.
– Ufa! Dio mio! Estou salvo! – pensou o pascácio já se sentindo um ex-patusco ao notar que o veículo reduzia a marcha e dava sinal de que iria parar no acostamento.
Dupla coincidência. O veículo era igualmente um Simca Chambord e, o motorista, um conhecido, o padre Argolo, de sua paróquia.
– Estou mais salvo ainda… – comemorou.
O salvador desceu do carro, ouviu o lamento e o pedido de ajuda, na verdade um apelo dramático, em tom digno de tragédia grega à sombra de uma bananeira.
– Pelo amor de Dio! O que eu faço para acender os faróis?
– Sei lá… Não faço a menor idéia – respondeu o outro, visivelmente arrasado. Explicou:
– Comprei essa bomba com a luz acesa de manhã bem cedinho e rodei o dia inteiro assim. Ainda não sei como a gente desliga essa droga…
ENQUANTO ISSO…
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