Depois de um curto e tenebroso inverno…
– Curto e tenebroso? O certo é longo e tenebroso – interrompe Beronha.
– Não, explica Natureza Morta, no caso foi tenebroso, mas breve. Menos mal. Prosseguindo, depois da indevida interrupção: passado o curto e tenebroso inverno, reencontrei um amigo, o Lula.
– Ele, o cara?
– Não. Mais precisamente José Airton de Oliveira, carpinteiro. Aquele mesmo operário que cantava A Marselhesa toda a manhã, no prédio em construção ao lado da mansão da Vila Piroquinha.
Boca no trombone
Nascido em Sergipe, José ganhou o apelido Lula por motivos óbvios. Além da semelhança física, tem liderança, disposição para o trabalho, é competente e sabe que a força do operário está na união, no sindicato.
– Qualquer problema na obra, ele botava a boca no trombone e seguia em marcha batida para o sindicato. Mesmo quando a questão trabalhista não era com ele. Companheiro de todas as horas – conta o solitário da Vila Piroquinha.
Com Lula não tem conversa. Um rápido episódio confirma isso. Precisando de um pouco de areia para colocar nos vasos da varanda (medida de prevenção contra o mosquito da dengue), Natureza recorreu à obra ao lado, levando um balde de plástico, daqueles de criança brincar na praia.
– Um baldinho de areia? Desculpe, mas não me informaram nada. Sem autorização, daqui não sai nem uma xícara ou pires de areia.
Atrás de trabalho
O professor Afronsius interessou-se pela história. E ficou sabendo que, como tantos outros, Lula deixou Sergipe (“era uma ilha”) e rumou para o continente, “onde havia trabalho”.
– Carpinteiro, por si só, já é um nome simpático, que inspira confiança – comentou o vizinho de cerca (viva).
O que poucos sabem é a importância do carpinteiro na construção civil. Beronha, que acabara de chegar, ficou interessado, embora o tema fosse trabalho.
– Trabalho? Me dá arrépios só de ouvir falar – emendou nosso anti-herói de plantão.
Para sair do chão
Pouca gente imagina, mas é imprescindível o carpinteiro na construção civil. Trabalho de ponta. Sem ele, literalmente, nada sairia do chão. E ficaria em pé. Perdura a imagem de um dos mais antigos ofícios do homem, consagrada, aliás, pela Bíblia.
A rigor, a profissão carpinteiro continua a mesma, mas, hoje, em outra escala. Monumental.
Tudo depende das armações de madeira, como as caixas das vigas e as bandejas da laje de concreto.
– Sem carpinteiro, nada feito.
Há ainda quem confunda carpinteiro com marceneiro. São atividades parecidas na essência, mas com grande diferença nas funções. A marcenaria é outro estágio da carpintaria, um trabalho mais artístico do que industrial, caso dos móveis e objetos de decoração, enquanto a carpintaria, além das caixas e bandejas para receber concreto, também permite a instalação de portas, janelas, assoalhos, escadas, forros, telhados e peças mais pesadas.
Milhões de Josés
No Brasil, pelos últimos dados oficiais, a construção civil emprega quase 3 milhões de pessoas com carteira assinada. Em média, 20% desses trabalhadores são carpinteiros, segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP). Os trabalhadores com carteira assinada no setor dobraram em cinco anos.
As contratações crescem, mas não cessa nunca a procura por um bom carpinteiro, diz um engenheiro.
Zé Airton, o Lula, faz parte desse universo.
ENQUANTO ISSO…