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A História Oral – Partes 2 e 1
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Quem leu o livro de Joseph Mitchell sabe que esse título eu roubei de Joe Gould, o “Professor Gaivota”. Professor Gaivota era um “homenzinho alegre e maciento” muito bem recebido no meio boêmio/intelectual de Greenwich Village, Nova York. Ele tinha charme e, ainda por cima, estava em curso sua grande obra literária “A História Oral” – uma enciclopédia em um exemplar só com todas as histórias que ele vira e ouvira em Nova York dos anos 30 a 60.

Minha intenção, no entanto, não é a mesma de Joe Gould. O que quero é apenas relatar o que tenho visto e ouvido por aí durante esses dias. Pequenas histórias que dizem muito a respeito do ser humano. Talvez isso vire uma coluna, se o escasso tempo permitir. Mas nunca um livro. Afinal, eu não sou um sujeito alegre e maciento e nenhum Joseph Mitchell se interessaria por mim.

Parte 2

Uma senhora sentada no banco de trás de um carro vermelho conta a história do que aconteceu na churrascaria do sobrinho dela: “Pegaram ela roubando o caixa. Fazia tempo que ela vinha dando desfalque. E não era só dinheiro. Roubava carne, roubava bebida. Loira, de olho azul… quem ia imaginar?”. Noite dessas na Mariano Torres esquina com a XV, um caminhão de bombeiros girava sua sirene implorando espaço entre os carros para partir em socorro de alguma emergência. Ninguém dava a vez. Um caminhão de lixo que estava mais a frente encostou e os lixeiros, pendurados na traseira, heroicamente começaram a organizar o trânsito. E a xingar madames e cretinos no conforto de seus utilitários de preço super valorizado, que não se importavam a mínima com a pressa de quem estava, talvez, com a vida em perigo. No supermercado um garoto brincava no meio das verduras e legumes e cantava uma música que só ele entendia. Sem querer, esbarrou numa velhinha -sua avó, provavelmente. Ela se virou e deu um tapão nas costas do garoto. Ele não reclamou – devia estar acostumado. Com a resignação dos que apanham sem motivo, encaixou na letra “ela me bateu mas eu não fiz nada”.
Um jornalista famoso diz que foi assaltado por um travesti que entrou no carro pela porta do passageiro sem perceber. A desculpa foi que ele nunca tranca a porta do passageiro. Estranho. Exceto se o carro for meio velho – hipótese não muito provável, pela fortuna que ganha- os carros hoje em dia têm travas automáticas, o que inviabilizaria a entrada de alguém indesejado. (1)
Um candidato a vereador pelo Partido Verde fala em “limpeza ambiental” em seu site mas, quem caminha pelas ruas do Alto da Glória, pode se deparar com seus santinhos emporcalhando calçadas e gramados, e tropeçar em cavaletes com seu sorriso angelical. O cartunista abre o livro que inspirou o título do post e se depara com essa dedicatória: “Para o Benet, sujeito mais próximo de mim do que qualquer irmão poderia ser, alguém tão ‘gêmeo’ que até compartilha marés cinzentas de azar. O Segredo de Joe Gould, um livro sobre caras estranhos e gente que os observa. Como a gente. De seu amigo, Victor. 03/03/2003”.

Parte 1

Hoje cedo, às 7h50, vi um homem curvado na calçada juntando as fezes de um poodle. Um poodle branco com os pêlos da região traseira escurecidos. Parecia um poodle velho, ou melhor, da mesma idade do homem, só que no mundo dos cães. Um homem que, pelo jeito, cata a merda do cachorro todas as manhãs. Que tipo de vida é essa? Vi também um cara alto, mais alto que eu, devia ter 1,85cm. Estava nitidamente com sobrepeso, estava há um hambúrguer da obesidade. Usava as chamadas calças skinny (acho que é assim que escreve) e uma camiseta de banda. Ele queria parecer mais novo do que era, pois usava um tênis colorido como chiclete Rebelde, só que já tinha entradas no cabelo denunciando que não se tratava mais de um adolescente. Era, portanto, um cara grande -com a circunferência da barriga de um vilão de telecatch- enfiado em calças apertadas que deixam as canelas fininhas -feitas sob medida para menininhas delicadas de 16 anos. Que tipo de obsessão estética é essa? (2) Li hoje que um skinhead preso em Curitiba tentou de todas as maneiras evitar que sua mãe fosse na delegacia pagar sua fiança. Motivo: sua mãe era parda, descendente de negros. Ele tinha vergonha de mostrar sua mãe para os outros bandidos da gangue. Em conversa com um jornalista que cobre a Câmara dos Vereadores de Curitiba, ele relatou que um vereador afirmou que trazer a Copa do Mundo para Curitiba era um erro porque, “se os africanos vierem para a cidade, eles nunca mais irão embora”. Tentava fazer graça, mas só os puxa-sacos habituais acostumados a abrir as portas para o chefe riram. Que tipo de mentalidade é essa? Há dias em que não vale a pena sair de casa.

(Benett)

1- Por que mentir?? Cada um transa com quem quiser.

2-Qual o problema? Cada um se veste como quiser.

(Benett)

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