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Carta aberta de um cachorro insatisfeito à sua Dona distraída

Snoopy, de Charlie Schulz na versão de Benett (Foto: )
Snoopy, de Charlie Schulz na versão de Benett

Snoopy, de Charlie Schulz na versão de Benett

Querida Minha Dona,

Você sabe melhor do que ninguém que eu te amo mais do que tudo tudo tudo na vida. Nem aquela pessoa peluda e flatulenta, que dorme com você na nossa cama, te ama tanto quanto eu te amo. Ninguém da sua espécie faz a festa que eu faço quando você chega em casa. A alegria é tanta, mas tanta que eu pulo, lato, corro e lambo a sua cara inteira de orelha a orelha. Sabe o que é isso? Amor puro e incondicional. Tenho quase certeza que eu te amo mais do que a mim mesmo e ao pacote de ração. Se você for até a esquina comprar pão eu vou fazer a mesma festa de saudades que eu faria se você tivesse viajado para Timbuktu por um mês. Entende o que eu quero dizer?

Sabe, tem poucas coisas na vida que são essenciais para mim. Comer a sua comida, dormir no sofá e… você me levar para passear. Esse é o mais sagrado de tudo. Eu vivo para esse momento. Não vê a festa que eu faço quando você me mostra a coleira? É a melhor coisa da vida ever!

Então, quando você estiver me levando para passear ou fazer xixi e cocô na grama dos vizinhos, e se você me ama metade do que eu te amo… NÃO LEVE ESSE MALDITO CELULAR!!!!

Eu fico querendo andar e você fica parada alisando essa porcaria. Eu quero correr e você não me deixa porque está olhando para essa maldita telinha com luz. Eu quero esticar meu nariz para cheirar a moita que a cadelinha do andar de baixo acabou de batizar e você fica simplesmente imóvel, no celular, como se ele fosse seu bichinho de estimação e eu não passasse de um saco de lixo que você não pode se livrar.

Quando a gente sai e você carrega o celular, você nem ao menos olha para mim, não presta atenção nos meus sinais, não me deixa correr, não me deixa ficar sentado, encurta a corrente… ei, eu existo! Eu tenho vontades, tenho desejos e você me frustra a cada segundo.

Ponha-se no meu lugar. Passear é o MEU momento de felicidade. Eu fico trancado nesse apartamento há semanas, meses, anos. Fico latindo o dia todo só para incomodar os vizinhos porque o tédio é insuportável. Eu conto os segundos para você me levar passear. Uma voltinha que seja na quadra, mas desde que com paciência, um pouco de liberdade – convenhamos, eu ter que andar numa coleira sendo puxado por uma corrente não é exatamente uma demonstração de amor digna, não é mesmo? Deixe eu passear o tempo de poder cansar um pouco minhas pernocas, ao menos.

Se você, minha linda e querida Dona que eu amo, estiver lendo essa carta, por favor, considere esse meu pedido: quando me levar passear preste um pouquinho de atenção em mim. Seja paciente, deixe-me sentir a grama e a terra tocarem as minhas patinhas. Deixe-me cheirar as plantas e árvores. Deixe-me tomar chuva. Deixe-me tomar sol. Deixe-me sentir o prazer de fazer cocô e xixi sem o olhar impaciente de quem está ali por mera obrigação.

Por mais que a tecnologia esteja avançada, eu nunca vi um celular correr, pular e lamber a cara de sua dona de orelha a orelha por pura e simples felicidade.

 

Obrigado,

 

Atenciosamente, Totó.

 

 

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