Lembro muito bem quando vi pela primeira vez uma apresentação do comediante Fábio Silvestre. Foi no começo dos anos 90, num bar perdido em Ponta Grossa que parecia mais um uma garagem improvisada. Era começo de noite e eu não fiquei muito por ali. Por um motivo meio jeca: a roupa que escolhi para sair aquela noite era idêntica à dos garçons que trabalhavam no lugar. Depois da terceira vez que me recusei a pegar uma cerveja para alguém, fui embora.
Abaixo, uma entrevista feita com Fábio Silvestre por e-mail. Vejam como ele começou a responder: “(…) aí as respostas pros seus questionamentos. Exceto o sentido da vida, quem somos, de onde viemos e pra onde vamos? Essas questões menores, respondo na próxima.”.
(foto roubada do site do humorista sem o consentimento dele)
Quando você estava começando seus shows no Café Poesia no
começo dos anos 90, você imaginava que um dia iria dividir o palco
com um dos maiores ícones do humor no Brasil, Chico Anysio, em pleno
Teatro Guaíra? Você já tinha essa ambição?
Em 1989 fui um humorista stand up, antes dessa turma toda de agora. E
nem sabia direito o que estava fazendo. Escrevia, decorava e fazia.
Tudo no mesmo dia. Meu breve show chamava-se O Humorista da Capa
Preta. Mesmo sem maquiagem, eu criei um alter ego pra falar meus
textos sobre sexo, teatro, casamento, educação e Ponta Grossa. Mas eu
era ator e sei lá porque, tinha preconceito em ser humorista. Se
tivesse começado e seguido, talvez hoje fosse um monstro sagrado do
humor ou estivesse morto em resposta a uma piada que atingiu seu
objetivo. Mesmo assim nesse momento, já estava começando a surgir um
autor em mim. Do Chico Anysio, eu era apenas um fã de seu universo de
tipos humanos inesquecíveis. Nem de longe passava a idéia que esse
gênio abriria um show meu em pleno palco do Guaírão. Eu devo isso a
sugestão de um amigo, o Richard Rebelo, pra que convidasse o mestre
pra um show e a um jogo Brasil X Argentina que fez com que ele abri-se
e não fecha-se o meu show, pra poder ver o jogo no hotel.
O Bêbado é talvez o seu mais bem sucedido personagem. Ali é
menos Chico Anysio e mais Charles Chaplin, não?
Muito obrigado pela observação. Sou filho desses monstros. O Chico é
um gênio na composição, construção de seres humanos, um ator
espetacular. E Chaplin é um artista maior que todos nós. Sua comédia
era humana em toda a sua complexidade. E não desprezava a tristeza em
suas comédias. Os melhores filmes, peças, livros, pessoas tem um
pouco de tudo. De nobreza, de bobagem, de beleza, inteligência, drama,
comédia, poesia e caos. Acredito que os melhores humoristas são
tristes em seu interior. O Bêbado fala de um homem, com a profundidade
de qualquer pessoa, com seu ridículo e seu patético bem aflorados.
Ele é humano, é alguém que existe. Alguém que enfrenta suas dores
com a risada e com sua fraqueza. E nisso acho que há nele essa alma
chapliniana. Mas é no garçon do Gato Preto que eu vejo Chaplin na
minha obra. Um homem pobre e feio que fugiu de uma cidade do interior
pra uma capital, sofreu, conseguiu um emprego, uma família, uma casa,
mas sabe que nunca foi feliz, se apaixona por uma prostituta e no dia
que o amor se consumaria, ela é assassinada. Isso parece roteiro de
drama, mas é de um de meus personagens mais engraçados e no fim de
minha performance já consegui lágrimas também. É um pouco da
história do homem médio brasileiro.
Mesmo sendo um dos precursores dessa retomada do stand up no
Brasil, junto com Diogo Portugal, você é menos um humorista stand up
e mais um comediante de personagens. Isso é certo ou podemos dizer
que você atua bem nas duas funções?
Meu mundo é o da ficção. A realidade do stand up e suas
observações da cotidiano, não são a minha preferência. Enquanto
falam sempre do Seinfeld, eu não encontro texto melhor que do Woody
Allen, do Millôr, do Veríssimo, do Groucho Marx, do Oscar Wilde. Sinto
falta do absurdo no stand up que vejo por aí. O Léo Lins é o
standuper com o melhor texto no momento. O Fábio Porchat e o Danilo
Gentili conseguem fugir das receitas óbvias de stand up. O stand up
virou um mercado e com isso vem gente boa por aí. Tem um cara em São
Paulo chamado Patrick Maia com idéias ótimas. Curitiba tem o Affonso
Padilha, o Fábio Lins, tem uns mineirinhos chegando devagarzinho. O
gênero já se consolidou e vai se renovar e se filtrar também.
Faço parte dessa nova geração do humor brasileiro filha do Youtube.
Essa turma além do pessoal do stand up, tem o Melhores do Mundo, o
Hermes e Renato, o Marcelo Adnet, a Katiuscia Canoro, os blogueiros
Jacaré Banguela, Kibeloco, Galo Frito, os novos cartunista. A internet
abriu espaço pra essa renovação de nosso humor e fico feliz em
conhecer essa turma toda e de fazer parte dela.
Quanto a sua pergunta. Sim você pode dizer que sou mais um humorista
de personagens. É nessa praia que nado melhor e até ganho umas
medalhas. O stand up de cara limpa, faço mas quase me afogo.
Como anda o mercado para os comediantes? Você recentemente
deixou Curitiba para morar no Rio, isso foi porque as oportunidades fora do Rio/SP, são bem menos promissoras?
Em Curitiba existe um mercado e mesmo dinheiro. Mas por aí, a
repercussão de nosso trabalho é pequena. Em São Paulo , minhas
matérias saem em veículos de circulação nacional. Quando dou uma
entrevista alcanço milhões de leitores, espectadores e não alguns
milhares. Sair, foi um desafio pra escapar de um comodismo também. Em
São Paulo tenho de ser melhor ainda e mais profissional também. A
concorrência é maior, claro, mas também as oportunidades. Vou
conquistar São Paulo e o Brasil, mas minha vontade é conquistar o
mundo, só me faltam um Pink e um Cérebro pra isso.
Havia uma “competição” saudável entre você e o Diogo Portugal
aqui em Curitiba. Acha que isso contribuiu para o surgimento de novos comediantes, como o Fabio Lins e, ainda, para que Curitiba se tornasse referência desse estilo de humor no País?
O Diogo Portugal tem uma importância enorme na revelação de
Curitiba, como um dos pólos desse novo humor. Mas mais ainda o Cabaret
Era Só, show de humor que virou um fenômeno da noite curitibana. Todo
mundo passou por essa lá. E depois veio o Risorama. Se houve
competição entre a gente foi bem saudável mesmo. Mas meus feitos
foram mais no teatro, lotando o Guaírão 2 vezes e com os números d’O
Bêbado. Sete anos de temporada, 80.000 espectadores, 240 apresentações
e maior público de uma peça da Mostra Fringe do Festival de Curitiba
com 2664 pessoas. Somos amigos e tenho muita gratidão ao Diogo pela
ponte que ele foi pra mim no humor.
Curitiba é um expoente do humor, mas hoje tem novos protagonistas.
Cabe a gente como o Fábio Lins, o Marco Zenni, o Antropofocus, o
Curitiba Comedy Club, o Fiani e o pessoal da comédia curitibana manter
e renovar o nosso bom e inteligente humor leite quente.
Como é quando você vai escrever um novo personagem e pensar nas
piadas. Conta como é o processo. Você anota tudo em guardanapos, como o personagem do Adam Sandler em Tá Rindo De Quê?
Antigamente eu escrevia meus textos em agendas. Até que perdi uma com
o texto inteiro de uma peça, que tive de reescrever de memória.
Depois disso os textos vão sempre pro computador. Quando é algo de
momento, vai pro iPhone. Um bendito amigo virtual que me salva. Sou
um ator que escreve. Normalmente escrevo improvisando. E as coisas
permanecem frescas na cabeça até passarem pro computador. As vezes
aparece só uma frase na minha cabeça. A repito várias vezes e assim
se procriam seqüências. Assim já nasceu uma peça “O Fio” e um
personagem, Rebeca, a travesti do interior.
Além de Chico Anysio, tem mais alguém que você tem como
referência de texto e atuação?
Sou fã de muita gente boa. Mas minhas referências principais são:
AUTORES – Millôr Woody Allen, Fernando Pessoa, Ítalo Calvino,
Cervantes, Shakespeare, Dalton Trevisan, Paulo Leminski e Luis
Fernando Veríssimo, Matt Groening.
ATORES – Brando, De Niro, Peter Selers, Al Pacino, Colin Farrel,
Daniel Day Lewis, Tom Hanks, Gene Wilder, Mário Shoemberger, Philip
Seymour Hoffmann, Rodolfo Vaz.
CINEMA – Chaplin, Fellini, Kusturica, Peter Grenaway, Woody Allen, Wes
Andersen, Tim Burton, Jean Pierre Jeunet, Irmãos Cohen, Baz Lurhman,
Scorsese.
HUMOR – Chaplin, Woody Allen, Millor, Chico Anysio, Peter Sellers,
Golias, Veríssimo, Monty Python, o Gordo e o Magro, Sacha Baron Cohen,
Harold Loyd, Os Melhores do Mundo, os Três Patetas, Os Trapalhões,
Jerry Lewis, Mel Brooks, Hermes e Renato, Steve Martin e Tiririca.
SÉRIES – Os Simpsons, Two and a Half Man, Fligth Of The Conchords, A
Grande Família, TV Pirata, Os Normais, Casseta e Planeta, Os Muppets,
Big Bang Theory, Sai de Baixo, Chico Anysio Show, O Homem de Seis
Milhões de Dólares, Hermes e Renato.
Já ficou rico? Ou ao menos…ahn… tem pego muita mulher?
Comparada ao tempo em que não tinha dinheiro pra ônibus, pra comida e
que cheguei a dever 6 meses de aluguel, hoje eu pareço um milionário.
Tenho um apartamento, carro importado, já fui três vezes ao exterior,
isso sem contar o Paraguai, claro. E tudo isso fruto das coisas que
escrevi, criei e interpretei. Mas em contraponto, estranhamente eu
pegava muito mais mulher antes. Cheguei a namorar uma garota que virou
Miss Barcelona. Mas com a prosperidade, eu acabei crescendo, pros
lados e pra frente. Sex appeal é uma coisa que não tem nada a ver com
dinheiro.
Você está com algum projeto novo, além dos shows que você tem feito por aí?
Acabei de estrear o Zappiada. Um espetáculo que reúne 6 personagens
meus e outros 5 personagens do humorista Raphael Véles no Teatro
Procópio Ferreira com direção do Oscar Filho do CQC. Além disso
estou escrevendo O Palhaço, texto sobre um palhaço vagabundo e suas
filosofias com planos de estrear próximo de setembro. E sigo com o
projeto de colocar meu programa, o TV Vila – o canal do pobre, em uma
televisão aberta. Já gravei o piloto e estou na romaria de levar o
DVD as emissoras.
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E um outro blog, irmão desse aqui.
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