Uncle Scrooge, o Tio Patinhas, de Walt Disney| Foto:
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Depois da turbulenta noite de Natal em que recebeu a visita dos espíritos do presente, do passado e do futuro, o velho Uncle Scrooge tornou-se uma pessoa mais afável, sensível e reverteu sua imagem de rabugento asqueroso perante a sociedade para a de um velhinho generoso e gentil.

Seus funcionários ganharam aumento, carteira registrada, reposição de perdas salariais, direito à férias, décimo terceiro, jornada de trabalho digna, vale refeição, vale transporte e cestas básicas complementares ao soldo. Não bastasse isso, Uncle Scrooge contratou mais e mais pessoal, como que querendo resolver o problema do desemprego de toda a cidade. Doou uma parte de sua fortuna pessoal e passou a gastar indistintamente a outra. Comprou carros para os amigos, casas para os parentes, cadeiras-de-rodas para os necessitados e brinquedos para as crianças carentes. Contribuiu com ONGs, causas diversas e associações de aposentados de todos os tipos.

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Ao mesmo tempo, com horas a menos de trabalho em sua empresa, e uma folha pessoal mais onerosa, além de impostos violentos e aumento de custos e gastos, viu a produtividade baixar a partir do momento em que deixou o chicote com que tratava seus empregados na gaveta de seu criado-mudo. Não bastasse isso, ex-funcionários demitidos e humilhados, ganharam na justiça o direito a indenizações fabulosas, o que representou um grande baque no caixa da empresa. As despesas aumentaram na mesma proporção em que a receita baixou. O ministério público condenou a empresa a uma multa pesada por trabalhos análogos à escravidão praticados durante toda a vida por Uncle Scrooge.

 

Na metade do ano, vendo a bancarrota se aproximar pelo espelho retrovisor, os funcionários mais experientes deixaram a empresa e fundaram uma concorrente, levando com eles os melhores clientes do velho Scrooge. Agora, cercado apenas dos incompetentes e dos inexperientes, e sem poder supervisionar todos os setores, o velhote viu seu negócio escorregar lentamente para a insolvência e o colapso absoluto.

Cheio de boas intenções, tornou-se presa fácil para os tubarões, e passou a ser estorquido por advogados desonestos, contadores salafrários e até pelos mafiosos da Mão Negra, que cobravam “pedágios” semanais sobre seus serviços. Contraiu dívidas impraticáveis de bancos, agiotas e perdeu somas inestimáveis nos cavalos e nos publicitários. Até surra andou levando de credores insatisfeitos. As crianças batiam sua carteira na rua, roubavam seu relógio e tomavam suas sacolas de compras do supermercado. O álcool e os psicotrópicos estenderam suas mãos leprosas para ele.

 

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Sua saúde degringolou. Úlceras nervosas, transtornos psicológicos, osteosporose, incontinência urinária, impotência, alzheimer, parkinson e uma inevitável suspeita de diverticulite se abateram sobre o velho Uncle Scrooge que, devendo até as calças em impostos, teve todos os seus bens confiscados pela justiça. Teve ataque de pânico, paranóia e depressão. Acabou estendido em uma maca furada no corredor de um hospital público.

 

Aqueles, para os quais ele foi generoso, estavam agora milionários e o máximo que fizeram para Uncle Scrooge, foi lhe mandar flores -as quais ele era alérgico, diga-se de passagem- através dos palhaços da alegria. As feridas de anos de exploração não haviam cicatrizadas e o perdão não aflorou da redenção, como sugeria o espírito natalino.

 

Na noite de Natal do ano seguinte, Uncle Scrooge, doente e solitário, falido e abandonado, sem enxergar ou ouvir direito, recebeu a visita de mais um espírito. Era o espírito da Imprevisibilidade:

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Scrooge: – Quem é você?

Espírito: – Sou o espírito da Imprevisibilidade. Estou aqui para dizer que as coisas não aconteceram como esperado. Você até tentou traçar uma nova rota para seu destino, mas, veja só, a vida é imprevisível e nem um pouco justa, não é mesmo?

Scrooge: – Mas o espírito do futuro…

Espírito: – Ah, o futuro. Ele prometeu o Céu. Mas o que sabe ele sobre destino? Ele não conhece a grande Lei das Probabilidades? Provavelmente, imbuído dos piores interesses religiosos, o manipulou para que acreditasse que poderia mudar alguma coisa. Sendo bom ou mau, você acabaria desse jeito, abandonado e esquecido. Uma lástima dizer, mas é a verdade.

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Scrooge: – Mas eu fiz o que queriam…

Espírito: – Ah, “fez o que queriam”. Você se tornou bom, obediente, “legal”. Mas as outras pessoas continuaram rancorosas, invejosas e terrivelmente egoístas. Agora, honestamente: você acreditou que uma epifania, movida ao medo de morrer sozinho, o tornaria querido entre seus funcionários que queriam vê-lo pelas costas? Deixe lhe dizer uma coisa: não é porque são pessoas humildes que são confiáveis. A canalhice não é um privilégio de quem tem grana, como você não sacou essa? No mais, você traiu suas convicções e deu nisso, meu caro. Além de terminar sozinho e doente, ainda acabou pobre e sem despertar o mínimo de comiseração. Bem, já está na minha hora. Daqui a pouco você receberá a visita de outra pessoa.

Scrooge: – Mais um espírito?

Espírito: – Não. Na verdade, aquela velha mulher de preto segurando uma foice. Ela mandou um mensagem dizendo que já está no ônibus.

Uncle Scrooge morreu horas depois, ao cair no banheiro, bater a cabeça e quebrar a bacia.

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FIM

Texto publicado no meu outro blog, mas sei que vocês não leram