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Tira publicada na edição de hoje da Gazeta do Povo
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(Está procurando o texto sobre os beagles? Clica em https://www.gazetadopovo.com.br/blogs/salmonelas/conheca/ )

Dia desses participei de um divertido debate sobre “timidez” num programa de rádio. Lembro que uma das frases que disse foi “a timidez é subestimada”. Eu acredito profundamente nisso. Timidez, até onde sei, não é falha de caráter ou fraqueza de personalidade. Às vezes, quase sempre, é só uma tática eficaz contra pessoas inoportunas. Em todo tímido há um botão de regulagem da timidez para se adequar ao ambiente, como uma espécie de ar condicionado. Há graus de timidez:  mais tímido, menos tímido e totalmente autista.

A não ser se um maluco encostar uma arma nas suas têmporas e disser “dance a chula pelado ou morre”, me pergunto: qual o problema em ser tímido? Nas páginas de jornais e nos postes onde agiotas jogando uma moedinha para cima oferecem dinheiro fácil, vemos anúncios como “vença a timidez!” ou “deixe a timidez de lado e seja feliz”. Bem, esse último nunca vi, mas era o que eu escreveria se coordenasse um desses cursos de oratória para ensinar as pessoas a falar em público. Mas aí penso: quem quer falar em público, se não um animador de auditório, um motivational speaker ou um canalha eleito para um cargo político? “Vença a timidez”. Tímidos não querem vencer ninguém. Tímidos, aliás, não querem nem competir. Tímidos só querem deixar de ser tímidos para conseguirem sexo. Não para falar para uma multidão.

Do fundo do coração, prefiro pessoas tímidas e reservadas a gente expansiva e sem senso de ridículo. Em resumo, Luis Fernando Veríssimo a Sergio Mallandro. Imaginem uma vizinhança inteira de pessoas que não falam alto ou têm coragem de iniciar uma roda de pagode no fundo do quintal? Vendedores de loja que se limitam a responder as suas perguntas sem tentar ser engraçado ou dar em cima de sua namorada? Claro que timidez não significa educação, mas é meio caminho andado. Um mundo de tímidos é um mundo meio chato, mas é um mundo onde ninguém vai entrar na sua casa sem bater, abrir a porta da geladeira e levar seu último pedaço de queijo.

Não sei se sou exatamente tímido ou se sou apenas reservado. 98% das conversas das outras pessoas não me interessam nem um pouco e, portanto, serei a última pessoa do mundo a puxar assunto, muito menos com  estranhos. Quando é inevitável, já sei que o reconhecimento de terreno, digamos assim, se dará por emissão de lugares-comuns, opiniões genéricas e assuntos amenos. “Chove?” “Chove”. “Bandido bom é bandido morto”. “Você viu a Carminha?” “Perdi a novela ontem”. “E o Paulo Coelho, falando do Ulysses?”. “É, é como Michel Teló falando de Charlie Parker”. “Quando você acha que não pode piorar, as pessoas resolvem tatuar o ânus!”.

As pessoas que puxam assunto só o fazem para emitir suas opiniões sobre tudo e buscar alguém de personalidade maleável para concordar com elas. Outras querem apenas ser engraçadas e, no mais trágico dos casos, são carentes e psicopatas como Jim Carrey naquele filme The Cable Guy.  Tenho a vantagem de ser um desenhista recluso em meu pequeno estúdio, não preciso ter contato com humanos a não ser por e-mail ou telefone. Portanto, posso me dar ao luxo de dizer “cancelem minhas credenciais para o mundo das pessoas extrovertidas”. Prefiro o restrito e solitário, quente e confortável, seguro e espaçoso, escuro e silencioso universo pessoal da introspecção.

Benett

Texto de agosto de 2012

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