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#VictorFacts


Um grande amigo meu foi embora. Victor Folquening, uma das pessoas mais entusiasmadas com a vida que conheci, foi vítima da violência do trânsito curitibano. Ele era bem humorado, engraçado, espantosamente inteligente e culto. Mais do que tudo, era um cara íntegro, autêntico e generoso. Para lembrá-lo, segue uma série de tiradas e outras memórias que tenho de nossa longínqua convivência, que começou quando tínhamos 6 anos de idade e terminou, precisamente, há 15 dias.

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Professor em sala de aula, na 6ª Série do colégio Elzira Correia de Sá, em Ponta Grossa, ao ver o aluno mal humorado: – O Victor pelo jeito amarrou o burro.
Victor: – É, e você se soltou.

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Malaco dos grandes crescendo o olho para dentro do muro da casa do Victor: – Esse engradado de cerveja posa aí?
Victor: – Não, ele posa lá dentro na minha cama. Quem posa aqui sou eu.

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Malaco que tentava tirar onda de sua cara: – Quando você joga seu cabelo para trás ele pára?
Victor: – Não, ele sai correndo.

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Foi o Victor Folquening quem me acompanhou quando fui mostrar meus desenhos para o cartunista Ireno, em Ponta Grossa. Tínhamos 15 anos na época, e ficamos fascinados com o estúdio do cara. E mais ainda, pela receptividade do cartunista. Anos depois, o Victor escreveu um texto lindo sobre o Ireno, quando este ganhou o Salão Carioca de Humor.

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Mais ou menos nessa época fomos juntos comprar nossos primeiros discos de jazz. Não tínhamos ideia do que estávamos adquirindo, fomos escolhendo pela capa. Eu comprei o Uptown, do Duke Ellington e um disco do Leadbelly. O Victor acertou em cheio nas escolhas: Miles Davis Milestones (pode ter sido o Miles Ahead, não lembro direito) e o Side by Side, de Duke Ellington e Johnny Hodges. A partir daí, sempre empenhamos nosso miserável salário de balconistas em discos de jazz e blues.

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Quando trabalhamos juntos numa locadora de vídeo, estávamos no paraíso: tínhamos todos os filmes à nossa disposição. A grande ironia da vida é que nem eu, nem ele, tínhamos vídeo cassete (é, era no tempo das VHS). E sempre precisávamos ir na casa de alguém para assistir um filme. O que nos transformou em pessoas ligeiramente interesseiras.

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Quando conheci o Victor ele estava sempre num campo baldio cavando um buraco. Eu passava todo dia por ali a caminho da escola e ficava intrigado com aquele garoto. Um dia resolvi perguntar o que ele estava fazendo. “Cavando uma armadilha”. Ficamos amigos na hora. Isso foi em algum momento de 1980.

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No dia 7 ou 8 de janeiro de 2007 publiquei minha primeira charge na Folha. O Victor foi até em casa e saímos para almoçar. Ele adorou a charge e aquilo, para mim, significava uma espécie de vitória nossa, de nossas ideias, de nossos projetos.

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Na escola fazíamos gibis em cadernos e trocávamos por réguas e canetas. Quando ficávamos com preguiça de terminar uma história, simplesmente arrancávamos as páginas e escrevíamos “FIM” abruptamente nas folhas. Lembro do nome de alguns desses gibis: O Furo, O Corvo, Almanaque UGA e coisas assim.

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Tínhamos outro amigo em comum, o James Sádico, hoje chargista do Jornal da Manhã. Tinham outros caras que desenhavam, o Lucio Mauro (artista plástico falecido há alguns anos), meu irmão Ricardo Humberto e o Carlo Rogerio Prestes, que desenhava super-herois. Éramos uma gangue de nerds.

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Quando trabalhava no Jornal da Manhã, em Ponta Grossa, Victor escreveu uma matéria sobre um político envolvido em corrupção chamado Messias. Ele bolou uma charge para eu desenhar: As três cruzes no gólgota e a legenda: o Messias é o da direita.

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Sempre tentei convencê-lo a ser cartunista, acho que o traço dele daria para algo como Jules Feiffer, de quem ele era fã.

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Na UEPG ele tinha um grupo musical de “air jazz” chamado Quarteto Octeto, formado por ele e mais um cara, o Ricardo Staut. Naquela época fizemos um zine chamado Woody Allen Tribune.

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Tem um texto dele chamado “Etiqueta para Jaguatiricas” na Zongo Comix. O título “O Nada ao Contrário”, na capa da Zongo, foi criado pelo Victor.

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Aos 12 anos de idade ele escreveu essa música:

“Dependurarei-me na árvore mais alta/
E meu lindo pezinhos balançarão/
E quando os passarinhos chegarem fazendo festa/
Meus olhinhos castanhos comerão/
Farão ninhos com os fios dos meus cabelos/
e comerão até carcomerem o meu nariz/
Que alegria será do meu estômago/
Quando os pardais pedirem bis.

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Dois dias depois de conhecê-lo, sua mãe foi lá em casa me perguntar sobre o Victor. Ele tinha sumido. Apareceu horas depois, todo sujo e rasgado. “Tinha ido fazer uma expedição para caçar águias”.

Esse era o Victor aos 6 anos. Mas podia ser aos 38 também.

Benett

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