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Este título poderia se referir ao filme do 007 de 1989, com Timothy Dalton no papel de James Bond, ou àquele outro, de 1984, com Denzel Washington; ou fazer lembrar um de Schwarzenegger ou aquele outro do Rambo. Mas não, nada aqui tem a ver com tiros de pistolas ou o disparo de metralhadoras, nem com fugas eletrizantes ou tinta na cara. Trata-se de assassínios bem mais atrozes, porque mais metódicos e perversos, algo mais para um festim diabólico.
No último dia 28, o Ministério da Saúde do nosso país publicou uma nota técnica eliminando qualquer limite temporal para a “interrupção da gravidez” nos casos não punidos por lei – avançando ainda sobre a decisão do governo anterior, que limitava essa pena de morte até as 21 semanas e 6 dias. Dada a repercussão que a medida gerou, a nota foi suspensa.
Cinco dias depois, a República Francesa tornou-se o primeiro país do mundo a incluir a prática do aborto como direito fundamental garantido pela Constituição. O projeto foi aprovado por 780 contra 72 dos parlamentares reunidos; anteontem, no glorioso Dia Internacional da Mulher, o presidente o promulgou.
No primeiro caso, podemos ver em ação a técnica descrita por Pascal Bernardin como o “pé na porta”, em que se faz uma proposta esdrúxula, uma aposta alta sem consequências, no leviano espírito do “vai que cola”. De tão esdrúxula, ela é rejeitada e o proponente recua, levantando as mãos, com um ar de “não está mais aqui quem falou”. Sua próxima jogada é fazer uma proposta um pouco menos esdrúxula, com mais chances de ser aceita por um ânimo já amaciado: “ao menos isso é mais razoável...”. No segundo caso, vemos mais um sanguinolento episódio da derrocada da velha França, na vanguarda da soberba, mais uma arremetida do seu espírito revolucionário, que corta cabeças em busca da felicidade e em nome da fraternidade. Será uma nova Vendeia silenciosa.
Para muita gente, todos os argumentos e discussões existem tão somente para legitimar o ato que já decidiram praticar ou que desejam que se pratique, são apenas racionalizações ou pretextos para que se ratifique publicamente o direito, a permissão para matar
A sincronia entre os dois eventos é só mais um sinal de que não há acaso nem espontaneidade no movimento, e que as potestades do admirável mundo novo operam em ordem de batalha. Eles não vão parar.
Aos que dedicamos todo o nosso tempo a pensar em nossa família e em nossos filhos, em como bem criá-los e educá-los, em como protegê-los dos perigos e oferecer-lhes o que há de melhor, nós que penamos e nos esforçamos, contra o cansaço e o fracasso, contra nós mesmos e as nossas fraquezas, para fazer algo pela vida; para nós, digo, a própria menção dessas notícias e a própria existência dessa discussão é absurda e indigesta – como confesso que é indigesto para mim, neste instante, tecer estas linhas, as quais, contudo, me sinto quase forçada a escrever. Porque a desagradável verdade é que é este o nosso inimigo, e não outro, e no fim das contas é sempre contra a sanha da morte que lutamos quando optamos por dar a vida.
As belezas e alegrias que advêm dos frutos da nossa família, e todo o amor que, como numa escola de vida, aprendemos em seu seio, têm uma força e um peso de glória tão grandes quanto o terror de uma criança despedaçada na mesa fria de inox. Embora às vezes pareça pouco o que fazemos, ocultos em nossos lares, é essa a nossa guerra, tenhamos muito ou pouco estômago para a feiura do inimigo. É essa guerra que travamos, no front da vida, quando saímos da cama para ir comprar mais leite, que acabou, ou para dar o remédio no horário, e sempre que corrigimos um filho sem perder a paciência, e depois o vemos fazer um gesto de generosidade; ganhamos terreno para a vida todas as vezes que olhamos seus desenhos com atenção, que limpamos os sucrilhos derrubados ou que passamos mertiolate num joelho, e em todas as orações que balbuciamos no escuro enquanto eles dormem. Como não ver o quanto é grandiosa a vida, e como é nefasto imolar no ventre o amor?... Como sensibilizar alguém a favor do aborto a mudar de opinião?
Eu receio que, para uma boa parte das pessoas, já não haja simplesmente nada a fazer, nem nenhuma possibilidade de fazê-las mudar de pensamento, pois a decisão pressupõe a discussão. Quero dizer, para muita gente, todos os argumentos e discussões existem tão somente para legitimar o ato que já decidiram praticar ou que desejam que se pratique, são apenas racionalizações ou pretextos para que se ratifique publicamente o direito, a permissão para matar. Por mais que o aleguem ou façam pose, não existe de fato nenhuma abertura para mudar, nenhuma possibilidade de diálogo, porque ou sabem muito bem o que estão fazendo, ou já optaram interiormente por não ver.
Essas pessoas são livres, diabolicamente livres para negar o que veem seus próprios olhos, tanto que, se lhes descrevermos todos os métodos existentes – e peço perdão especial às mulheres grávidas ou com bebê de colo pela crueza, que eu também repugno –, se lhes descrevermos em detalhe como a criança é dilacerada no útero, desmembrada, envenenada, queimada, sufocada, como é afogada na salmoura, ou tem um ataque cardíaco induzido por injeção, como a deixam morrer de inanição; se lhes dissermos a cor do natimorto, ou como a mãe sente a criança espernear em sua agonia de morte, se lhes falarmos do aborto feito durante o parto, em que a cabeça é perfurada e o cérebro sugado, ou mesmo se descrevermos os abortos malsucedidos, em que a criança sai viva e em terrível sofrimento, e é deixada sozinha para morrer num canto, ou discretamente asfixiada sob a mesma mão direita que, na formatura de medicina, foi erguida para jurar defender a vida!, oh, Deus, mesmo que lhes mostremos todas essas imagens horripilantes, creio que nada adiantaria. Os que já decidiram por cegar-se, egoístas a ponto de quererem ser livres para matar, continuarão chamando tudo isso de “interrupção da gravidez”, cloroformizando a própria consciência com seus já bem desenvolvidos sistemas de defesa racionalizantes, para ocultar, para disfarçar, para si e para os outros, o desejo, a fome, a gana voraz por se autoafirmar a qualquer custo, para ser livre apesar do sangue.
Nunca se trata de “liberdade sobre o próprio corpo”: trata-se, desde o princípio, de dispor do corpo humano como objeto. Mas o primeiro a ser vítima dessa injustiça não é o bebê assassinado, não. Ela começa quando as crianças são estimuladas (já há um tempo na própria escola) a compreender o próprio corpo como objeto, como mera fonte de prazer: estimuladas à masturbação, a dar vazão a quaisquer desejos, a ver pornografia, às “primeiras experiências”. Logo o corpo do outro é um objeto do meu prazer – e, portanto, o próprio outro, que é inteiramente reduzido a isso. E então a contracepção, a volubilidade das relações, a bestialidade, então as relações irresponsáveis que geram os filhos “indesejados”, e aí está, na “liberdade sexual”, o princípio que promove inclusive – escândalo! mas por que não dizê-lo abertamente? – muitos crimes de estupro. Ora, se não devemos reprimir nenhum dos nossos desejos sexuais, e o outro é apenas um corpo, um objeto do meu prazer, que tantas vezes vi na tela sem consequências ou do qual tantas vezes dispus impunemente, por que não atender meu desejo desta vez, sem consequências?
A “liberdade sexual” é uma ilusão, uma liberdade falsa, é na verdade uma prisão – em que se fica preso do lado de fora, como Adão e Eva expulsos do paraíso. É uma servidão aos impulsos mais baixos e, se começam com gozo e satisfação, terminam com dominação e morte. Os militantes oferecem o aborto como um “antídoto” para o estupro quando ele é, na verdade, um seu irmão, dois frutos da mesma árvore da morte, e é em seus sangrentos frutos maduros que conhecemos mais francamente o que já estava em germe naquela primeira “liberdade”. Se o corpo é coisa desde o princípio, que será então do corpo de um outro pequeno e indefeso, gerado talvez numa egocêntrica e desatenta relação? Nada mais que um objeto indesejado a ser descartado. A todos eu desrespeito, tratando como pedaços de carne: já são todos corpos desprovidos de vida e de graça, que eu uso – e mato. Afinal, se posso usar, há tanta diferença em matar?
Mas, como eu disse, com aqueles que não querem mais ver já não adianta argumentar, nem debater na esperança de convencer, porque, para quem já enveredou por esse caminho de perdição, e está distante, sem intenção de voltar, nesse caminho triste e amargo com aparências de fulgor e liberdade – e como dura pouco essa falsa alegria, e como é terrível o seu fim! –, toda e qualquer razão já se tornou perfumaria, enfeite, disfarce: se aprova as minhas práticas, afaga meu ego e me alivia, é razoável; se me condena e me obriga a mudar, se lança luz sobre as minhas trevas, sobre quanto eu odeio a verdade e abraço a mentira, é absurdo, irracional, e merece a guilhotina.
Existem, entretanto – e eu não apenas quero acreditar que existam, mas já constatei que, embora raros, eles de fato existem mesmo –, os que foram obrigados a participar da discussão sobre o aborto não porque quisessem, não porque tenha partido de si ou porque queiram justificar sua prática ou suas intenções, quero dizer, racionalizar sua decisão já tomada previamente. O debate, criado pelo primeiro grupo, bateu à sua porta, já que nos cerca e invade as nossas mentes e lares, como uma fumaça a nos intoxicar (e o assunto nos acossa com a força de uma cultura a ganhar espaço – a qual, não sem razão, foi chamada de “cultura da morte”, por ir sorrateiramente subjugando a natureza e a dignidade humana e, sob o pretexto de dar-lhe liberdade, tira-lhe a própria vida, como fez a serpente ao enganar a primeira mulher). Estes, ao se verem em meio ao debate como um peixe na água, sem saber de sua origem e de seus proponentes, seus promotores, deram ouvidos aos seus argumentos e escamoteios e, seja um pouco às tontas e inocentemente, seja crendo tomar consciente partido, puseram-se a favor.
Quando se passa a negar a um ser humano a sua condição de humano, quando se deixa de reconhecer a própria noção de espécie e se nega a um outro a sua dignidade como igual, isso avilta toda a humanidade
Se por acaso, ou providência, houver alguém aí do outro lado, lendo estas linhas, que faz parte desse grupo, a quem lhe pareça razoável dar às mulheres o direito de abortar, mas que ainda preserve uma sincera disposição, um vivo e genuíno interesse de ouvir argumentos, de debater o assunto, realmente aberto a mudar de opinião, eu o cumprimento, meu irmão, mas lamento. Lamento, pois não posso argumentar com você – o que se chama propriamente de argumentar, de ter uma discussão, pois, para tal, eu teria de ter a mesma disposição que você, ouvir seus argumentos e estar sinceramente aberta a também mudar de opinião, e a conceder por exemplo que, num caso ou noutro, dar a morte a um bebê no ventre talvez fosse uma opção. Não é e não pode ser o caso. Antes de discutir qualquer coisa, é preciso ter claro o que não se discute. O que eu posso fazer, isto sim, é simplesmente convidá-lo a olhar, convidá-lo a apostar tudo, irrestritamente, nesse seu desejo pela verdade que o faz abrir-se para mudar de opinião se houver bons argumentos, mas apostar tanto nele que, do território dos argumentos, passemos para o terreno das evidências, confiando que algumas coisas não são assim tão subjetivas, de que nem sempre é preciso provar com palavras para que algo seja verdade, e que uma pessoa humana é capaz de baixar a guarda de seus medos e desejos e render-se à verdade, contemplá-la e – mesmo que ela o banhe de lágrimas e faça seus joelhos pesarem no chão, e que não se saiba muito bem o que fazer em seguida com a própria vida – aceitá-la.
Vamos, erga os olhos e veja: somos seres humanos, e misteriosamente geramos seres humanos. Não somos senhores da vida, somos seus beneficiários – e, no caso dos pais, seus guardiões. Recebemos a existência e a vida sem tê-las pedido ou merecido; quando geramos um filho, ele recebe a existência e a vida não sabemos exatamente como, ainda que participemos ligeiramente do processo. Não somos donos da vida alheia, do corpo alheio, porque tampouco somos donos da nossa própria vida e do nosso próprio corpo, que recebemos de presente e em breve teremos todos de devolver – para Deus, para o universo, para a Mãe Natureza, para a terra, creia você no que quiser. O embrião recém-fecundado é um nosso igual, é uma pessoa humana da nossa mesma dignidade. O seu coração, que muito logo começa a bater, é o mesmo coração que não parará de bater durante os seus 80, 90 anos de vida, até a derradeira batida, e o nosso coração, que pulsa agora em nosso peito, não parou de bater desde que tínhamos poucos milímetros.
Veja como anseiam pela vida os pais que querem ter filhos e não conseguem. Veja como se alegram, e se abismam com o mistério de um novo ser humano, os que acabam de descobrir uma gravidez, como se extasiam ao ouvir os batimentos do filho, como penduram o primeiro ultrassom na geladeira, sabendo sempre que aquele rostinho, ainda escondido no ventre, é o rosto de um filho, de um igual. Veja bem todos os cuidados e receios que uma mãe começa a tomar pelo bem do seu bebê, ao parar de comer isto e aquilo, e de beber ou fumar, e de fazer esforço demais, e quantos exames hoje em dia, e mil coisas que enchem os pais de preocupação, pois como é frágil aquela vida humana pela qual eles têm de zelar!
Repare com atenção na dor dos que perdem um bebê: é uma dor de morte, é um luto, é a dor por uma pessoa que se foi, por uma ausência. Não é a dor de quem amputou um pedaço, sofreu um corte em seu próprio corpo, “interrompeu” um processo. Você não acredita em nada de vida após a morte, e acha uma balela essa história de que nos reencontraremos um dia? Não importa. Ainda assim, é a dor da vida que poderia ter sido e não foi, de uma vida humana, da vida de uma pessoa que não viveu, e com a qual não convivemos, e que teremos de amar à distância, ou na memória. Mas não é nada menos que isso.
Veja, abra os olhos da cara e do coração e veja que não existe vida pior do que a que não existiu, do que a de quem foi privado de tentar, foi privado de fazer o que quisesse com a própria vida apesar de tudo, como o ser humano é capaz de fazer. Muitas coisas ruins acontecem com as pessoas, as machucam, ferem, limitam, marcam para sempre, tiram a sua liberdade. Mas que liberdade, que vida teve esse bebê, homem ou mulher, esquartejado dentro da própria mãe, e que não chegou a nascer? Que Constituição lhe valeu? Cesse um pouco de argumentar, meu irmão, deixe o seu cérebro acelerado descansar, respire fundo e olhe com atenção: que dificuldade, que atrocidade pode ser maior do que a trituração de uma criança no seio materno? O que justifica uma tamanha crueldade diabólica? “O útero materno deveria ser o lugar mais seguro para uma pessoa. Contudo, tornou-se o mais perigoso”, diz Gabriele Kuby. Ninguém é tão indefeso quanto esse bebê.
Que diferença existe entre o bebê da mãe que o ama e o deseja, que sonha em ver seu rosto enquanto dobra paninhos na gaveta e que faz exames numa clínica que zela por sua vida, e o bebê da outra mãe, desesperada e aflita, ou decidida e de coração duro, que, sob o pretexto de salvaguardar a própria vida tal como ela planejou e deseja, procura uma outra clínica, uma clínica da morte? Não há nenhuma diferença entre esses bebês, e eles são igualmente pessoas humanas – a diferença está nas mães, uma que ama a dignidade humana, outra que, sem se dar conta, atenta em primeiro lugar contra a sua própria dignidade. Quando se passa a negar a um ser humano a sua condição de humano, quando se deixa de reconhecer a própria noção de espécie e se nega a um outro a sua dignidade como igual, isso avilta toda a humanidade – como desejam de fato os inimigos do homem –, e não tardará para que isso se volte contra todos.
Se a condição de ser humano, e o seu inerente direito à vida, é uma convenção social que pode ser revogada, hoje são os bebês, como ontem foram ciganos, negros e judeus, e num piscar serão os deficientes mentais, os inválidos, os idosos, os homossexuais, os inimigos do regime, ou qualquer grupo que, conforme o capricho dos detentores da revogação, pareça conveniente. Eu disse que, antes de discutir, é preciso saber o que não se discute. Disse primeiro significando que há certas coisas autoevidentes, fora de debate. Mas há também outras coisas mantidas propositalmente fora de debate, para que, inacessíveis, não sejam questionadas, escondidas sob uma cortina de fumaça. No caso do aborto, e no estabelecimento da nefasta prática como um direito, está o princípio de que um Estado, um grupo de pessoas com poder, pode dispor sobre a vida de outras, e pode revogar o seu direito à vida. Meu país, minhas regras. “A opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa”, na permissão para matar, e a cultura da morte engendra a civilização da morte.
No discurso que proferiu ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 1979, a Madre Teresa de Calcutá disse o seguinte: “Eu sinto que o maior destruidor da paz hoje é o aborto, porque é uma guerra contra a criança – um assassinato direto da criança inocente –, assassinato pela própria mãe. E se nós aceitamos que uma mãe pode matar até mesmo sua própria criança, como nós podemos dizer para outras pessoas que não matem uns aos outros?”. E, para os que continuam se perguntando “mas e a criança rejeitada, se é indesejada pelos pais, deve viver para ser criada e amada por quem?”, a missionária do século 20 acrescentava: “Por favor, não matem a criança. Eu quero a criança. Por favor, me deem a criança. Eu estou disposta a aceitar qualquer criança que seria abortada, e a dar aquela criança a um casal casado que amará a criança, e será amado pela criança”. Há de fato muita gente boa, mais do que se imagina, disposta a dobrar a própria vida para livrar uma criança da morte.
As potestades da morte não vão parar, e muitos estão se perdendo no caminho. Mas nós que amamos a vida, e que por ela lutamos, também não vamos parar, e ao nosso lado está o Senhor da vida e da morte
Há, por fim, com relação a este sinistro tema, um terceiro grupo de pessoas: o daquelas que viram o horror. Falo das jovens que foram coagidas, por suas mães, pais, avós, ou pelo próprio pai da criança. Ou então que foram compelidas por muitas vozes dentro de sua própria cabeça: o medo, a opinião dos pares, o desejo de ter uma carreira, o pavor de ter a vida perdida, de não conseguir. Falo também daquelas muito convictas de que estavam exercendo um direito, senhoras da própria vida, de que se esqueceriam em seguida, de que era o melhor a fazer, bem crentes de que, extirpando a vida de seu filhinho, não estavam senão removendo uma parte indesejada de seu próprio corpo, como quem corta as unhas. Mas que, após o fato consumado, foram engolidas pelo abismo. Altivas, dispararam um tiro contra uma porta fechada e, ao abri-la, viram uma criança no chão. Cegas por sua própria loucura, ou vendadas por mãos dos outros, deram a morte, e agora não podem sossegar. E sofrem solitárias – sofrem no corpo, na mente, na consciência.
Creiam-me – e é o terror dos celerados militantes –, esta é a maior estatística, a que não se deve pronunciar: o número de arrependidas, de enganadas, de traídas, o número de mulheres vítimas do “trauma” ou da “síndrome pós-aborto”. Expulsaram do jardim de seu ventre o amor de suas vidas, e, como Eva, foram expulsas também do jardim da paz. A estas, é preciso dizer algo que fica também esquecido, ocultado, perdido. É preciso transmitir-lhes uma mensagem de misericórdia (e como é belo o livro do Pe. Laurent Spriet, escrito com esse fim). Não é possível desfazer o que foi feito e voltar atrás, é verdade. Mas o caminho do arrependimento está aberto para vocês.
A negação pode ser uma defesa instintiva da nossa psique para evitar o colapso, mas será preciso, antes de tudo, reconhecer a verdade da situação. É preciso, sim, chorar a própria culpa, mesmo que muito amargamente – o sabor amargo de algumas plantas é sinal de seu poder curativo. É preciso chorar o luto por quem morreu, e que, segundo creio, você reencontrará um dia, e que não a condenará nem a rejeitará por isso. E, depois de reconhecer e chorar, é preciso abrir-se para o perdão, e se dispor, dali em diante, a amar. Não existe pecado maior que o amor de Deus, que está disposto e ansioso para recebê-la, está ávido por dizer, pela boca do seu ministro, “Eu te absolvo”, tenha paz. Ainda é tempo de resgatar aquilo que você perdeu com aquele ato, de restaurar sua integridade, de recuperar sua estatura – de dar a vida a outros filhos, se você quiser e puder. Se você quiser, nada pode impedi-la de dar um novo rumo novo à sua vida, de se reconciliar consigo mesma, com seu filho, e com Deus, que cuida de todos nós com amor infinito.
Como disse, as potestades da morte não vão parar, e muitos estão se perdendo no caminho. Mas nós que amamos a vida, e que por ela lutamos, também não vamos parar, e ao nosso lado está o Senhor da vida e da morte. É absurdo, é horrendo, nauseante, asqueroso, sim... Mas coragem, não desistamos; os inimigos da vida não vencerão no final.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos