Imagem ilustrativa.| Foto: elzambo51/Pixabay
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Em minha última coluna estávamos às beiras do ano novo. Falei sobre o vício profundo da soberba, comparei essa rainha das más tendências e o Rei do Universo, que chegou humilde no Natal. Sugeri que, em nossos propósitos para este novo grande período que se inicia, nos propuséssemos atacar a raiz, cravar o machado logo na base de tantos comportamentos odiosos, remediando a soberba com humilde e sincera abertura ao próximo: meter a pá, limpar a eira e jogar a palha no fogo. Este é o caminho sobretudo para cumprirmos nossos deveres magnos com nossa família, para sermos melhores companheiros para nossos cônjuges, melhores mães, melhores pais.

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Mas sejamos francos: quanto tempo duram nossos bons propósitos de ano novo? Chegam até o fim de janeiro, ao menos alcançam o início das aulas das crianças? “É complicado...” – a frase escapa da nossa boca. É preciso um segundo propósito, o da constância, quer dizer, é preciso renovar os nossos propósitos a cada dia, apesar de nossas infidelidades; retomar as intenções de novo e de novo, apesar de nossas quedas. Ser 8 ou 80 é artimanha do inimigo, é engano da soberba. É sobre isso que quero, hoje, meditar um pouco.

A constância é o alicerce que nos impede de abandonar o caminho que iniciamos quando se apresentam os desafios. Constância significa resistir ao cansaço e ao desânimo, mantendo a fidelidade aos compromissos assumidos. A constância está intimamente ligada à fidelidade, uma virtude que exige mais do que palavras e promessas. Fidelidade é traduzir em atos concretos os desejos e anseios que nutrimos no início de nossa jornada. Não se trata apenas de cumprir um dever, mas de viver um amor que é dinâmico, capaz de se adaptar às mudanças inevitáveis da existência humana.

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Conta-se a história de um rei derrotado em batalha que, enquanto meditava em sua tenda, observou uma formiga tentando subir pela parede. A pequena criatura caía repetidamente, mas persistia até alcançar o topo. Inspirado pela cena, o rei decidiu reunir suas forças e lutar novamente, e então conquistou a vitória. Essa imagem ilustra bem o modo constante de vivermos nossos propósitos e, muito especialmente, de vivermos os nossos desafios na família, os compromissos que temos com o cuidado e a educação dos nossos filhos. A perseverança não significa um progresso linear e perfeito, mas uma disposição de recomeçar, de cair e levantar quantas vezes forem necessárias. Somos como a lebre da fábula, que avança rapidamente, mas precisa parar, ajustar o ritmo e retomar a corrida com vigor renovado. A fidelidade é uma força criativa. Ela nos convida a aceitar as mudanças e os imprevistos que a vida nos apresenta, seja uma doença inesperada em nossos filhos ou ruídos no matrimônio. Não se trata de manter a mesma visão utópica que tínhamos no início, mas de renovar diariamente o compromisso de amar e cuidar.

A perseverança não é apenas enfrentar situações desafiadoras de forma pontual, mas manter uma continuidade nos atos de amor e cuidado ao longo do tempo

A fidelidade nos ensina que o amor não pode depender exclusivamente de sentimentos. No cansaço das madrugadas em claro, enquanto cuidamos de um bebê que chora sem parar, nossos desejos podem estar em conflito com nossas obrigações. Queremos dormir, comer em paz, ter momentos de sossego. Mas a maternidade e a paternidade exigem que nos entreguemos a algo maior, mesmo quando nossos sentimentos nos dizem o contrário, e essa entrega é um aprendizado constante. Com o tempo, percebemos que cada fase da vida de nossos filhos traz novas demandas. Quando pequenos, dependem de nós para tudo. Mais tarde, enfrentaremos preocupações com amizades, estudos, escolhas amorosas. Cada etapa é um convite para renovar o compromisso de ser presença constante e fiel em suas vidas. A fidelidade, como parte essencial da constância, nos desafia a agir de acordo com nossos compromissos, independentemente das circunstâncias. Os desafios podem variar desde a chegada de um segundo filho até transformações na saúde financeira ou nas dinâmicas do casamento. Ainda assim, essas alterações não anulam a responsabilidade de sermos mães dedicadas e presentes. É um erro acreditar que precisamos de condições ideais para exercer a maternidade de forma plena: a dependência de uma rede de apoio, de estabilidade financeira ou de um ambiente conjugal perfeito pode se tornar um obstáculo para o amadurecimento do amor. Em momentos de dificuldade, a perseverança exige que coloquemos ainda mais amor e esforço em nossas ações.

A perseverança não é apenas enfrentar situações desafiadoras de forma pontual, mas manter uma continuidade nos atos de amor e cuidado ao longo do tempo. Ser mãe é um compromisso que atravessa décadas. O papel de mãe não termina com a infância ou adolescência dos filhos; ele se adapta às novas fases da vida. Desde o bebê que precisa ser acalentado de madrugada até o adulto que enfrenta crises no trabalho ou no casamento, a maternidade é uma jornada de constante reinvenção. A constância na maternidade pode ser comparada a uma teimosia amorosa. É o ato de repetir, diariamente, as pequenas ações que moldam nossos filhos e que, aos poucos, constroem uma base sólida para suas vidas. Hoje, ajudamos nossos filhos a superar um medo; amanhã, insistimos para que eles tentem de novo fazer a cama. E assim seguimos, com paciência e determinação. A perseverança é, portanto, a verdadeira força que dá solidez à maternidade. Ela nos lembra que não é suficiente terceirizar a responsabilidade ou justificar as dificuldades. Cada ato repetido, cada esforço renovado, fortalece o vínculo com nossos filhos e nos aproxima do ideal que desejamos para eles.

E um dos maiores inimigos da perseverança é justamente – vejam só, aqui muita atenção – a soberba. Ela obscurece a fidelidade ao nos convencer de que as circunstâncias justificam nosso desânimo. Quantas vezes pensamos: “Com esse filho, com esse marido, com essa situação, é impossível”? A soberba nos faz acreditar que não precisamos aprender ou ajustar nossas práticas. É comum ouvirmos: “Minha mãe nunca fez isso e eu cresci bem”. Essa atitude nos impede de buscar conhecimento e melhorias, bloqueando o crescimento pessoal e familiar.

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Outro efeito da soberba é, como já vimos, a incapacidade de lidar com os próprios erros. Quando nossos filhos enfrentam dificuldades – seja para dormir, comer ou lidar com amizades –, tendemos a nos culpar ou transferir a responsabilidade para os outros: “É culpa do meu marido, da minha mãe, das circunstâncias”. Em vez de encarar o erro como uma oportunidade de aprendizado, nos afundamos na tristeza e no desânimo.

A soberba também nos leva a justificar nossas falhas comparando-nos aos outros. Quando vemos alguém que parece estar lidando melhor com a maternidade, rapidamente assumimos que a vida dela é mais fácil ou que ela não está sendo honesta sobre suas dificuldades. Essa comparação nos impede de reconhecer que podemos aprender com o exemplo alheio e que, muitas vezes, nossas dificuldades podem ser superadas com ajustes simples e humildade.

Outro efeito nocivo da soberba é a tendência de afagar nossas frustrações na tragédia alheia. Em tempos de redes sociais, é comum encontrar grupos que exaltam as dificuldades da maternidade, transformando queixas em norma e minimizando o esforço de quem busca fazer diferente. Esse ciclo de negatividade reforça a ideia de que não vale a pena tentar, de que todas as mães estão igualmente sobrecarregadas e infelizes.

Essa visão também nos faz acreditar que merecemos mais do que temos. Pensamos: “Se eu tivesse dinheiro, uma rede de apoio, um marido melhor, então poderia ser uma boa mãe”. Mas a verdade é que a maternidade, como toda vocação, exige sacrifícios. Reclamamos do sono perdido, do tempo investido, da atenção dedicada. No entanto, são exatamente esses atos de entrega que constroem a base de um amor duradouro e transformador – o amor constante, aquele que dá vida, dia após dia, aos nossos sinceros propósitos sob os fogos de artifício.

Educar é um ato de fortaleza, um exercício contínuo de entrega e renovação de propósito. Não é apenas uma questão de cumprir obrigações, mas de assumir um compromisso diário, frequentemente desafiador, com aqueles que dependem de nós. A perseverança, nesse contexto, é a força que nos mantém fiéis a esse compromisso, mesmo diante das adversidades e do cansaço. É ela que transforma o ordinário em extraordinário, quando optamos por agir com constância, por mais simples que a ação pareça.

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A constância é a virtude que nos mantém firmes no compromisso, apesar dos inúmeros obstáculos que surgem no caminho

Por vezes, educar significa recusar as soluções fáceis e imediatas. Deixar os filhos diante da televisão pode parecer a alternativa mais prática, mas a perseverança nos chama a outro caminho: sentar ao lado deles, ouvir suas histórias, ajudar a desenhar uma casa ou explorar as letras de um livro. Esses pequenos gestos, embora demandem tempo e energia, carregam em si o poder de moldar corações e mentes. A maternidade, como qualquer forma de amor verdadeiro, exige repetição. Ensinar a criança a comer vegetais, a fazer o dever de casa, a lidar com os próprios medos ou a ler em voz alta são tarefas que pedem constância. Não basta dar uma única orientação e esperar que o aprendizado aconteça. É preciso estar presente, dia após dia, guiando com paciência e amor.

Dois grandes inimigos da perseverança se destacam: o ambiente e a nossa própria disposição interior, quer dizer, o “mundo” e a “carne”, como chama a tradição. No ambiente, encontramos vozes que depreciam o valor da maternidade, que a reduzem a um fardo insuportável ou uma tarefa impossível de ser realizada sem terceirizações constantes. Esses discursos podem nos levar a um desânimo perigoso, que transforma a maternidade em uma luta de sobrevivência, muito aquém de uma vocação cheia de sentido. Internamente, enfrentamos a tentação de justificar nossa falta de empenho. Revestimos nossa desistência com argumentos que parecem nobres: “Deixe que uma babá ou a professora cuide disso, ela é mais especializada”, ou “eu preciso de um tempo para mim; caso contrário, não serei uma boa mãe”. Embora um equilíbrio saudável seja importante, muitas vezes essas justificativas escondem, na verdade, uma fuga das responsabilidades que a maternidade naturalmente traz. São estes os inimigos da fidelidade, dentro e fora de nós.

Outro obstáculo é o “revestimento de bondade” que camufla nossa inércia com frases aparentemente compassivas. “Deixe que ele coma o que quiser, cada um tem um paladar”; “não brigue com a birra, ela é uma expressão natural da criança”; ou ainda “não vou influenciar na religião, ele decidirá quando crescer”. Embora essas ideias pareçam gentis, elas frequentemente mascaram a dificuldade de enfrentar o trabalho que a educação exige: orientar, corrigir e insistir.

Educar exige esforço contínuo. Envolve não apenas tempo, mas o gasto de nossas melhores energias: intelectuais, emocionais e espirituais. Cada correção paciente, cada prato preparado com amor, cada noite interrompida pelo choro do bebê são investimentos no futuro de nossos filhos. Esse esforço não é apenas necessário; é transformador. O segredo para perseverar está em nos apaixonarmos pelo processo, pelo caminho, pelos pequenos momentos que compõem a maternidade, e não somente pelo fim, idealizado e distante. É apaixonar-se por trocar fraldas, por tomar a temperatura do doente, fazer aviãozinho de comida; por ouvir uma leitura em voz alta, por estar presente nas atividades diárias de nossos filhos. Esse amor atualizado, encarnado no presente, renova nosso compromisso inicial, alimentando a chama do cuidado e do zelo.

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Perseverar não é apenas “continuar”, mas continuar com amor. É um ato – outra vez – de humildade, que nos ensina a reconhecer nossas falhas sem desistir. Educar não é fácil, mas é precisamente essa dificuldade que nos forma como pessoas melhores. Ao enfrentarmos nossas fraquezas – falta de paciência, de organização, de compaixão e empatia –, somos convidados a crescer junto com nossos filhos.

Tudo o que vale a pena custa. A educação é um ato que nos consome, mas que nos eleva. Exige que desejemos não apenas o fim – filhos bem formados e preparados para o mundo –, mas também os meios. Requer que nos dediquemos às tarefas diárias, que não adiemos para amanhã o que pode ser feito hoje e que não justifiquemos nossas falhas com desculpas frágeis.

A constância é a virtude que nos mantém firmes no compromisso, apesar dos inúmeros obstáculos que surgem no caminho. É ela que nos lembra que as soluções fáceis raramente levam ao crescimento pleno e que o esforço diário, embora cansativo, é o que molda verdadeiramente os nossos filhos. No fim, perseverar na maternidade é mais do que cumprir um dever: é amar de forma concreta, diária e transformadora. É olhar para trás, reconhecer o quanto crescemos, e seguir em frente, confiantes de que cada sacrifício é um ato de amor que ecoará por gerações.

A constância é a virtude que sustenta os nossos melhores propósitos, dando-lhes a força para resistir às marés de desânimo e às quedas inevitáveis. Perseverar não é nunca falhar, mas recomeçar, ainda que com passos trêmulos. Se a soberba é o vício que nos afasta da verdade sobre nós mesmos e dos outros, a constância é o remédio que nos alinha novamente ao compromisso assumido, àquilo que é justo e bom.

Que este novo ano, mesmo quando avançarmos com hesitação, seja um ano de renovação diária, de amor aceso, de propósito atualizado. Pois não é no início triunfante que se mede a grandeza de uma vida, mas na firmeza do caminho, na insistência do amor que nunca desiste.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]