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Quando surgir uma briga entre os seus filhos, e dois irmãos se irritarem, se xingarem, se baterem e disputarem com agressividade por um brinquedo, fique sabendo que não será a primeira vez que acontece. A história dos dois primeiros irmãos que houve na humanidade, segundo nos é contado na Bíblia, lá no livro do Gênesis, é uma história de inveja e de violência. Não há nenhuma novidade numa briga de irmãos — mas isso não quer dizer que tenhamos simplesmente de suportá-la, e que não possamos fazer nada a respeito. Mais ainda: se é assim inevitável, será que não podemos tirar dos conflitos algum fruto, algum bem?
É o desejo de todo pai e toda mãe que os seus filhos sejam amigos, que se entretenham e brinquem juntos, e que um seja para o outro fonte de segurança e de carinho, e companhia nas aventuras da infância; que também se respeitem, se amem de verdade, para além da circunstância que a ligação do sangue propicia, e que protagonizem aquelas cenas, muitas vezes tocantes, de um irmão defendendo o outro, ou dos mais velhos protegendo os mais novos, ou os meninos protegendo as meninas, e assim por diante. E, enfim, que junto com o seu amadurecimento como pessoa amadureça também essa amizade, de modo que, quando adultos, um continue sendo família para o outro, mesmo quando não estivermos mais aqui. No revés de tudo isso, é um grande medo e um pesadelo de muitos pais que seus filhos sejam inimigos entre si, que se odeiem, que sintam inveja de um irmão, e que tenham por isso uma auto-estima diminuída, que não se sintam individualmente amados.
O que eu observo é que, em muitos casos, é esse mesmo medo e essa insegurança que movem a ação dos pais, e estes, ansiosos por impedir que algo de ruim aconteça, acabam, infelizmente, metendo os pés pelas mãos. Quero dizer: ao tentar impedir que um filho sinta ciúmes ou inveja do outro, que se sinta inferior, discriminado, diminuído ou menosprezado, os pais acabam promovendo exatamente o oposto do que desejavam, e fomentando a inveja e o rancor. Vamos analisar algumas atitudes e tentar entrever, em seu interior, o princípio que as motiva, para saber se ele é de fato correto; e, se não for, pode ser que, substituindo-o por outro mais verdadeiro, nossas ações comecem a ser mais efetivas naquilo que desejamos.
O receio de muitos pais começa cedo, tão logo a mãe engravida do segundo filho, ou, que seja, de um próximo filho, que vai, segundo dizem as más línguas, “roubar o trono” do mais velho. Não é pequeno o número de gente que, ao nos ver com a barriga grande ou com um bebê no colo, e outra criança junto ao lado, se aproxima e pergunta — na frente da criança, mas acreditando, por uma misteriosa razão, estar disfarçando... — se ele tem tido ciúmes; e, se acaso respondemos que não, vem a certeza resignada que nos garante: “Ah, mas vai ter...”. Esse terror confunde os pais, que cometem o grande erro de, assim que possível e o mais que puderem, afastar o filho mais velho desse grande evento que é a chegada, à casa, de um novo membro da família, e privá-lo de tomar parte em todas as mudanças que ela acarreta para a vida de todos. Na esteira do primeiro, o segundo erro dos pais é tentar compensar essa “perda” e esse novo “fardo” do filho mais velho com uma certa lassidão, fazendo concessões impróprias ou dando a ele a permissão de regredir em muitos hábitos já constituídos, que exigem alguma disciplina: a hora de dormir, de comer, o consumo de doces, o uso de fraldas, da mamadeira, da chupeta, o acesso a telas, o limite para certas condutas agressivas, e por aí avante. Em suma, a mensagem veiculada por tudo que os pais fazem é a de que a chegada desse irmão é realmente um mal, algo a se temer e com que se preocupar. Não era para ser, mas a própria atitude angustiada dos pais acaba transformando o evento de fato na perda de um posto, que exige desagravo, que dá direito a compensações sensíveis imediatas. Além de ser um arranjo impróprio das relações familiares, do papel e dos direitos de cada membro na família, é uma grande lição de egoísmo — e o egoísmo não é senão o pai da inveja.
Ao tentar impedir que um filho sinta ciúmes ou inveja do outro, que se sinta inferior, discriminado, diminuído ou menosprezado, os pais acabam promovendo exatamente o oposto do que desejavam, e fomentando a inveja e o rancor
Depois desse período da chegada de um novo bebê e dessa adaptação, quando as crianças já são maiores, está o relacionamento rotineiro entre os irmãos na casa, e alguns pais, motivados do mesmo modo pelo genuíno desejo de que haja paz entre eles, tentam regular sua conduta com relação aos filhos fazendo por eles tudo sempre igual. Essa ideia leva a atitudes como, por exemplo, comprar um presente para cada filho no dia do aniversário de apenas um deles, ou convidar os amigos de todos para todas as festas de aniversário, garantir que tenham as mesmas roupas, que comecem a fazer tudo com a mesma idade, enfim, empenhar-se para que todos tenham sempre a mesma quantidade em tudo, o mesmo tempo em tudo, as mesmas coisas, sejam tratados do mesmíssimo modo, com as mesmas palavras, e até os mesmos castigos, etc. Buscam, assim, ser justos e “imparciais” em tudo, de tal modo que qualquer desigualdade é considerada uma injustiça, pela criança e pelos pais.
Essa atitude está baseada, simplesmente, numa ideia equivocada sobre o que seja justiça. Essa ideia não está presente apenas no seio das famílias, na hora de educar os filhos. Já faz séculos que ela permeia a sociedade, sobretudo a política, e é causa de muito sofrimento e de muita confusão. Trata-se da identificação da ideia de justiça com a ideia de igualdade, a ideia de que os seres humanos são “iguais” — não iguais em dignidade, no sentido de que ninguém é mais ou menos humano do que ninguém, mas absolutamente iguais, em tudo, e por isso devem sempre receber as mesmas coisas, e ninguém pode ter, ser ou fazer algo que o outro não pode. As ações motivadas por essa ideia só ensinam às crianças que é básico, que é certo e esperado ter tudo sempre igual aos outros. Como nada funciona desse modo, nem as situações mais justas que existem — exatamente porque são justas —, elas acabam sempre desejando o que foi dado ao outro, a vida do outro, e achando as pessoas injustas, o mundo injusto, e até mesmo Deus injusto. E o mais natural é que estejam sempre exigindo compensações para essa injustiça da qual são vítimas tão frequentes.
Ora, justiça não é o mesmo que igualdade, uma igualdade irrestrita e absoluta, uma igualdade, digamos, irracional, isto é, sem proporção. A virtude da justiça se define, propriamente, como dar a cada um o que lhe é devido — e o que se deve a cada um não é o mesmo. A cada um se deve algo, é verdade, mas esta é, com o perdão do paradoxo aparente, uma igualdade relativa. Quando dizemos que uma roupa ficou justa, é porque ela se acomodou perfeitamente ao corpo daquela pessoa, ela se ajustou. Do mesmo modo as ações, as quantidades, o tempo, o modo de se dirigir e de colocar as questões devem ser justos com relação a cada pessoa, e a cada situação. Por isso, a educação que nós devemos aos nossos filhos, para ser realmente justa, não pode se identificar com a igualdade, visto que cada criança é única, mas sim com a equidade. O que quer dizer isso? Que nós devemos a cada um dos nossos filhos a sensibilidade e a atenção para identificar o que ele precisa em cada momento, considerando a sua circunstância, as suas tendências próprias, seu temperamento, enfim, a sua verdadeira individualidade: sua existência como um todo, sem abstrair, da concretude da pessoa humana, apenas o número: mais um, mais um igual. Os filhos não são uma quantidade — dois, três, seis, nove, onze —, pela qual é preciso multiplicar tudo, sempre, igualmente. Não. Cada filho é uma pessoa, e é assim que deve ser visto, amado, esperado, cuidado. Um lugar vago à mesa não é só um assento vazio a ser ocupado; essa ausência deve como que deixar uma pergunta no ar: Quem está faltando à mesa, qual é a pessoa, particular e individualizada, radicalmente insubstituível, que deveria estar aqui, nos completando?
A virtude da justiça se define, propriamente, como dar a cada um o que lhe é devido — e o que se deve a cada um não é o mesmo
Além da história de Caim e Abel, que vemos lá no começo da Bíblia, existe uma outra, pertinho do fim, que nos é contada por Jesus. A famosa parábola nos mostra como o pai, perante o filho mais velho que ficou com inveja do tratamento dado ao seu pródigo irmão, convida-o a compreender como é específica a situação dele, a dimensioná-la, e assim entrever a justiça daquela celebração pelo seu regresso à casa. É isso que nós também devemos fazer: orientar nossos filhos a compreenderem que um irmão está recebendo aquele momento de atenção a mais, ou ganhando um objeto, um presente, uma oportunidade, porque aquilo tem a ver com as necessidades dele, e é justo que elas sejam respeitadas. Se cada uma das crianças sentir que as suas próprias necessidades são consideradas, que seus pais têm atenção para ela e para a sua individualidade, achará muito natural e terá confiança ao ver que estão fazendo o mesmo para o irmão, e não vai sentir inveja dele, ao contrário, vai ter por ele compaixão, e pode ser que se alegre com isso, que se disponha a ajudar, e que passe a amá-lo do mesmo modo como está vendo que nós o amamos.
Assim, naquela ocasião da chegada do bebê, e em todo o relacionamento posterior entre um mais velho e um mais novo, nós devemos estimular o mais velho a que tenha paciência com o mais novo, que ainda não sabe as coisas, ainda não aprendeu, ainda não compreende o funcionamento de nada, nem é capaz de se comunicar tão bem, de entender as piadas e a graça das nossas brincadeiras. O melhor é aproximá-los, e não afastá-los: convidar os mais velhos a que observem com atenção o crescimento dos menores e suas progressivas conquistas, e que tenham compreensão, que valorizem seus esforços. Paciência e compreensão são duas notas do amor. Nesse convívio ao nosso lado enquanto cuidamos de seu irmão mais novo, estamos dando exemplo de gestos de amor e estimulando que nossos filhos se amem entre si, e nisso eles também se sentem amados, porque começam a compreender que já fizemos o mesmo por eles, ou que os irmãos mais velhos também tiveram aquela bondade para com eles, e os admirarão, e buscarão imitar a sua autonomia. Esse encontro deve ser encarado como uma grande oportunidade, uma chance de ouro para aproximar a família numa justa ordenação, e para que todos, inclusos o filho ou os filhos mais velhos, possam se instalar em seu devido lugar na família, compreendendo melhor o seu papel — o que devem e o que lhe é devido nesse ambiente.
Reparem como está na contramão dessas sugestões o gesto de comparar os filhos, mesmo quando a intenção é incitar que um repita as atitudes virtuosas do outro. Porque a virtude, o mérito de uma ação é proporcional a cada um, considerando suas particularidades, tanto as dificuldades como os talentos. O que para um é conatural, para o outro é um grande esforço; um está numa fase favorável para tal coisa, e o outro nem tanto, e assim por diante. Uma educação à base de comparação acaba sendo uma educação para a inveja, porque ensina a viver sempre olhando para o lado, e não para dentro. E é um procedimento, além do mais, que pode criar pessoas influenciáveis e superficiais, sempre a buscar para si uma referência exterior nos outros, e não o certo e o errado intrínseco de cada ação e o melhor a fazer em cada situação, com base nos valores que traz consigo.
E este deve ser sempre, como já falei outras vezes, o objetivo principal, o sumo a ser extraído e o saldo a ser resgatado de toda situação, das menores e cotidianas às mais marcantes e memoráveis, vivida no ambiente familiar que proporcionamos aos nossos filhos: a formação moral, essa busca constante por tocar neles, e fazer com que eles mesmos acessem, aquela fonte de amor ao Bem, que está em seu coração, para que sejam capazes de reconhecer a compensação interior real pelos atos virtuosos, aquele “prazer espiritual” de fazer o bem para o outro, a felicidade verdadeira que brota quando nos gastamos servindo. O relacionamento entre os irmãos nos dá inúmeras ocasiões de fazer isso, basta estarmos vigilantes para aproveitar as oportunidades.
Porque a virtude, o mérito de uma ação é proporcional a cada um, considerando suas particularidades, tanto as dificuldades como os talentos
Por exemplo, ao separar uma briga: Tenha claro que, seja lá qual for o motivo da briga, o tema, a causa, o objeto em questão, ambos estão errados; se estão brigando, os dois (ou mais) filhos envolvidos já estão, desde logo, errados. Oriente-os, acima de tudo, em como fazer para se controlar, e não deixar que seus sentimentos, como a raiva, a decepção, o desejo de vingança, tomem conta das suas atitudes, porque isso, não importa que razão pudéssemos ter no início, faz com que estejamos sempre errados. Mostre-lhes o valor relativo das coisas materiais; afinal, dominar essas paixões e manter a paz vale mais que o brinquedo destruído, ou pego pelo outro, ou mesmo que ter razão. Você pode, além do mais, ensiná-los a pedir desculpas mesmo estando certos, o que é uma grande lição de autosacrifício em função da paz, em função de sensibilizar o outro e fazê-lo também querer se desculpar; é uma negação do orgulho, uma lição de humildade. (E não é mesmo preciso fazer isso, tantas vezes, num relacionamento adulto?) Devemos, nessas situações, guiar sua atenção para que observem com cuidado seus próprios sentimentos, devemos distingui-los e nomeá-los, e incentivar que registrem bem a memória de como estão se sentindo, para que não venham a fazer o próximo se sentir daquele modo em outra ocasião. Nós poderemos fazer referência a esse repertório de sentimentos registrados quando formos repreender alguma atitude errada, e estimularemos neles o exercício da compaixão, em lugar do egoísmo.
Enfim, ao lidar com as brigas, as raivas e as invejas entre os irmãos, mais do que entrar no mérito das disputas, o objetivo áureo dessa formação moral que almejamos deve ser sempre revelar, para a criança, o significado profundo dos seus gestos: do gesto errado, do mal que causou ou da desordem que permitiu, e também o do gesto correto ou virtuoso correspondente, buscando que ele acesse a compensação interior pelo bem em si mesmo, sem referência a um outro, e que acesse também o arrependimento interior e sincero por ter agido mal, e não apenas o medo de alguma punição extrínseca. É assim que, em vez de criar autômatos ou pessoas sugestionáveis e frágeis, nós legamos a eles uma verdadeira autonomia, pois, sendo capazes de ver por si mesmos os valores, nós os preparamos para examinarem a própria consciência e, mais tarde, para poderem confessar seus pecados a Deus. Assim, quando o Senhor lhes perguntar interiormente “Onde está o teu irmão?”, terão uma resposta melhor que a de Caim, e, tendo aprendido a compaixão, a compreensão e a paciência para com seus irmãos, a inveja jamais os fará hesitar em adentrar a festa, e comerão, sempre juntos, o novilho gordo da casa do Pai!
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima