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Há cerca de um ano, escrevi, nesta mesma Gazeta do Povo, sobre o primeiro ano do governo Lula 3. Finalizei o artigo desta forma:
“Crescimento do crime, desmantelamento das medidas de prevenção à corrupção, deterioração fiscal, incremento de tributos, aumento da burocracia, patrimonialismo e fisiologismo turbinados, além do alinhamento internacional do Brasil com as autocracias, constituem as marcas deste primeiro ano do governo Lula. Por isso, não se engane com alguns sinais não tão negativos neste primeiro ano. A deterioração institucional, infelizmente, cobrará, a seu tempo, o seu preço.”
Ao fim de 2024, a deterioração econômica e institucional apenas se aprofundou.
O principal diferencial desde então consiste no fim da lua de mel entre o mercado e o governo Lula. No fim de 2023, o arcabouço fiscal havia sido aprovado e, apesar de certo ceticismo, acreditava-se, em espécie de autoilusão, que ele sinalizava alguma responsabilidade fiscal por parte do governo federal. As previsões econômicas para 2024 eram, então, positivas. No último boletim Focus de 2023, estimava-se que a Selic seria reduzida até o fim de 2024, chegando a 9% ao ano; o IPCA seria de 3,90%; e o dólar estaria em R$ 5,00. Os números reais foram bem diferentes: a Selic está em 12,25% e, pelo último boletim Focus de 2024, o IPCA será de 4,90% e dólar estará em R$ 6,05. O único dado positivo foi o crescimento do PIB maior do que o esperado, de 3,49% ante a previsão de 1,52% anterior. Entretanto, o crescimento econômico é resultado do aumento de gastos do governo e, portanto, não é sustentável, já que leva ao igual incremento da dívida pública.
Além do desempenho econômico ruim, o governo Lula não tem nada a apresentar em outras áreas
A reação de parte do governo e do PT aos números não tardou. A economia estaria sendo sabotada pelo mercado, de vísivel má-fé contra as realizações do governo Lula. Memes na internet, fake news e até a divulgação pelo Google de números falsos do câmbio estariam por trás do pessimismo econômico, segundo as fantasias de parte do governo e de seus defensores na mídia. Procura-se um vilão, já que o anterior, o Banco Central, agora será presidido por Gabriel Galipolo, nomeado por Lula, e então não será mais possível atribuir-lhe a responsabilidade pelos infortúnios da economia. Um novo vilão, nas narrativas do PT, estará disponível a partir de 20 de janeiro, já que Donald Trump tomará posse como o novo presidente dos Estados Unidos.
Não será fácil transferir responsabilidades pela incompetência, pois, além do desempenho econômico ruim, o governo Lula não tem nada a apresentar em outras áreas. A segurança pública está dominada pela percepção equivocada de que o grande inimigo é a polícia, sendo ignoradas as ameaças do crescente crime organizado. A educação perdeu dois anos focando esforços em revisar, sem sucesso, a reforma do ensino médio feita no governo Temer. A saúde está marcada pelos recordes de mortes por dengue, pelo desperdício de vacinas e pela completa apatia da titular da pasta. A proteção ao meio ambiente, que parecia ser uma promessa, foi encoberta por queimadas incontroláveis e pelo desaparecimento da ministra do Meio Ambiente. A diplomacia foi manchada pela adulação de ditadores e pelas apostas erradas do próprio Lula em relação à Venezuela, Israel e Ucrânia. Os resultados do G-20 no Brasil foram tão modestos que trapalhadas da primeira-dama bastaram para obscurecê-los.
O único fôlego do governo Lula vem dos desdobramentos do 8 de janeiro e da suposta tentativa de golpe de Estado no fim de 2022. As investigações e os processos decorrentes acabam, intencionalmente ou não, distraindo a opinião pública dos resultados ruins do governo e gerando certa solidariedade em seu favor. Essa fórmula tende a se repetir nos próximos anos, mas há dúvidas se será suficiente para obnubilar o resto.
Não tem o mesmo efeito na opinião pública o desmonte da Lava Jato realizado por parte do STF. A pauta é negativa ao governo, já que a ação do STF acaba a ele sendo associada. No entanto, o desmonte serve a um propósito específico, de revanchismo histórico, além de dificultar a retomada da agenda de combate à corrupção, o que favorece o atual governo.
Outro diversionismo surgiu recentemente com a polêmica sobre as emendas parlamentares e as decisões do STF sobre elas. Reclama-se que são excessivas e que carecem de melhor transparência. Pontualmente, ainda teriam ocorrido desvios. Ora, as emendas representam apenas uma forma de direcionar recursos orçamentários a projetos de interesse público apontados pelos parlamentares. Se o espaço orçamentário delas é excessivo, trata-se de uma disputa sobre o emprego de verbas discricionárias entre o parlamento e o Executivo. Se há pontuais casos de malversação, têm de ser apurados e rigorosamente punidos. Causa estranheza, porém, que o mesmo rigor com que o STF tem visto as emendas parlamentares não seja adotado em relação ao Poder Executivo, cujas ações também estão sujeitas a iguais desvios. Ao contrário, o atual governo recebeu do STF uma carta branca inexplicável para violar a Lei das Estatais logo em seu início. Imagina-se ainda o que possa estar ocorrendo com projetos megalomaníacos como o de revitalização – mais uma vez – da indústria naval. De todo modo, não creio que a disputa sobre as emendas parlamentares, embora tenda a se alongar, seja suficiente para distrair a população dos maus resultados do governo.
O governo Lula, já chegando à segunda metade do mandato, é ruim, não tem marca, não tem projeto e não tem rumo. Prematuramente, parece um pato manco que se arrastará, sem resultados, até o seu fim. A dúvida é se tem chances de recuperação. Somente com uma reviravolta completa isso seria possível, mas ela é improvável, pois envolveria uma revisão dos dogmas lulistas e petistas entranhados no governo. O Brasil precisará ter paciência até 2026, mas, pelo menos, terá então a chance de sepultar em definitivo o lulismo.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos