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Na última semana, recebi uma mensagem por WhatsApp de um amigo latino-americano que estava em viagem à China. Disse-me ele que estava em Pequim e que estava utilizando VPN para acessar o Gmail, o WhatsApp e a rede social X. Agregou que, apesar disso, ninguém o estava fiscalizando ou multando por isso.
O contraste com o Brasil é surpreendente. Estamos piores que a China. Não só o X foi banido por decisão judicial, mas também foi imposta uma multa de R$ 50 mil a aqueles que a acessarem utilizando “subterfúgios tecnológicos”. Sem ser partes no processo, 215 milhões de brasileiros foram submetidos a uma multa judicial destituída de qualquer previsão legal ou proporcionalidade.
Quando o X foi ameaçado de suspensão, fiz uma postagem na rede afirmando que se estava indo longe demais, mas que esperava que o bom senso prevalecesse. Não prevaleceu, infelizmente.
A reputação internacional do Brasil como democracia liberal foi prejudicada pela censura imposta ao X pelo STF
Os defensores da suspensão do X comemoram, com ufanismo, que a soberania brasileira deve prevalecer frente ao bilionário Elon Musk. Talvez tivessem razão se o único prejudicado fosse o dono da rede e não os mais de 22 milhões de usuários brasileiros que a utilizam como meio de comunicação de massa, envolvendo publicidade, mensagens políticas, científicas, sociais e a produção de conteúdo audiovisual e de informações. São eles os principais atingidos pelo banimento do X e pela imposição da multa ilegal.
Além disso, o X é a rede social com melhor inserção internacional. Os líderes dos países democráticos o utilizam como forma preferencial de comunicação imediata. Até o papa Francisco utiliza-o para fazer postagens à comunidade de fiéis católicos. Notícias do mundo inteiro são postadas no X de uma maneira rápida, sendo a rede utilizada também pela imprensa brasileira. Ainda que todos os brasileiros migrem para outras redes sociais, a comunidade internacional continuará no X. A suspensão da rede social significa um isolamento do Brasil na comunidade internacional de informação.
A reputação internacional do Brasil como democracia liberal foi prejudicada pelo episódio. Jornais e revistas como o Washington Post e a Economist publicaram editoriais severos contra a suspensão do X no Brasil. O fato de estarmos agora em companhia de China, Coreia do Norte, Irã, Turcomenistão, Paquistão, Venezuela, Mianmar e Rússia, países que também baniram o X, também não faz bem para a imagem internacional do Brasil. Parafraseando os eufemismos de Lula com a Venezuela, todos eles são regimes “desagradáveis” no que se refere às liberdades fundamentais, embora nem todos no mesmo nível de degradação de nosso vizinho ao norte.
Ao lado disso, as contas bancárias da Starlink foram bloqueadas no Brasil para pressionar o X e garantir o pagamento de multas. As duas empresas têm personalidades jurídicas distintas, com acionistas diversos. O fato de o poder de controle pertencer a Musk não autoriza confundir as duas empresas. A ilegalidade da decisão jurídica é mais um fator a corroer a segurança jurídica do país.
Em decorrência dos impactos econômicos da decisão, faremos, no próximo dia 10 de setembro, audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, a partir de requerimento que apresentei, também subscrito pelas senadoras Tereza Cristina e Damares Alves. A audiência é uma forma de iluminar os danos causados a todos os brasileiros, já que há aqueles que focam, como cortina de fumaça, apenas nas consequências para Musk.
Sou a favor do império da lei e do respeito às decisões judiciais, mas medidas radicais não se tornam jurídicas ainda que provenientes do tribunal supremo. O direito não está à disposição do STF. O descumprimento pelo X das ordens judiciais deveria ter dado causa a outras medidas que não a punição desproporcional dos mais de 22 milhões de usuários brasileiros do X, com danos à imagem internacional do Brasil. O STF, que se posicionava anteriormente contra a censura, parece abandonar, em uma conflagração com conotação política, a prudência, a legalidade e a sua responsabilidade como garantidor da liberdade de expressão. Triste e censurado país.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos