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Sergio Moro

Sergio Moro

Censura

Salvar a democracia?

Censura por parte do Judiciário tem se tornado cada vez mais frequente. (Foto: Pexels)

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Quando OJ Simpson foi a julgamento por duplo homicídio de sua ex-esposa e do namorado dela, sua defesa desconstruiu a acusação utilizando a assim denominada “racial card”: caracterizou a polícia de Los Angeles como racista – o caso Rodney King estava na memória das pessoas – e a investigação como orientada por preconceitos raciais. Apesar das provas robustas conta Simpson, ele foi absolvido.

Quando dezenas de empreiteiros, políticos e dirigentes de estatais foram pegos com as mãos sujas nos cofres da Petrobras pela Operação Lava Jato, as defesas, sem condições de debater o mérito da acusação, passaram a questionar formalidades processuais e acusar os juízes e procuradores de inexistente conluio, de motivações políticas e, ainda mais fantasticamente, de serem agentes dos Estados Unidos. A hipocrisia não passou despercebida. Todos repudiavam a corrupção, mas eram contra os processos, as prisões e acusações. As pobres empreiteiras, aliás, mergulhadas por anos em esquemas de suborno e concorrência desleal, deviam ser preservadas a qualquer custo, preferivelmente sem consequências. Apesar das condenações e prisões, os álibis artificiosos, após anos e a mudança dos ventos políticos, começaram a prevalecer.

Sustento que não há nada de jurídico nas anulações das condenações feitas na Operação Lata Jato. A questão é eminentemente política, tendo prevalecido, após o ímpeto inicial de justiça, a velha tradição da impunidade.

Proteger a democracia não é um álibi válido para a destruição de seus fundamentos, como a liberdade de expressão

O Brasil passou, nos anos recentes, por tempos tumultuados. O conflito entre os poderes se agudizou a partir de 2019. No ápice da tensão, durante as eleições de 2022, o clima de golpe de Estado estava no ar, embora este não tenha se ultimado. Dentro deste contexto, o sistema de prevenção e repressão da corrupção foi desmontado desde 2018 por ações de vários dos poderes. Atualmente, sob o governo Lula, ele só existe como fachada.

Ainda mais preocupante tem sido a utilização dessa tensão para a imposição de restrições excessivas às nossas liberdades fundamentais. Não muito tempo atrás, mais especificamente em 2015, o STF, em julgamento memorável, liberou a publicação de biografias mesmo sem autorização do biografado. Frases icônicas foram proferidas no julgamento: “o peso da censura é insuportável e intolerável” e “cala-boca já morreu”. Houve, porém, mais recentemente, uma guinada nesse posicionamento. A pretexto de salvaguardar a própria democracia, o STF e o TSE passaram a proferir decisões determinando a censura, principalmente – mas não somente – de publicações em redes sociais. As reiteradas críticas de alguns ministros, em seus discursos públicos, às redes sociais e a insistência na regulação delas dão a impressão de que o grande mal do século consistiria na internet e nas comunicações de massa efetuadas via rede social.

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É claro que não concordo com ameaças, instigação ao crime, ofensas de baixo calão, calúnias ou mentiras veiculadas nas redes sociais. Mas as sucessivas decisões judiciais de supressão de conteúdo, às vezes de suspensão de contas ou perfis nas redes sociais, ou mesmo de desmonetização de páginas ou de veículos de comunicação, não encontram previsão legal e soam inconsistentes com a liberdade de expressão própria de uma democracia. O exemplo de cima tem gerado excessos também nas instâncias ordinárias, como a recente suspensão das contas do candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal.

O que deve ser coibido, além das condutas claramente criminais, é a utilização de mecanismos artificiais de impulsionamento, como a utilização de robôs ou perfis falsos, além do emprego de fraudes escancaradas como fotos ou vídeos feitos por inteligência artificial com propósitos escusos. Agora, controlar o debate público e buscar imunizar o poder constituído de críticas ou de denúncias não é compatível com a liberdade de expressão ou o regime democrático. Não cabe à Justiça tutelar o que pode ser dito, o que pode ser ouvido ou o que pode ser debatido.

As ameaças à democracia devem ser combatidas, mas hoje, no Brasil, o remédio que tem sido utilizado para tanto, com boas ou más intenções, tem sido ele mesmo um veneno. Está na hora de apelar para as virtudes judiciais da moderação, essas, sim, essenciais à normalidade democrática. Proteger a democracia não é um álibi válido para a destruição de seus fundamentos, como a liberdade de expressão.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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