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Fui convidado, há cerca de 20 dias, a participar, em Kyiv, capital da Ucrânia, de uma conferência de parlamentares latino-americanos contra a guerra e em favor da independência e liberdade daquele país.
Causas para apreensão não faltavam, com informações recorrentes sobre a escalada da guerra, o aumento dos ataques de mísseis da Rússia contra a Ucrânia – inclusive com o uso de um míssil supersônico – e a ameaça de Moscou da utilização de bombas nucleares.
Resolvi ir, apesar dos riscos. Sempre fui contra essa guerra e sou admirador da luta da Ucrânia por sua independência e liberdade, em especial desde a chamada “Revolução da Dignidade”, em 2014, que teve como palco os confrontos da Praça Maidan, passando pela resistência heroica contra a invasão do exército russo em 2022. Então, quando surgiu a oportunidade de ir até Kyiv e manifestar pessoalmente meu apoio à causa da Ucrânia, senti-me compelido a tanto.
Não posso também ignorar que o Paraná reúne o maior número de descendentes de imigrantes ucranianos da América Latina, atualmente estimado em cerca de 500 mil pessoas. A cultura ucraniana está inserida na paranaense, seja com seus pratos típicos, como o varenyky (ou, na versão polonesa, pierogi), seja com os poemas de Helena Kolody sobre um povo indomável que não se cala. Os ucranianos paranaenses repudiam a guerra e sofrem por sua pátria originária. Tendo sido eleito senador pelo Paraná, também era meu dever integrar a missão e vocalizar in loco o repúdio à guerra.
Pude dizer ao presidente Volodymyr Zelensky o que todo brasileiro gostaria: o Brasil apoia a Ucrânia, o povo brasileiro é contra a agressão russa e a posição de Lula não representa o sentimento do povo brasileiro
A viagem ainda se fazia necessária para fazer um contraponto às vergonhosas declarações de Lula sobre o conflito. Lula é identificado como tendo posição favorável à Rússia, já que insiste em demonstrar sua proximidade com Vladimir Putin e não reconhece que a Ucrânia é vítima de uma agressão. Ele foi o grande responsável pela tibieza das declarações finais do G20 realizado no Brasil, nas quais, apesar do apelo à paz, foi omitida a responsabilidade da Rússia pela guerra.
Chegar à Ucrânia não é tão fácil, já que o espaço aéreo está fechado. Eu, a senadora Damares Alves, o senador Magno Malta e o deputado federal Paulo Bilynskyj, compondo a delegação brasileira, iniciamos nossa viagem com voos até Varsóvia (Polônia), seguindo por ônibus e trem até Kyiv. Na madrugada de sexta-feira, por volta de uma hora da manhã, cruzamos a fronteira da Polônia para ingressar na Ucrânia. A partir dali, tudo poderia acontecer.
Os dias seguintes foram intensos. Reuniões com várias autoridades ucranianas, soldados e vítimas civis da guerra, com os quais pudemos conhecer melhor os detalhes do conflito, os crimes de guerra de Putin, e a vontade indomável da população ucraniana de lutar por seu país.
Tive certeza do acerto da viagem quando pude, no encontro com o presidente Volodymyr Zelensky, dizer a ele o que todo brasileiro gostaria: o Brasil apoia a Ucrânia, o povo brasileiro é contra a agressão russa e a posição de Lula não representa o sentimento do povo brasileiro. Essa fala estava presa na minha garganta e na de vários brasileiros havia muito tempo. Ter a oportunidade de representar, juntamente com meus colegas parlamentares, os brasileiros contrários à guerra na reunião com o presidente dos ucranianos valeu todo o risco.
A viagem ainda se mostrou necessária para evitar o vexame internacional que decorreria da ausência de representantes brasileiros na conferência com parlamentares de vários países da América Latina. Imagine-se a vergonha se o Brasil fosse o único país ausente em Kyiv.
O relato de tudo o que vi e ouvi não cabe nesse artigo, mas também quero dizer que me emocionei na visita à Praça Maidan, palco da Revolução da Dignidade e onde tantos ucranianos morreram pela liberdade. Na ocasião, presenciei o funeral de um soldado e pude ver a área na qual os combatentes mortos são homenageados com fotos e pequenas bandeiras fincadas no chão. Ali, uma surpresa: também encontrei pequenas bandeiras do Brasil em homenagem aos brasileiros voluntários que tombaram em combate pela Ucrânia.
O que me surpreendeu foi a resiliência e coragem dos ucranianos. A vida em Kyiv, na medida do possível, segue normal. Não é uma cidade fantasma ou abandonada. As pessoas saem às ruas para trabalho e lazer normalmente, apesar dos riscos de ataques. Há uma vida que segue, com dificuldades, e deveres a serem cumpridos.
O Brasil precisa urgentemente ter uma posição mais clara de repúdio à guerra de agressão que a Rússia promove contra a Ucrânia
Putin está em uma guerra que não tem como ganhar. Para a Ucrânia e o seu povo indomável, é uma guerra pela independência e liberdade. Não irão aceitar ser dominados pelos russos. Continuarão lutando, com mais ou menos ajuda externa. Já para o russo, a guerra nada tem de animadora. A Rússia tem sofrido pesadas baixas humanas no front ucraniano, conseguindo apenas pequenos avanços territoriais. Sofre agora derrotas em outro front, na Síria, onde os rebeldes têm infligido derrotas às forças russas que apoiam Bashar al-Assad. Ainda que, no pior cenário para a Ucrânia, o exército russo consiga derrotar as forças ucranianas e ocupar o país, a vitória será apenas temporária, pois os ucranianos não aceitarão a perda da independência. Uma ocupação forçada do território geraria imenso custo e desgaste para a Rússia, e não teria como ser permanente. Já vimos essa história antes em cenários diferentes, como do Vietnã e Afeganistão. Não há futuro para Putin na Ucrânia.
O Brasil precisa urgentemente ter uma posição mais clara de repúdio à guerra de agressão que a Rússia promove contra a Ucrânia. A desastrosa diplomacia presidencial que nos alinha com ditadores contraria a tradição diplomática brasileira de respeito à paz e à soberania dos povos. O Brasil precisa também rever o seu comércio com a Rússia. As exportações russas ao Brasil dobraram desde a guerra. Eram cerca de US$ 5 bilhões em 2021 e atingiram US$ 10 bilhões em 2023. Em 2024, a tendência de alta prossegue. O principal item de exportação é o óleo diesel. Na prática, o Brasil tem comprado combustível sujo de sangue, já que os recursos ajudam nos esforços de guerra russos. Agregue-se que o Brasil serve como válvula de escape, já que a Rússia não consegue vender para os seus tradicionais clientes por causa das sanções econômicas a que foi submetida. Que o Brasil não participe da guerra nem rompa com a Rússia é uma coisa, mas que feche os olhos à realidade e a sua responsabilidade é outra.
Voltamos da Ucrânia no domingo. Nosso trem atravessou, com algum alívio, a fronteira para a Polônia às cinco horas da manhã. A guerra ficava para trás, mas não nossa solidariedade para com a Ucrânia. Precisamos fazer mais no Brasil.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos