Nos últimos anos, foi recorrente o debate sobre a reforma tributária e a sua premente necessidade. Os empresários reclamavam da confusão reinante nos tributos sobre o consumo, ICMS, ISS, Cofins, PIS, IPI, Cide, cobrados em uma federação com 26 estados, mais um Distrito Federal, e mais de 5 mil municípios. Empresários e trabalhadores pleiteavam redução da carga tributária sobre a folha de salários, um dos fatores que estimulam a informalidade no mercado de trabalho. Distorções no Imposto de Renda também eram objeto de reclamação, já que brechas na lei permitem que quem tem muito pague pouco e quem tem pouco pague muito.
Nesta última semana, a Câmara dos Deputados enfrentou a primeira reivindicação e aprovou, em deliberação relâmpago, considerando a complexidade da matéria, a reforma dos tributos sobre o consumo, substituindo os referidos cinco por três: o IBS, a CBS e um imposto seletivo.
Cabem loas à aprovação, pois os objetivos perseguidos, da simplificação e uniformidade, são louváveis. O problema são os detalhes – e o diabo, como se diz, mora nos detalhes. Há, por exemplo, disposições estranhas aos tributos sobre consumo e que são controvertidas, como a previsão de que as alíquotas dos impostos sobre heranças e doações poderão ser progressivas, o que pode levar ao confisco de parte substancial, a pretexto de distribuição de renda, do legado dos brasileiros aos seus filhos. Chama também a atenção a previsão de que o Executivo municipal poderá alterar a base de cálculo do IPTU mediante decreto, o que pode também afetar, sem prévia deliberação legislativa, os bolsos dos munícipes de forma significativa.
Os deputados enfrentaram um sério dilema: votar a favor com base nos princípios positivos da reforma ou votar contra pela falta de maior transparência
Mas mesmo quanto aos tributos sobre o consumo as dúvidas são enormes, a começar pelo fato de que não se sabe como as coisas vão funcionar de fato. Qual será a alíquota referência do IBS e da CBS? Não se sabe ao certo. É claro que não é muito próprio definir alíquotas no texto constitucional, mas seria oportuno ter alguma prévia ideia do que ela poderá ser. Tenho ouvido a contínua referência ao porcentual de 25%, o que representaria para diversos setores, especialmente para o de serviços, um significativo aumento da carga tributária. Argumenta-se que a unificação do ICMS, ISS e IPI permitirá que o prestador de serviços possa aproveitar plenamente os créditos dos tributos pagos em operações de seu estabelecimento em relação aos produtos e serviços que consome, com o que a carga real seria diminuída, mas ainda assim permanece a suspeita de que no fim a carga ainda será bem maior do que a atual para esse setor.
A divulgação dos textos da reforma somente na mesma semana da votação e as alterações substanciais feitas na última hora não ajudaram a resolver as dúvidas. Deputados enfrentaram um sério dilema: votar a favor com base nos princípios positivos da reforma ou votar contra pela falta de maior transparência. A sociedade, igualmente, não teve condições de examinar com profundidade o texto ao final votado. Lembro que, com reformas anteriores, não foi bem assim. A proposta da reforma da Previdência foi apresentada pelo Poder Executivo por projeto no início de 2019 e só foi aprovada meses depois, e após longa deliberação e debate. Minha esposa, a deputada federal Rosângela Moro, enfrentou esse dilema. Votou a favor de requerimento para adiar a discussão e a votação para agosto, mas ele foi derrotado. Depois disso, preferiu aprovar a reforma pelos seus aspectos positivos, e na expectativa de que o Senado possa corrigir os seus piores defeitos.
No fim, a reforma foi aprovada. Louvável, mas faria melhor a Câmara se tivesse aguardado para votar em agosto, quando o texto apresentado já teria sido melhor examinado por todos, parlamentares e sociedade.
O preço para a aprovação foi a concessão de tratamento tributário mais benéfico para diversos setores que resistiam à reforma, com a previsão de redução de 60% da alíquota de referência para eles. Em princípio, reduzir a alíquota é pertinente, mas benefícios setoriais podem se mostrar injustos em relação a quem fica de fora da benesse. A desoneração completa dos impostos sobre os produtos da cesta básica também foi fundamental, pois havia ceticismo enorme quanto ao funcionamento, na prática, do pretendido cashback para devolver o dinheiro pago como impostos pelas classes menos favorecidas.
A resistência dos governadores dos estados do Sul e do Sudeste foi, por sua vez, contornada por mudanças da forma de deliberação do agora criado Conselho Federativo. Este superórgão, que ninguém sabe direito como irá funcionar, terá competência para regular as leis, arrecadar os tributos e distribuir os recursos. Temiam alguns dos estados que, nas deliberações, não seria considerado o peso de suas respectivas populações. A solução foi estabelecer a necessidade de que as deliberações do Conselho sejam aprovadas pelos votos de estados que representem 60% da população. Engenhoso, mas vamos ver se, no Senado, não haverá resistência à regra pelos estados menos populosos.
É responsabilidade do Senado discutir profundamente o texto aprovado na Câmara e, no espaço político possível, melhorá-lo. Se o diabo mora nos detalhes, temos um encontro marcado
Neste fim de semana, tenho recebido diversas mensagens e contatos preocupados de eleitores. Em viagens ao interior do Paraná, falei com empresários, trabalhadores e profissionais liberais. O discurso é comum: todos são favoráveis à ideia da reforma, mas têm receio do possível aumento da carga tributária. Queriam, aliás, reduzir os impostos e não aumentá-los. Eu também, mas o fato é que o governo federal, que tem maioria hoje no Congresso, é gastador, não vai reduzir suas despesas e, portanto, não irá aceitar a diminuição de impostos.
A reforma ideal tem de buscar não só a simplificação – e há algumas dúvidas sobre se este resultado seria atingido pelo texto aprovado –, mas também a redução da carga tributária. Há muito aspira-se a uma reforma tributária e, embora haja pressa, a oportunidade não deve ser desperdiçada. É responsabilidade do Senado discutir profundamente o texto aprovado na Câmara e, no espaço político possível, melhorá-lo. É o que pretendo fazer. Se o diabo mora nos detalhes, temos um encontro marcado.
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