“Leis são como salsichas. Melhor não saber como são feitas.” A citação é comumente atribuída a Otto Von Bismarck, chanceler prussiano, responsável pela unificação da Alemanha no século 19. Em realidade, não há evidências de que ele seja realmente o autor da frase. Pesquisadores atribuem a origem da citação ao poeta norte-americano Jonh Godfrey Saxe, do mesmo século que Bismarck, mas menos conhecido. Segundo ele, “leis, como salsichas, deixam de inspirar respeito na proporção em que sabemos como elas são feitas”.
A comparação reflete a percepção de que a produção das leis não reflete necessariamente o interesse público ou geral. Há alguma verdade nisso. O legislador é vulnerável a pressões em favor de interesses específicos provenientes de grupos, categorias e corporações. O Congresso representa a população, em toda a sua diversidade, e é natural que o parlamentar eleito tenha atenção direcionada ao seus eleitores e apoiadores específicos. Mas a comparação envolve algo ainda mais negativo, a possibilidade de que a produção das leis seja influenciada por interesses especiais, nem sempre republicanos, e às vezes até coisas piores. No Brasil, temos o exemplo negativo histórico do escândalo do mensalão. O próprio STF, em julgamento histórico, reconheceu ter havido suborno de parlamentares federais para que votassem a favor dos projetos do governo Lula em seu primeiro mandato.
Esse juízo negativo sobre a produção de leis não deve ser generalizado. A necessidade de obtenção de maioria para aprovação de uma lei provoca naturais debates, com a realização de concessões e acordos entre os parlamentares. A opinião pública e a submissão do parlamentar a testes sucessivos nas urnas constituem limitadores de sua subordinação a interesses especiais. A pressão de grupos específicos pode encontrar freios e contrapesos nas pressões de outros grupos e por demandas pela universalização de tratamento igual. Enfim, o processo legislativo é complexo e qualquer reducionismo não reflete a realidade.
A aprovação do projeto de lei do fim das saidinhas é um bom exemplo de que o debate parlamentar não está de todo comprometido com interesses especiais e que ainda é possível encontrar soluções de meio termo para reformas nesse país
Estando no parlamento, resolvo aqui dar o meu testemunho sobre os bastidores do trâmite do Projeto de Lei 2.253, que acaba com as “saidinhas” dos presos em regime semiaberto nos feriados. O projeto foi aprovado ainda em 2022 na Câmara e veio ao Senado, sendo distribuído para a Comissão de Segurança. Nela, surgiu um impasse, pois alguns senadores entenderam que o projeto era excessivamente restritivo. A deliberação sobre o projeto foi assim retardada diante da falta de consenso sobre ele.
No fim do ano passado, ajudei a romper o impasse. Conversando com vários senadores envolvidos – a exemplo do presidente da comissão, senador Sergio Petecão; o relator do projeto, Flávio Bolsonaro; e o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco –, convencionamos realizar pequena alteração no projeto. O objetivo do projeto é o de eliminar as saídas de milhares de presos, quatro ou cinco vezes ao ano, nos feriados. Afinal, parte expressiva dos presos não retorna (14%, por exemplo, no feriado de Natal de 2022, aqui no Paraná) e uma parte deles ainda comete novos crimes, como foi o assassinato do sargento da PM Roger Dias em Minas Gerais, neste feriado de Natal de 2023, por um preso que havia sido liberado por saída temporária.
Em nenhum momento se cogitou suprimir atividades realmente ressocializantes, como as de educação e trabalho. Ocorre que o texto vindo da Câmara suprimia, inadvertidamente, não só as saídas dos presos nos feriados, a origem de vários problemas, mas também a possibilidade da saída externa dos presos do semiaberto para a realização de cursos educacionais. Apresentei, então, uma emenda para alterar o texto e preservar a saída externa para cursos de educação para os presos do semiaberto, colocando igualmente uma ressalva de que o benefício não abrangeria condenados por crimes hediondos ou praticados com violência ou grave ameaça contra a pessoa.
A despeito de alguma oposição do governo federal, a emenda atendia os anseios dos que se opunham ao texto original, demasiadamente restritivo, com os motivos daqueles que queriam a aprovação do fim das saídas temporárias nos feriados. Foi encontrada uma solução de meio termo que permitiu que o projeto de lei emendado fosse, na última semana, aprovado na Comissão de Segurança do Senado por unanimidade, seguida da aprovação de requerimento de urgência para que seja votado no plenário do Senado ainda em fevereiro. Acreditamos que o projeto deve passar, em seguida, sem dificuldades na Câmara. Ouvi nesta semana, de diversos parlamentares da base do governo, que não mais haveria oposição efetiva ao projeto, dada a solução de meio termo. Assim espero.
Salsichas à parte, a aprovação do projeto de lei do fim das saidinhas é um bom exemplo de que o debate parlamentar não está de todo comprometido com interesses especiais e que ainda é possível encontrar soluções de meio termo para reformas nesse país. É disso que o Brasil está precisando. O cidadão quer soluções práticas para o seu dia a dia e não confusão atrás de confusão em um meio político polarizado.
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