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Sergio Moro

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Rio de Janeiro

Lições do caso Marielle

Polícia Federal afirmou ter elucidado o assassinato de Marielle Franco, pouco mais de seis anos depois do crime. (Foto: Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro/divulgação)

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Espero que os mandantes do assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes paguem pelos seus crimes e que a família possa encontrar finalmente justiça e paz.

Algumas lições podem ser aprendidas de todo o episódio.

Nada justifica os assassinatos e caso, após o devido processo, seja confirmada a responsabilidade dos mandantes e dos executores do crime, devem eles ser punidos com todos os rigores da lei.

A exploração política do crime foi lamentável e contribuiu para a demora da solução do caso.

Ainda ontem, o foco de parte do espectro político era enfatizar que, durante o governo Bolsonaro, o crime não teria sido solucionado, com alguns chegando ao extremo de reinventar uma suposta cumplicidade.

A exploração política do crime foi lamentável e contribuiu para a demora da solução do caso

Vamos aos fatos.

O crime, desde o início, foi investigado pelas autoridades do estado do Rio de Janeiro, especificamente pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil.

Diante de suspeitas de que estaria havendo obstrução à Justiça mediante a introdução de provas fraudadas, foi instaurado inquérito, a pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ainda durante o governo Temer, para que a Polícia Federal realizasse uma espécie de “investigação sobre a investigação”.

Assumi o Ministério da Justiça e Segurança Pública com essa investigação em andamento. Realizei reuniões em Brasília com os delegados e agentes da PF responsáveis e sempre afirmei que o único interesse do governo, como deveria ser, era na justiça e na completa elucidação do caso. A investigação foi tratada como prioritária e não faltaram recursos e incentivos para o trabalho da PF.

Concluída durante 2019, a investigação da Polícia Federal confirmou que teria sido plantada uma testemunha falsa na investigação das autoridades estaduais do Rio de Janeiro, a fim de desviar o foco dos reais culpados. O fato foi informado ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e a hipótese fraudulenta divulgada pela testemunha mentirosa foi descartada, tendo a investigação retomado o seu curso. Pela mesma investigação da PF, apareceram, pela primeira vez, provas indiretas de que Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, poderia ser um dos mandantes do crime.

Sempre fui do entendimento de que o melhor para o caso seria a sua federalização e a continuidade dos trabalhos da Polícia Federal para a identificação dos executores e dos mandantes.

Não obstante, à época, consultamos os familiares das vítimas que reafirmaram sua confiança nas autoridades estaduais do Rio de Janeiro e que manifestaram sua preferência de que a Polícia Federal não assumisse o caso. Os familiares, inclusive, manifestaram publicamente essa preferência.

Diante da posição da família, entendi, no MJSP, que deveria respeitá-la, muito embora discordasse. A família estava provavelmente mal-informada sobre a realidade, mas seria complicado retirar, em um clima de desconfiança, as investigações das autoridades policiais do Rio de Janeiro.

No decorrer de 2019, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, negar a federalização das investigações, que havia sido requerida pela procuradora-geral Raquel Dodge. Assim se posicionou certamente influenciado pela posição pública defendida pelos familiares das vítimas.

A PF agora elucidou o crime e merece elogios, mas, se a polarização política não tivesse atrapalhado, talvez ele tivesse sido solucionado antes, ainda em 2019 ou 2020

No entanto, encerrada a investigação da PF sobre a obstrução às investigações conduzidas pelas autoridades estaduais, o MJSP ficou de mãos atadas sobre o episódio.

Ainda no segundo semestre de 2019, foram plantadas outras informações falsas sobre o crime, com a divulgação de depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra de que um dos executores do crime, Élcio Queiroz, teria visitado o presidente Bolsonaro na data do crime. Como a história era extraordinária e não conferia com nada das apurações feitas anteriormente, eu, como ministro da Justiça, determinei que se realizassem apurações sobre o fato. Na investigação realizada em seguida, o porteiro voltou atrás no depoimento e a perícia realizada nos equipamentos da portaria revelou que não fora Élcio quem havia procurado Bolsonaro naquele dia, mas o outro executor do crime, Ronnie Lessa, que morava no mesmo condomínio.

Apesar de todas as evidências em contrário, até hoje há quem invoque o episódio, buscando afirmar a participação da família Bolsonaro no crime e uma tentativa – falsa –, da minha parte, de intimidar o porteiro. Espera-se que, agora, com a solução do crime, possamos receber ao menos um pedido de desculpas.

Um fato surpreendente: um dos supostos mandantes, Domingos Brazão, era conselheiro do TCE-RJ. Antes do assassinato de Marielle e Anderson, ele havia sido preso e afastado de suas funções pelo STJ em um desdobramento da Operação Lava Jato. Ocorre que ficou pouco tempo preso e, anos depois, ainda reassumiu sua função por decisão do STF. Resta a dúvida: se ele tivesse permanecido preso ou afastado, teria ainda assim ordenado o assassinato? A impunidade mostra o seu preço. O criminoso, quando não encontra barreiras, tende a reincidir e até mesmo a praticar crimes mais graves. A vitória da impunidade deixa os criminosos mais confiantes.

O nível de deterioração institucional do Rio de Janeiro é alarmante, com bairros e áreas da cidade dominadas pelo crime organizado, corrupção nos altos escalões do poder público e mafiosos infiltrados nas instituições de controle

A PF agora elucidou o crime e merece elogios, mas, se a polarização política não tivesse atrapalhado, talvez ele tivesse sido solucionado antes, ainda em 2019 ou 2020.

De qualquer modo, é importante celebrar o resultado das investigações, pois acima de tudo o sistema de Justiça criminal deve uma resposta às vítimas, seus familiares e à própria sociedade.

A principal lição de todo o ocorrido diz respeito à situação do Rio de Janeiro. Caso se confirmem as hipóteses probatórias, teríamos um conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, um deputado federal eleito pelo mesmo estado e o ex-chefe da Polícia Civil do RJ envolvidos em um crime atroz e com características mafiosas. Representa uma barbárie, na qual as vítimas diretas são Marielle e Anderson, mas também é um ataque a todo o Rio de Janeiro. O nível de deterioração institucional do Rio de Janeiro é alarmante, com bairros e áreas da cidade dominadas pelo crime organizado, corrupção nos altos escalões do poder público e mafiosos infiltrados nas instituições de controle. O esforço necessário para limpar o Rio de Janeiro não pode se esgotar nas prisões dos assassinos de Marielle e Anderson.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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