Não é mais tempo de medir palavras; a política internacional de Lula abandonou a neutralidade, característica tradicional da diplomacia brasileira, e se alinhou a autocracias como China, Rússia e Irã, contra as democracias ocidentais.
Para deixar clara minha posição, entendo que o Brasil não deve antagonizar com a China, importante parceiro comercial do país, nem ingressar em guerras europeias, nem romper com Rússia ou Irã. Outra coisa, porém, é assumir uma pauta explícita em favor desses países contra as democracias ocidentais, o que Lula está fazendo desde que assumiu o poder. Os fatos são inegáveis, ilustrados pelos acontecimentos mais recentes.
Os eventos mais notáveis consistem nos discursos mais recentes de teor antissemita contra Israel, que promove uma guerra na Faixa de Gaza contra o Hamas, em reação ao ataque terrorista de 7 de outubro do ano passado. As ações de Israel são passíveis de críticas, pelo nível de destruição causado, pelos lamentáveis danos colaterais decorrentes de uma guerra urbana, bem como pela ausência de um plano claro para depois da cessação das hostilidades. Entretanto, constituem uma reação aos ataques iniciados pelo Hamas e são motivadas principalmente pela existência de reféns israelenses nas mãos do referido grupo terrorista. Enquanto o Hamas não devolver todos os reféns, fica muito difícil defender a simples cessação das hostilidades por Israel.
A política internacional de Lula abandonou a neutralidade, característica tradicional da diplomacia brasileira, e se alinhou a autocracias como China, Rússia e Irã, contra as democracias ocidentais
Em qualquer circunstância, as declarações de Lula equiparando a ação de Israel a um genocídio ou, ainda pior, comparando-a com o Holocausto são indefensáveis e revelam um componente antissemita no discurso presidencial, o que causou justo repúdio pelo governo de Israel, pela comunidade internacional e pela maioria da população brasileira que não compartilha a simpatia de Lula pelo Hamas ou com as falas antissemitas.
O Holocausto, a política de extermínio do povo judeu, com 6 milhões de vítimas, adotada pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial, não pode ser comparada a nada. É a essência do mal. Não há comparação possível com as vítimas do atual conflito, nem em termos numéricos, nem em igualdade de propósito. Os nazistas buscavam o extermínio do povo judeu, enquanto as mortes ocorridas na guerra atual, a população civil atingida na Faixa de Gaza, embora deploráveis, constituem o resultado de um conflito urbano, sem qualquer intenção de genocídio.
Mas esse é o mais recente exemplo, o mais gritante, de que a diplomacia perseguida pelo governo do PT está alinhada a valores que não são aqueles consagrados na Constituição brasileira, tampouco são compartilhados pela imensa maioria da população de nosso país.
Outro exemplo consiste na posição adotada por Lula em relação à guerra promovida pela Rússia contra a Ucrânia. No último dia 24 de fevereiro, a guerra completou dois anos. A Ucrânia, a duras penas, tem conseguido resistir ao exército invasor. Tem tido dificuldade em obter apoio mais efetivo das democracias ocidentais, especialmente o armamento de que necessita. O Congresso norte-americano tem sido relutante em aprovar novo plano de auxílio, embora o Senado tenha recentemente aprovado ajuda financeira substancial (US$ 61 bilhões), ainda havendo dúvida se a Câmara irá ratificá-lo.
No Brasil, os dois anos da guerra não mereceram do governo Lula nem uma frase sequer de solidariedade. Ao contrário, em um símbolo negativo, Lula recebeu, no dia 22, o chanceler russo, Sergei Lavrov, em Brasília, e não consta que tenha, de qualquer modo, reprovado a invasão. O Brasil ainda aumentou o comércio com a Rússia no último ano, e Lula tem dado declarações de que Putin seria bem-vindo no Brasil, mesmo sendo ele alvo de mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. É ainda ilustrativo que Lula não demonstre a mesma receptividade com Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, ou com o chanceler ucraniano, não se dispondo, desde o início de sua gestão, a recebê-los no Brasil.
Agravando o quadro, o mundo foi surpreendido pela morte na prisão do dissidente russo Alexei Navalny no último dia 16 de fevereiro. O Brasil, inicialmente, manteve-se silente. Lula, quando falou, recusou-se a condenar a Rússia, sugerindo ser necessário aguardar as apurações pelas próprias autoridades russas da causa da morte. Ora, Navalny foi preso arbitrariamente, havia antes sido vítima de envenenamento, e agora foi morto, em circunstâncias obscuras, em uma prisão russa. Seu único crime foi se opor a Putin e há fundada suspeita de que tenha sido vítima de assassinato político.
Se o governo Lula tem valores tão deturpados, a ponto de não sentir constrangimento em assumir tais posições no plano internacional, quem garante que não começará, na política interna, a adotar medidas próprias das autocracias?
A cereja da diplomacia antiocidental consiste na posição assumida pelo Brasil em relação às arbitrariedades da ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Ano passado, Lula recebeu o tirano de Caracas com pompas no Palácio do Planalto. Maduro rompeu o Acordo de Barbados, no qual havia assumido compromisso de garantir eleições livres na Venezuela no corrente ano. Não só inabilitou arbitrariamente o principal nome da oposição, María Corina Machado, a participar das eleições; a polícia venezuelana também voltou a prender opositores políticos e inclusive representantes de ONGs denunciantes das violações aos direitos humanos naquele país. Membros do Mercosul, como Uruguai, Argentina e Paraguai, denunciaram em conjunto o arbítrio, enquanto o Brasil manteve-se silente. Aparentemente, Lula está satisfeito com a fictícia “democracia relativa” na Venezuela.
É triste assistir ao Brasil alinhando-se, no plano internacional, a ditaduras, afastando-se das democracias ocidentais e da tradicional defesa dos direitos humanos. Não, o Brasil não deve ser polícia do mundo, não temos como nem por quê assumir esse papel. Outra coisa é assumir a posição contrária, alinhando-se ao polo antidemocrático. A grande pergunta é: se o governo Lula tem valores tão deturpados, a ponto de não sentir constrangimento em assumir tais posições no plano internacional, quem garante que não começará, na política interna, a adotar medidas próprias das autocracias? Lembro que muitos atribuem a queda do Estado Novo à contradição decorrente do ingresso do Brasil na Segunda Guerra ao lado das democracias ocidentais. A vitória da democracia no plano mundial contaminou positivamente a política interna e levou à derrocada da ditadura Vargas. Não estaremos dando passos na direção contrária atualmente? Não há risco de a política interna ser contaminada pela externa? São perguntas que não querem calar.
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