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Sergio Moro

Sergio Moro

O banco de DNA para criminosos

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Durante o governo Lula, será bastante difícil assistirmos avanços na área da segurança pública e de combate ao crime. O recente veto ao projeto de lei que coloca fim às saidinhas nos feriados dos presos do semiaberto é um exemplo da visão errada que permeia a presente administração. No entanto, apesar do governo Lula, é possível buscar avanços através do Congresso.

Um deles consiste na ampliação do banco nacional de DNA para criminosos, uma ferramenta poderosa para a segurança pública. Explico.

A genética forense revolucionou a investigação criminal em todo o mundo. Trata-se, na prática, do equivalente a moderna impressão datiloscópica. Inicialmente, ela consistia em recolher o perfil genético de vestígios biológicos encontrados no local do crime e confrontá-lo com os de suspeitos específicos do crime. Posteriormente, a partir do final da década de 80 do século passado, vários países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, passaram a armazenar e catalogar os perfis genéticos de criminosos condenados ou investigados em bancos de dados, em procedimento similar ao realizado com as impressões datiloscópicas.

Atualmente, para se ter uma ideia, os Estados Unidos possuem um banco de dados com cerca de 21 milhões de perfis genéticos, enquanto o Reino Unido, de 7,3 milhões.

A perícia genética forense, com a elucidação de crimes graves, popularizou-se em séries policiais como “CSI” e, mesmo aqui no Brasil, a série da Netflix “DNA do crime”, baseada no caso real do assalto à Prosegur, no Paraguai, fez grande sucesso.

O Brasil chegou tarde ao debate. O banco de DNA para criminosos foi criado, em 2012, pela Lei 12.654, prevendo a coleta do perfil genético de condenados por crimes praticados com violência grave contra a pessoa e autorizando o juiz a determinar a identificação do perfil genético de qualquer suspeito, por qualquer crime, quando necessário para as investigações.

Não houve um esforço significativo para que a lei fosse aplicada e ela ficou basicamente no papel. Apenas em 2019, quando assumi o Ministério da Justiça, organizamos política pública consistente para cumprir a lei e promover a coleta do perfil genético da população carcerária. Desde então o cumprimento da lei melhorou, mas o banco brasileiro ainda tem números modestos, com somente 216.779 perfis genéticos inseridos, o que é muito pouco em termos absolutos ou relativos comparados aos números de outros países.

Para mudar o quadro, o Senado aprovou, ano passado, o projeto de lei 1.496, de 2021, da senadora Leila Barros. Relatei o projeto de lei nas comissões do Senado. Ele prevê que todos os condenados à reclusão em regime fechado deverão ter o perfil genético identificado, ampliando, portanto, o rol dos criminosos sujeitos ao procedimento. Mais importante, o projeto estabelece que, para determinados crimes, praticados com violência contra a pessoa, sexuais e vinculados ao crime organizado, deverão os investigados ter o perfil genético colhido já quando da prisão em flagrante ou do recebimento da denúncia. Devido à morosidade do processo judicial, é importante antecipar o momento da coleta do perfil genético, o que permitirá elucidar crimes muito antes da condenação do criminoso. O projeto está atualmente na CCJ da Câmara e estamos atentos à sua tramitação.

Apenas em 2019, quando assumi o Ministério da Justiça, organizamos política pública consistente para cumprir a lei e promover a coleta do perfil genético da população carcerária

As críticas contra o procedimento não se sustentam. Coletar o perfil genético de uma pessoa significa hoje passar uma espécie de cotonete (swab) na mucosa da boca, medida indolor e de baixa intromissão na esfera física do indivíduo. O DNA coletado serve como uma moderna impressão datiloscópica, pois a lei não permite que ele seja usado para pesquisa ou identificação de qualquer característica genética do indivíduo.

Nos Estados Unidos, a coleta do perfil genético foi questionada na Suprema Corte como um procedimento violador de direitos fundamentais no caso Maryland v. King, de 2013. Jay King foi preso por assalto e, após a coleta do seu perfil genético e inserção no banco de dados, foi descoberto que também havia sido responsável por outro crime, havendo correspondência de seu DNA com o encontrado em vestígio biológico colhido em investigação de um estupro. Como consequência foi condenado também no caso de estupro. Ao final, a Suprema Corte entendeu que a coleta do perfil genético não violava a privacidade de King, estava justificada e que a realização do procedimento sequer dependia de mandado judicial, equiparando-o à identificação datiloscópica.

No Paraná, já vimos o potencial dos bancos de DNA, quando o assassinato, em 2008, da menina Rachel Genofre foi finalmente esclarecido após a coleta, em 2019, do perfil genético de um preso em Sorocaba (SP). Após a inserção do perfil no banco do DNA, houve correspondência com o DNA do vestígio biológico encontrado no corpo da menina. Confrontado com a prova irrefutável, o assassino confessou e foi condenado a 30 anos de prisão. Dos investigadores desse crime, ouvi que teriam confrontado o perfil genético do material encontrado no local do crime com o colhido de 200 suspeitos, sem alcançar qualquer correspondência. O assassino era um completo desconhecido e não estava na lista de suspeitos, só sendo descoberto, onze anos depois do crime, por conta de nossa decisão em 2019 de cumprir a Lei 12.654 e colher o perfil genético de todos os condenados abrangidos pela lei.

Esse é um ponto importante: o banco de DNA para criminosos é uma ferramenta poderosa para elucidação de crimes. No Reino Unido, com o amplo banco de dados de que dispõe, a inserção do perfil genético de vestígios materiais encontrados no local do crime encontra, em 66% dos casos, correspondência com os perfis genéticos de criminosos já inseridos no banco. Isso significa, na prática, que, em cerca 66% das investigações criminais, já há, logo no início, uma prova segura da autoria do crime.

Outra questão relevante diz respeito ao papel inibidor da reincidência gerado pelo banco de DNA de criminosos. Há estudos (por exemplo, “The effects of DNA Databases on Crime, de Jennifer Doleac) que estimam que a coleta do DNA de um condenado por crime violento reduz em 17% o risco de que este indivíduo venha a reincidir nos cinco anos seguintes à soltura. Infelizmente, no Brasil, ainda não há estudos acerca desse possível efeito.

Se ampliarmos o banco de DNA para criminosos, potencializaremos uma poderosa ferramenta investigatória, com prováveis reflexos na redução da reincidência criminal. O governo Lula, ao invés de perder tempo com marketing na segurança pública, deveria investir na moderna investigação criminal. Para tanto, duas medidas se impõem, aprovar o PL 1.496 na Câmara e cumprir a legislação já existente. Crimes se combatem com inteligência e tecnologia.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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