O governo Lula tem uma dificuldade séria para lidar com a segurança pública. Ainda assim, na última semana, apresentou informalmente aos brasileiros o que denominou de PEC da Segurança Pública, ou seja, uma proposta de emenda constitucional destinada a resolver o problema da segurança pública no país. Seria mais honesto chamá-la de “PEC da Embromação”, já que ela não tem condições de resolver qualquer problema real e serve apenas para que o governo finja estar fazendo algo nessa área.
Pela proposição, o governo federal ganharia influência na formulação das políticas de segurança dos estados e municípios, sob o argumento de que o crime organizado é um problema nacional e não local. A Polícia Federal teria suas atribuições ampliadas para atuar contra organizações criminosas, e a Polícia Rodoviária Federal se transformaria na Polícia Ostensiva Federal; sua atuação não mais ficaria restrita às rodovias federais.
Precisamos ser francos: o que o Brasil precisa é de leis penais e processuais penais mais duras. O PT, que molda o governo Lula, sempre foi contra qualquer iniciativa da espécie. Antes, acredita que o criminoso é uma vítima da sociedade e que, para resolver o problema da criminalidade, nada melhor do que uma boa política social.
A PEC da Segurança Pública é uma manobra diversionista, já que o governo Lula não tem interesse em enfrentar a criminalidade real
Qualquer iniciativa no Congresso atual para endurecer a lei enfrenta oposição do PT e de parlamentares da base do governo, a não ser que seja mesclada com a pauta identitária ou com a agenda política. Elevar penas, por exemplo, de crimes praticados contra índios, quilombolas e LGBTQIA+ tem a simpatia do governo. Instituir tipos penais abertos para crimes contra a democracia ou crimes de opinião, igualmente. Para outros assuntos, é muito difícil ter a simpatia do governo Lula. Um exemplo: recentemente o Congresso aprovou a Lei 14.843, que endureceu a execução das penas criminais, passando a exigir laudo de exame criminológico para progressão de regime de cumprimento de pena e acabando com as saídas temporárias nos feriados para os presos. Lula vetou a lei, tendo ela entrado em vigor apenas após o Congresso derrubar o veto presidencial.
O que se ouve do governo Lula ou de órgãos por ele influenciados é a velha ladainha de que prender não adianta nada e que o problema é o encarceramento em massa, sem falar na simpatia pela descriminalização das drogas. Confirma essa linha de pensamento a demonização da execução da condenação em segunda instância, medida que seria essencial para que o processo penal brasileiro ganhasse efetividade.
Grandes traficantes de drogas estão sendo soltos, a audiência de custódia virou uma porta giratória para criminosos habituais, e condenados por crimes de colarinho branco estão tendo suas condenações anuladas, tudo isso sob as bênçãos ou silêncio conivente do governo Lula.
Como se não bastasse, a PEC da Segurança é desnecessária em sua maior parte. A integração da inteligência e da ação policial demanda medidas concretas como a criação de centros integrados de inteligência e operações, como os chamados “fusion centers” norte-americanos. Criamos alguns durante minha gestão no Ministério da Justiça. Isso requer medidas concretas, muito trabalho e planejamento, mas não emendas constitucionais. Por outro lado, a Polícia Federal já pode, pelas leis vigentes, atuar contra o crime organizado. Não há nenhum grupo criminoso organizado relevante que não esteja envolvido em crimes federais como tráfico internacional de drogas ou de armas, ou lavagem de dinheiro transnacional. O problema é que o governo Lula determinou, após o 8 de janeiro, que o foco principal da PF atual fosse a apuração de crimes contra a democracia e de crimes de opinião. Aí faltam recursos e foco na criminalidade que realmente importa.
Nesse contexto, não é crível que a PEC da Segurança Pública seja uma iniciativa real. Na minha opinião, é uma manobra diversionista. Já que o governo Lula não tem interesse em enfrentar a criminalidade real com políticas efetivas, envia-se uma proposta de emenda constitucional ao Congresso para fingir que está fazendo algo. Se o Congresso não aprovar, a culpa passa a ser dos deputados e senadores. Se o Congresso aprovar, o governo diz, tardiamente, já passado mais da metade do mandato, que antes não podia fazer nada e que agora pode começar a fazer algo, embora provavelmente enrole um pouco mais com uma sucessiva regulamentação da lei.
No contexto atual, no qual o governo Lula é leniente com o crime, seria sábio aprovar aumentar a sua influência sobre as políticas de segurança pública dos estados e municípios? Seria conveniente dar-lhe maiores poderes para coordenar as ações das polícias estaduais e municipais? Todas essas respostas são negativas.
Por tudo isso, o melhor destino para a PEC da Embromação é o arquivamento. Parte dos senadores e dos deputados deseja aprovar leis que melhorem a segurança pública, protegendo as vidas e o patrimônio dos brasileiros. As medidas necessárias para tanto são outras, já bem conhecidas, e que não têm nada a ver com a PEC da Segurança. Faria bem o governo Lula, para melhorar a performance nessa área tão sensível para o cidadão brasileiro, que contribuísse com o trabalho desses parlamentares e deixasse de lado cortinas de fumaça.
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