Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal Federal (STF).| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
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Em um raro exercício de autocrítica, o STF admitiu pela primeira vez que algumas de suas decisões “atrapalharam” o combate à corrupção no Brasil.

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Para ser mais preciso, as palavras vieram do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da corte, em palestra na Academia Brasileira de Letras, nesta última terça-feira. Mencionou especificamente a revisão da jurisprudência que admitia a prisão após condenação em segunda instância, a anulação de condenações por causa da ordem de apresentação de alegações finais de acusados delatores, e a submissão da decisão de afastamento de parlamentar do exercício do mandato à própria casa legislativa.

Poderia acrescentar várias outras decisões, algumas monocráticas, outras colegiadas, do STF e que fizeram o combate à corrupção no Brasil não só arrefecer, mas retroceder pelo menos uma década.

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As mensagens dadas pelo STF por suas decisões tiveram suas consequências. O combate à corrupção deixou de fazer parte da agenda nacional

O principal erro judiciário do STF está no Palácio do Planalto. As condenações de Lula pelos escândalos de corrupção incontestáveis havidos na Petrobras foram exaradas e confirmadas em duas ações penais diferentes e confirmadas em três instâncias de julgamento por diferentes magistrados. A prisão de Lula para o início da execução da pena contou com a aprovação do próprio STF, quando denegou habeas corpus impetrado pela defesa e através do qual buscava-se impedir a prisão. Anos depois, em reviravoltas questionáveis, o STF entendeu que as ações penais deveriam ter sido julgadas em Brasília e não em Curitiba, e ainda viu suspeição do juiz (no caso, deste colunista) porque tinha proferido decisões desfavoráveis ao acusado no curso do processo. Detalhe: ainda que houvesse qualquer vício subjetivo, o que nego, as condenações já haviam sido confirmadas por outros magistrados e em outras instâncias. Aliás, em uma das condenações, a relativa ao sítio de Atibaia, a sentença de primeira instância não foi nem sequer exarada por mim.

Seguiram-se outras anulações de condenações de outros acusados, sempre por supostos vícios formais ou estendendo os mesmos duvidosos entendimentos a outros casos, usualmente por decisões monocráticas. Emblemática foi a anulação da condenação do ex-deputado Eduardo Cunha, em processos com provas de pagamento de US$ 1 milhão em conta secreta na Suíça, sob o argumento peculiar de que a competência seria da Justiça Eleitoral.

Respeitamos a Justiça e as instituições, mas as mensagens dadas pelo STF por essas decisões tiveram suas consequências. O combate à corrupção deixou de fazer parte da agenda nacional. Os agentes de lei perderam a confiança de que seu trabalho não será desfeito pelos tribunais superiores e que serão protegidos contra retaliações. O mito de Sísifo bem descreve a sensação atual dos agentes da lei em relação a investigações contra corrupção.

Faça-se justiça, pois o ministro Barroso sempre foi voto vencido nessas controvertidas decisões e o seu histórico de julgamento não reflete qualquer leniência com a corrupção. O mesmo pode ser dito em relação a alguns outros ministros, mas não todos. É importante também destacar que o ministro Barroso tem se oposto ao revanchismo contra os magistrados da Lava Jato. O seu voto contra o afastamento disciplinar, no Conselho Nacional de Justiça, da juíza federal Gabriela Hardt e dos desembargadores Carlos Thompson e Loraci Flores é digno do trabalho de Rui Barbosa mais de um século antes em O júri e a independência da magistratura, quando foi firmada a tradição brasileira contra o crime de hermenêutica, a fim de preservar a independência da magistratura.

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Seguindo o STF, ou melhor, com sua própria agenda, o governo Lula não demorou, ao assumir, a prosseguir com o desmonte dos mecanismos de prevenção à corrupção, sendo o mais notável a volta desenfreada do loteamento político de cargos públicos, inclusive nas estatais. Para tanto, contou também com a generosidade do STF, que suspendeu a vigência da Lei das Estatais durante o início do governo Lula.

Os sinais são todos ruins; as negociatas e lobbies diversos estão sendo realizados abertamente, não sendo conhecidos todos os seus bastidores. A governança, a institucionalidade e a previsibilidade das ações econômicas foram destruídas diante do esvaziamento dos mecanismos de prevenção e combate à corrupção. Que o início da autocrítica feita pelo ministro Barroso possa ser o começo do despertar para a importância da agenda anticorrupção para resgatar a moralidade pública e a eficiência econômica. Há um longo caminho pela frente e ele ainda é incerto.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]