Levo? Deixei quieto. Por aquele dia as compras e a conta estavam de bom tamanho. Voltei à loja tempinhos depois e lá estava o CD tinindo na prateleira. Pedi para ouvir. A primeira faixa, um belíssimo samba de Sueli Costa chamado “Elizeth”, tributo à divina, à enluarada. Pára, não preciso ouvir mais nada! Vou levar, quanto é?
Falo do primeiro disco Adriana Peixoto, homônimo, lançado pelo selo Studium Brasil. E falo com gosto porque há tempos não ouvia uma intérprete de timbre quente e firme, que divide compassos e frases com experiência de veterana. E ela só tem 34 anos. Durante 17 anos cantou na noite paulistana, daí a segurança na interpretação. Um canto sem amarras.
“Venho da noite onde aprende-se muito e acaba por se conhecer melhor a voz cantando vários estilos. É uma escola que nunca vou me esquecer”, diz ela entre gentilezas e generosidades. A todos, Adriana trata de “amor”. Quem usa essa palavra só pode ter coração e alma crescidos.
A árvore genealógica de Adriana Peixoto tem seivas espessas. Ela é filha do lendário pistonista Araken Peixoto (1930 – 2008), sobrinha do maestro e pianista Moacir Peixoto (1920 -2003), do imenso Cauby Peixoto e da cantora Andyara Peixoto. Mais: é sobrinha neta do compositor e pianista Nonô (Romualdo Peixoto, 1901/1954, que acompanhou Noel Rosa e Carmen Miranda), prima de Cyro Monteiro (1913 -1973) e de Dalmo Medeiros, compositor e integrante do MPB-4. Pois é…
Olha só que coisa: até se tornar conhecida e ser requisitada como cantora na noite paulistana, Adriana Peixoto fez que pôde para “esconder” tão nobre descendência. Para se fazer sozinha, sabe como é?! Abriu o jogo há pouco, afirma, quando muitos se deram conta de que o sobrenome era tão forte quando seu cantar.
O outing musical, digamos assim, foi em grande estilo: num show, ao vivo, com o “tio Cauby”. Que foi quem disse a Adriana que estava pronta para gravar. O mítico senhor da voz ainda fez questão de participar do disco e escolher a música: “Altos e baixos” (Sueli Costa- Aldir Blanc). “Tio Cauby tinha um sonho de gravar essa música”, revela.
“Adriana Peixoto”, o disco, tem 10 faixas, das quais três regravações. Samba na essência, mas com sotaques: rock, canção, jazz. Há canções românticas, sim. De Sueli e parceiros recebeu, além de “Elizeth”, a inédita “Outra vez, nunca mais” (em parceria com Abel Silva). De Dalmo Medeiros, deu voz à contagiante “De cabeça pra baixo”. De Miltinho e o poeta Paulo César Pinheiro defende “Passagem da ilusão” com garra e admirável modulação.
Bacana ter resgatado Isolda na confessional “Encontro”, que encontra similaridades poéticas em “Ação entre amigos”, parceria de Dalmo Medeiros e Danilo Caymmi. Ah, sim, Adriana teve o auxílio luxuoso do pianista e produtor musical cubano Yaniel Matos. Ele imprimiu levíssima sonoridade cubana – mais precisamente na percussão – sem deixar de enaltecer a essência brasileira do disco. Precisa ouvir como ficou renovada “Saudosa maloca”. Uau!
Adriana deixa assinatura pessoal até mesmo nas reinterpretações de clássicos, como bem faziam Elizeth Cardoso e Elis Regina, suas principais referências musicais. Não à toa, o professor Cauby reconhece, sobretudo, a grande intérprete que vem ao grande público: “Adriana é uma grande cantora, tem musicalidade, tem aquele jazz na voz, moderna. É do nível de uma Elis Regina”.
Pois muito bem, a música popular brasileira – de qualidade, é preciso enfatizar – ganha e muito com a inclusão de Adriana Peixoto no mundo fonográfico. De mansinho ela vem chegando e deixando audível que não é produto de mídia, muito menos uma artista volátil.
Quem vem da noite não sucumbe a vedetismos. Por isso o canto de Adriana carrega tanta verdade, mas tanta verdade que é bem capaz de o Brasil – transformado em metáfora pop – volte a polir a auto-estima musical.
A noite a fez ou a família musical deu um empurrão extra para se tornar cantora?
Olha, vou dizer, amor: minha família sempre me apoiou em todas as minhas escolhas. Para ser cantora eu fui atrás.
Ah, é?
É. Até pouco tempo as pessoas sabiam que eu era Adriana Peixoto, cantora da noite e tudo bem. Eu não ficava falando que era filha do Araken Peixoto porque não havia necessidade. As pessoas me contratavam por eu ser cantora, por gostar da minha voz, não sou por ser filha ou sobrinha de músicos consagrados. As pessoas, amor, começaram a associar o sobrenome há pouco tempo. Mas antes quando me perguntavam se eu tinha a ver com a família Peixoto, com o Araken ou Cauby, eu escondia…
(risos) Você renegava o sobrenome, menina?
(risos) É, mas no burburinho da noite as pessoas começaram a saber. Aliás, a oportunidade da gravação desse CD aconteceu num show que o tio Cauby Peixoto participou, aqui em São Paulo.
É verdade que foi o Cauby quem disse: “agora você ta pronta, pode gravar”?
(risos) Foi.
Olha só! Com quase 20 anos de carreira já teria dado tempo de ter gravado alguns discos, mas você precisou do consentimento do Cauby. Que coisa bonita e louca, né?
Olha, amor, do fundo do meu coração vou te dizer: eu nunca procurei. Tive essa oportunidade com a Studium Brasil através da empresária Luci Prudente (de Mello) que disse: “Vamos gravar”. E eu falei: “Vamos, é agora”. E aconteceu num momento que tio Cauby disse que eu estava pronta. Isso foi no ano passado, em fevereiro, março, enfim, há um ano.
Você sabia qual sonoridade o disco teria ou deixou tudo a cargo do Yaniel Matos
Quando eu me encontrei com o Yaniel, as músicas e a idéia dos arranjos já estavam na minha cabeça. Tanto que falei: “Yaniel, meu amor, você é um cubano chiquérrimo, entende o que eu quero”? Perguntei isso porque os metais, o piano, o baixo, tudo estava na minha cabeça. E ele fez traduziu muito bem o que eu queria. Lembro que eu disse a ele: “Vamos juntar sua salsa com nossa música popular brasileira, nosso samba”. Foi assim que o CD aconteceu.
Você regravou duas músicas do repertório da Elis. Ela é sua principal influência?
Olha, eu nunca pensei em regravar essas canções por ser da Elis, nossa diva eterna. Aprendi e aprendo muito com Elis até hoje. Alias, Elis e Elizeth Cardoso foram minhas influências maiores. Então, já vieram me perguntar por que eu gravei duas músicas da Elis – três se lembrarmos que ela também gravou “Saudosa maloca” – e eu respondi que escolhi essas canções em função também dos compositores, dos poetas. Não sei se estou sendo rude, mas acho que estamos precisando de qualidade, de poesia cantada.
Então me responda: você veio a que na MPB?
Ah, eu vim para mostrar ao público o que temos de melhor, que é nossa música e nossos músicos. Olha, na noite a gente canta centrado no público, mas nem todos estão centrados no artista. Agora eu sinto que o público está mais centrado em mim. Por isso, eu tenho que me valer como cantora e intérprete porque é o público quem vai dizer sim ou não.
O que seu pai, Araken Peixoto, lhe deixou de melhor como legado musical?
Ah, ele sempre, sempre, sempre me dizia: “Adriana, respeite o público. Em primeiro, segundo e terceiro lugares, o público. E depois, os músicos”. Foi um grande ensinamento do meu pai. Ele foi um grande músico e um grande homem.
Concordo. Você chegou a se apresentar com seu pai?
Infelizmente não deu tempo.
E aí o tio Cauby entrou na parada, ou seja, no disco cantando “Altos e baixos”…
Foi tio Cauby quem escolheu. Ele falou: “eu quero gravar uma música com você”.
(risos) E quem há de negar, né?
(risos) Meu Deus, que responsa! E ele falou a música: “Altos e baixos”, da Sueli Costa e Aldir Blanc. Falei que essa música é linda, linda! Tio Cauby tinha um sonho: quando a Elis gravou o disco “Essa mulher”, em 1979, cantou essa música e desde então ele sempre quis gravar.
Nesse mesmo disco da Elis, Cauby canta “Bolero de satã” com ela, que eu adoro!
Exatamente. Foi a primeira gravação que os dois fizeram juntos. Bem, fui me encontrar com a Sueli Costa num show que ela veio fazer em São Paulo. A Sueli me disse assim: “Adriana, o Cauby me ligava de madrugada pra cantar essa música para mim? Ele dizia que ia gravar um dia”. E a Sueli achou lindo o Tio Cauby gravar essa música comigo. Eu também.
Nossa, quanta responsabilidade…
Nossa! Ah, mas eu vou te dizer uma coisa, amor: no dia da gravação, no estúdio, foi tão lindo. Entramos, cantamos, ficou perfeita a primeira gravação. Foi emoção total! Eu me lembro que falei: Tio, esse é nosso momento”. E ele me respondeu: “Agora é o seu momento”. Não consigo traduzir direito como foi emocionante.
Você não compõe?
Ah, eu componho…
E por que não mostrou no primeiro disco, menina?
(risos). Ah… Eu preciso amadurecer mais o compor. Passei algumas letras para o Dalmo Medeiros, que é meu primo, ele amou e disse que iríamos começar a trabalhar nelas. Mas no primeiro CD, eu estou muito centrada na minha voz, na interpretação de obras de compositores que eu admiro. Num próximo eu espero que tenha músicas minhas. E espero que gostem como estão gostando desse disco.
Você tentou não ser cantora, fazer outra coisa?
Eu tentei, amor… (risos) Eu tentei, querido, tentei… Tentei seis faculdades, não terminei nenhuma. A primeira foi Musicoterapia. Saía direto da faculdade para cantar – eu estava começando – e aí foi ficando puxado. Fui para Educação Artística e disse: “Meu Deus, eu não nasci para esse tipo de arte”. Fui para Administração de Empresa, Psicologia, voltei para Administração e depois Comércio Exterior. Olha que loucura!
Você se lembra em que lugar e qual música você cantou pela primeira vez na noite?
A primeira música que cantei na minha vida foi “Mais uma boca”, da Fátima Guedes. Eu comecei a cantar no Bixiga, no Café Piu Piu. Ia com os amigos e um violonista sempre me chamava ao palco. Depois o dono da casa me chamou e perguntou se eu queria ser contratada. Foi assim que tudo começou.
Mais informações sobre a intérprete no site www.adrianapeixoto.com.br
www.myspace.com/adrianapeixoto
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