Fosse um projeto com os rigores tradicionais, talvez rendesse muita pompa e pouco entusiasmo por parte dos ouvintes. Ivan fez bem ao submeter parte de suas obras à exuberância da The Metropole Orchestra, que há mais de 60 anos se destaca na cena jazzística com saboroso diálogo com o pop. O resultado é incrível! Rendeu um disco com custos bancados pelo próprio cantor e compositor carioca.
O flerte entre o artista e a orquestra holandesa era antigo. O contato entre Ivan e o maestro Vince Mendoza se deu através do saxofonista Stefano Di Battista. Agendas acertadas, o primeiro concerto com a The Metropole Orchestra aconteceu em maio 2006 de onde foi extraída a faixa “Lua soberana” – ao vivo – e anexada ao repertório de 11 faixas.
A gravação foi feita em 3 de julho de 2008. O álbum sai sob chancela da Biscoito Fino. “Tenho feito muitos concertos com diferentes orquestras no Brasil e fora dele. Este é o primeiro a virar CD. Acho que todas as peças ganharam um colorido diferente, especial mesmo”, diz Ivan.
O entusiasmo se justifica. “Ivan Lins e The Metropole Orchestra” explora novas sonoridades em canções bastante conhecidas do compositor. Isso se deve, principalmente, à habilidade do maestro Vince Mendoza à frente de 70 instrumentistas. Em momento algum há excessos. Daí que as canções de Ivan Lins ratificam-se como universais.
As participações especiais: o cantor e compositor português Paulo de Carvalho (em “O fado”.), a cantora holandesa Trijntje Oosterhauis (nas baladas “Let us be always” e “Art survival”) e o guitarrista brasileiro Leonardo Amuedo. O multiinstrumentista André Mehmari fez o arranjo de “A gente merece ser feliz”, com base mais centrada ao piano. Samba jazz!
“Daquilo que eu sei” abre o disco em clima de Big Band – aliás, a The Metropole Orchestra tem esse perfil por primazia. Metais preciosos, solo incrível do saxofonista Leo Jansen em sintonia com a guitarra de Leonardo Amuedo. Contornos de jazz e um inusitado sotaque nordestino de Ivan acentuando palavras dos versos iniciais. Em contrapartida, a nordestinidade de “Tamanduá” está menos afoita.
No miolo do álbum, temas intimistas como “Arlequim desconhecido” e “Começar de novo”, em que Ivan sussurra palavras de despedida – boa reinterpretação. A confluência de linguagens expande-se na, digamos, salsa brasileira “Ai, ai, ai, ai” e em “O fado”. Boa sacada o duelo vocal de Ivan com os sopros de “É ouro em pó”. O público se rende de vez.
“Lua sobeana” encerra o disco. Melhor: homologa a rica parceria de Ivan Lins – um dos autores mais respeitados e mais gravados no exterior por nomes como Babra Streisand, George Benson, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald e Quince Jones – e a The Metrópole Orchestra, que em seu currículo tem apresentações com Charlez Aznavour, Stan Getz, Pat Metheny, Olera Adams, alguns. Isso explica o porquê de Ivan e a orquestra holandesa terem concebido um disco impecável. Que tal um DVD?
A seguir, a entrevista que Ivan Lins concedeu ao blog Sintonia Musical.
Há apresentações agendadas com a The Metropole Orchestra para divulgação do projeto? Qual a possibilidade de apresentação no Brasil?
Fiz o lançamento do CD apenas na Holanda. Fora da Holanda, vai ser difícil por problemas de custos…muita gente. No Brasil fica mais difícil ainda apesar de já haver promotores tentando, ao menos, levar o maestro (Vince Mendoza) para fazer com orquestras brasileiras. Mesmo assim, com esta crise, nenhuma empresa se manifestou a gastar o que a produção de um evento assim requer.
Você trabalha, aqui ou ali, com a linguagem jazzy além de participar de festivais de jazz. Seu trabalho fora do Brasil foi já foi chamado de World Music. Rótulos. Poderia traçar um paralelo entre o que fazia no começo de carreira e a atual forma de se expressar musicalmente?
Acho que sempre fiz uma musica eclética. O jazz nunca abandonou minha música, assim como as raízes brasileiras. Para dar um rótulo para minha música chamaria ela de “Total Music”. Ou seja, Música Total. Mas poderia simplesmente ser “Minha música”.
Você bancou o custo do trabalho. Não foi possível um patrocínio ou você nem foi atrás? Trata-se de um projeto caro?
Não foi tão caro assim… A orquestra não cobrou um tostão, vai ganhar royalties. Aliás, todos vão ganhar royalties. Portanto os custos foram baixos e deu pra pagar. Mesmo assim,com o mercado de música boa do jeito que está talvez não consiga recuperar o investimento.Mas valeu a pena; é um disco fantástico.
Ivan, poderia falar um pouco da experiência como um dos sócios da Velas? Por que se afastou da gravadora no final dos anos 90? Algum desentendimento com Vitor Martins?
Com o Vitor não. Jamais. Mas não consegui ser patrão de meus colegas e a empresa estava acabando com minhas finanças me obrigando a ficar escravo de shows a qualquer preço, a qualquer caraminguá. Hoje está tudo bem. A Velas está com o Vitor, não produz mais nada, mas tem um catálogo elogiável, distribuído por uma empresa independente. Assim o Vitor passou a ter tempo para escrever de novo,o que começamos a fazer este ano.
Você mantém as rédeas sobre seu trabalho. Essa independência traz quais vantagens e desvantagens?
A vantagem é a liberdade de poder gravar o que quiser. Desvantagem é que não existe mais por trás qualquer segurança seja financeira, seja ética. Como não sou muito ambicioso, gostaria de poder viver das minhas composições sem a obrigatoriedade de fazer shows pra sobreviver,se bem que, de vez em quando, adoro estar no palco.Não sei para onde caminha o mercado fonográfico, mas jamais conseguiria parar de compor.Se conseguir fazer desta atividade meu sustento posso viver com simplicidade,em qualquer lugar do planeta.
Para terminar: é verdade que você tem um projeto de música sertaneja de raiz com Rafael Alterio? Qual sua ligação com o universo regional?
É verdade. Mas é um projeto que ainda estou estudando para não atrapalhar os que estão sendo lançados. Formei esta dupla “sertaneja”, Fioravante e Guimarães (sobrenome de ambos), há muito tempo para shows beneficentes no interior de São Paulo. Fizemos uns dois ou três e depois não tivemos mais tempo. Resolvemos retomar no ano passado, mas ainda está meio difícil. É bom alertar aos desavisados que a nossa musica “sertaneja” é muito mais sofisticada harmônica e literariamente. Portanto,como se diz por aí, o buraco é mais embaixo…
REPERTÓRIO
* Daquilo que eu sei (Ivan Lins- Vitor Martins)
* A gente merece ser feliz (Ivan Lins – Paulo César Pinheiro)
* Formigueiro (Ivan Lins – Vitor Martins)
* Arlequim desconhecido (Ivan Lins – Vitor Martins)
* Começar de novo (Ivan Lins – Vitor Martins)
* Let us be always (Ivan Lins – Ronaldo Monteiro- versão: Carole King)
* É ouro em pó (Ivan Lins)
* O fado (Paulo de Carvalho – Dulce Pontes)
* Ai, ai, ai, ai (Ivan Lins – Vitor Martins)
* Art of survival (Ivan Lins- Vitor Martins- Versão: Brock Walsh)
* Lua soberana (Ivan Lins – Vitor Martins)
Mais informações sobre o artista no site www.ivanlins.com.br
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