Caetano está na roda outra vez! Que bom!! Depois de adiamentos sucessivos, o disco “Zii e Zie” (tios e tias em italiano) chega às lojas “amaciado” já que o repertório foi testado no show “Obra em progresso”, no ano passado. Rendeu até um blog – o próprio Caetano interagia com os leitores quando achava conveniente.
“O blog, em princípio, uma vez lançado o disco, deveria ou deverá desaparecer. Porém, pode ser transformado em outra coisa porque dificilmente continuarei postando, comentando ou discutindo nesse ambiente. O blog era um acompanhamento da feitura desse disco”, diz ele em entrevista no hotsite distribuído à imprensa.
O título do álbum,lançado pela Universal Music, veio durante a leitura (na versão italiana) de “Istambul”, do escritor e Nobel de Literatura Orhan Pamuk. Foi uma fã quem o presenteou durante turnê pela Europa. “Eu já tinha o desejo de colocar o título em italiano, embora não houvesse uma relação entre o repertório e a Itália. Eu tinha vontade de usar uma dessas expressões italianas em que a sílaba se repete na primeira e na segunda palavra. Ficou uma coisa enigmática, parece uma língua oriental que você não sabe o que é”, explica.
Então, tá! Coisas de Caetano. Tios e tias e tietes à parte, passei o dia (14.04.09, data oficial do lançamento) ouvindo “Zii e Zie”. Gostei!! Melhor resolvido que o anterior, “Cê” (2006), em que Caetano despejou um punhado de letras ingênuas revestidas com modernidades sonoras – exceções nas bem tangidas “Musa híbrida”, “Homem” e “O herói”, por exemplo.
Em “Zii e Zie”, Caetano deixa um pouco de lado assuntos pessoais e coloquialismo para abordar temas mais variados e dotados de signos mais elaborados. Sim, “Zii e Zie” trafega no universo sonoro de “Cê”. Há, porém, mais eficiência no trato com as palavras. E nos arranjos: o samba se insinua bem à força preponderante do rock. Há “transambas” no terreiro do “transrock”, palavras que servem de subtítulos do disco. Pois é…
A poética está mais crepitante. Por vezes elucubrativa (“A base de Guantánamo”) ou associativa (que bunda/ quimbundo) de “ A cor amarela”, em palmas que sugerem um samba-de-roda : “Uma menina preta de biquíni amarelo/ na frente da onda/ que onda, que onda dá/ Que bunda, que bunda! (…) O sol já tem muito o que fazer/na minha vida/ Querida/ quem é você?”).
Há fragmentos por se pinçar na crônica urbana e fatídica “Falso Leblon: “Odeio a vã cocaína/ Mas amo a menina/E olho pro céu/ Ela se esgancha por cima/ De mim: quem sou eu?”
Um bobagem: “Tarado ni você”. É só pular a faixa porque há intenções melhores decodificadas por Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo). “Esse disco, pra mim, representa o amadurecimento do som da banda como banda”, diz Caetano no Hotsite, um longa-metragem, digamos assim, com faixas (comentadas, inclusive) e entrevistas.
Das trezes faixas, apenas duas releituras. Uma: “Incompatibilidade de gênios” (João Bosco e Aldir Blanc), de 1976, em que Caetano deita palavras e mais palavras, no material de divulgação, para dizer que é uma obra-prima regravada em dó maior porque assim se instalou o canto de Clementina de Jesus em sua memória e etc etc e etc e tal. Tá!
A outra também é do repertório de rainha Quelé, posteriormente registrada por Roberto Ribeiro: “Ingenuidade” (Serafim Adriano). O samba fala um pouco mais alto nessas duas faixas, embora a guitarra o desafie.
Os arranjos- mais sóbrios, nem por isso inquietantes -deixam Caetano à vontade para, por exemplo,usar falsetes na sinuosa “Por quem?”, fazer breves pazes com o agora “irmão” Lobão (“Lobão tinha razão”), jogar frases – melódicas também – bem confeccionadas de “Sem Cais” (em parceria com Pedro Sá).
Há de se ouvir atentamente a quilométrica “Lapa”, observação aguda e por vezes contemplativa do bairro carioca que abriga cantos cool e popular – da moça vanguarda, do menino gostoso, Circo Voador, Choro e rock and roll até desaguar em Lula e FH. Interessante, sabe?
Através da generosidade rítmica de “Menina da Ria”, Caetano ressalta o gosto de roçar a língua de Luís de Camões. Desta vez com laivos de axé music. Pra valer: “Perdeu”, crueza surpreendente.
“Zii e Zie” suscita interesses redobrados em função dos muitos signos emitidos por Caetano e cia. A complexidade de uma obra –em progresso durante bom tempo – fez toda a diferença.
Ah, sim: em junho ou julho sai o DVD “Obra em progresso”, gravado ao vivo no Teatro Oi Casa Grande, Rio de Janeiro. Nos estúdios as músicas ganharam contornos melhores.
Uma coisa é certa: canções de “Zii e Zie” causam boníssimas impressões em qualquer ambiente. Ou estado de espírito. Melhor ainda: o projeto é melhor que “Cê” e infinitamente superior ao CD e DVD feitos em parceria com aquele ultrapassado senhor das rosinhas em que as músicas de Jobim receberam tratamento cartorial.
“Zii e Zie” demonstra, sobretudo, o dom natural de Caetano Veloso em modernizar-se. Ao contrário de alguns de seus contemporâneos.
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