Ah, tá! Certo! O “rei” vai comemorar 50 anos de carreira em 2010. Desceu do trono para anunciar o feito em entrevista coletiva anual.
Olha, não duvido, sinceramente não duvido se iniciarem o processo de canonização de Roberto Carlos por conta de súditos mais afoitos, que tiveram paciência – ou seria sublimação dos sentidos? – e mantiveram-se fiéis àquele que começou mandando uma brosa – mora ? – e hoje representa uma caricata monarquia musical.
Inúmeras atividades irão acontecer no próximo ano, conforme li na versão online do Caderno G. Cinquenta anos de Roberto! Cronologicamente, a comemoração procede.
Mas fiquei pensando com os botões da blusa: não tenho o que comemorar, muito menos reverenciar, sequer arriscar a ir a um show para ouvir e vê-lo dentro do terninho azul indefectível e ancorando-se no microfone com pedestal.
Já fui a um espetáculo de Roberto. Um só e nunca mais. Apreciei mais a devoção do público – silêncio de catedrais seculares -do que aquele sujeito cantando ladainhas em tom melancolicamente calculado. Impressionante como o “rei” tempera o gosto duvidoso da cultura de massa, a qual moldou com mais soberania em épocas distantes.
Atualmente, RC lustra o próprio verniz com bocejos diante de platéias entregues a emoções orquestradas. A alta e baixa culturas merecem muito mais de um soberano. Um “rei” sabe seu tamanho, menos ele.
Claro que Roberto Carlos é importante para a história da MPB. Ainda impera no imaginário popular. Eu, tu, ele, todos, direta ou indiretamente, fomos atravessados pelo cetro em riste e gozamos a liberdade de uma vida sem frescura, em algum momento.
Agora, acatar simplesmente a totalidade de sua obra para justificar o mito é anular a capacidade de discernimento entre produção em grande escala – dessa máquina de emoções saíram prodigiosas obras – e audível declínio produtivo. Pensa bem!
Poucos – eruditos e populares – ousam falar da lassidão estética de RC. Não querem ou não podem tecer publicamente comentários ácidos a respeito daquele que um dia quis ter um milhão de amigos e hoje blinda-se em açucaradas canções. Retórica desgastada advinda de um reino despedaçado. Comemorar o quê? Falo às paredes? Acho que não.
O ÍNICIO
Ouvi Roberto durante a infância e adolescência, gostava. Interiorano, todos os natais eram feitos de panetones, peru, champanhe barato, uvas passas, refrigerantes, castanhas, árvore de natal e especial de RC – popular como convinha à minha condição natural.
Discos que minha mãe fazia questão de comprar por amar aquele homem – e quem não o amava? Cresci e Roberto encolheu. Ficaram as canções. Algumas ainda toco – quando em vez – ao violão. E canto. Desabafo, isso sim. “Desabafo”, a última peça do amor e desamor que me tocou.
Uma revisada na discografia de Roberto. 56 discos, quase 100 milhões de unidades vendidas, o único artista latino a atingir impressionante marca. Recebi a primeira caixa da coleção “Roberto Carlos Pra Sempre”, coordenada pelo competente Marcelo Fróes.
Os discos demonstram o poderio do homem do iê-iê-iê do Brasil. De 65 a 69, álbuns fantásticos, músicas idem: “Eu sou terrível”, “Quando”, “Quero que tudo vá pro inferno”, “Eu te darei céu”… Muito: “As curvas da estrada de Santos”. Jovem Guarda!
Década de 70, efetivada a transição do rock para o romantismo, o auge da popularidade de RC: “Detalhes”, “À distância”, “Os seus botões”, “Não se esqueça de mim”, “Amada amante”. Época de chumbo grosso e Roberto cantava o amor.
Nenhuma canção de protesto, nenhum alento a quem padecia longe ou perto pela ditadura militar (breve exceção a “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, feita a Caetano Veloso, depois de visitá-lo em Londres).
Roberto passou incólume, não disse um “a” sobre as barbaridades. Protegia-se sob o manto de cantor romântico e não de protesto. Que coisa…
O MEIO
O disco de 79 e alguns da década de 80 já sinalizavam esgotamento de forças e a falta de “pegada” radiofônica. Emplacou algumas coisas boas: “Fera ferida”, “Do fundo do meu coração” (linda essa!), “Eu preciso de você” e até de cunho religioso, como “Nossa Senhora”.
As décadas de 90 e 00, praticamente perdidas em lamúrias e discos anêmicos. Lotava estádios – como até hoje lota, inclusive navios -, sustentado pelo magnetismo (opaco) – e canções do passado ancorando produções recentes.
Roberto começou imitando João Gilberto. Que também grava e regrava “O pato”, “O Barquinho” disco sim, disco não. A diferença: a cada novo toque, o papa da Bossa Nova renova em harmonias sincopadas. O mentor da Jovem Guarda não; permaneceu linear, imenso peso instrumental a vergar-lhe em discos e palco.
Roberto Carlos cristalizou-se. O público não se renovou. Qual jovem, me aponte um, baixa o mais recente disco do “rei”? A monarquia persiste graças à subserviência de súditos.
Sempre mantive uma postura crítica em relação ao artista e não à pessoa, cujas tragédias pessoais foram exploradas com pinceladas sensacionalistas pela mídia – cada um sabe o tamanho da dor, nisso eu o respeito.
Cego, no entanto, não me faço, inclusive, diante de atitudes conservadoras de Roberto Carlos, o “rei”. Onde estava ele durante a campanha das Diretas Já? Foi às ruas, vestiu amarelo? Não.
O que o levou a posicionar-se contra a liberação de “Je Vous Salue Marie” (1986), do cineasta Jean-Luc Godard? Simples: a obra ia contra seus princípios religiosos. Sou filho de Deus, assisti e nada de pernicioso acolhi. Ora, ora, não assistisse e deixasse a cultura fluir em paz.
Figura pública – olha a contradição – conseguiu na Justiça a retirada das prateleiras de “Roberto Carlos em detalhes”, de Paulo César de Araújo – na internet há quem ofereça a publicação. Disse ele, no site oficial (um verdadeiro bazar de miudezas kitsch), que a única pessoa autorizada a escrever sua biografia seria o amigo Okky de Souza. Livro chapa branca não vale, bicho!
E ISSO…
Roberto ruma aos 50 anos de carreira. Tudo será feito de acordo com suas vontades e manias e toques. Milhares de rosas serão atiradas ao pessoal das primeiras filas – aliás, os preços serão populares como condiz a um rei que quer ficar junto de seus escudeiros? Disse eu certa vez e repito: queria gostar de RC novamente, mas ele não deixa. Vivo sem ele perfeitamente.
Sabe o que dói? É quando dizem que Roberto Carlos é a cara do Brasil. Ai, ai! Que país ou reino é esse? Eu, hein!
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SUGESTÕES PARA COMENTÁRIOS
– Algo a dizer sobre os 50 anos de trajetória de Roberto Carlos?
– Qual música ou fase de RC você gosta?
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Mais informações sobre Roberto Carlos no site www.robertocarlos.com
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