Quase cinco anos longe dos estúdios representa muito tempo, ao menos para o público. Onde está? Onde andará? O que faz da vida? A cantora e compositora Céu acha certa graça nas indagações porque durante o possível distanciamento estava levando seu canto e jeito e arte aos quatro costados do Brasil e, principalmente, ao exterior. Ah, sim: tornou-se mãe também.
Os incensos em torno da intérprete paulistana foram se adensando por conta da repercussão que o disco de estréia (homônino, 2005) causou a milhas e milhas e milhas daqui. Ela tornou-se a primeira artista internacional a fazer parte do Starbucks Hear Music Debut Serie abrindo caminho para privilegiadas paradas da Billboard.
“Meu trabalho é artesanal, de formiguinha mesmo. Fiquei muito tempo em turnê e isso demandou muita energia para me concentrar num novo projeto”, minimiza Maria do Céu Withaker Poças, 29 anos.
Então, tá! Céu retorna num disco batizado –sintomaticamente – de “Vagarosa”, sob chancela do selo Urban Jungle com distribuição nacional da Universal Music. Lançado em julho nos EUA, o álbum vazou na Internet.Ela nem tchuns pra isso. “Faz parte”, refere-se ela ao fato. A artista iniciou a turnê de divulgação do projeto em Porto alegre (RS), na quinta-feira (27.08.09).
Na sexta-feira (28.08.09), aportou em Curitiba. A temporada brasileira tem patrocínio do programa Natura Musical e irá percorrer cinco regiões do Brasil nos próximos cinco meses. Melhor de tudo: a preços populares.
No palco, Céu – responsável pela direção musical – estará acompanhada dos seguintes músicos: Guilherme Ribeiro (guitarra, teclados e acordeon), Lucas Martins (baixo), Bruno Buarque (bateria) e o DJ Marco (MPC e pick up). O projeto de luz é de Fernanda Carvalho e o figurino de Milli Whitaker.
“Vagarosa” é orgânico, conforme definição da intérprete. Ao contrário do primeiro, editado em 2005, tem menos batidas eletrônicas. Há, no entanto, impulsos sonoros modernos onde a brasilidade insinua-se a elementos jamaicanos (dub e ragga), free jazz, um quê de rock e excelentes contornos de psicodelia.
Suaves, mas interessantes experimentações fornecem possibilidades literárias e musicais a serem exploradas – apreciadas, digamos – aos poucos. Buscam os campos sensoriais. Isso é muito bom!
Autoral. “Vagarosa” é subliminarmente conceitual através da conclamação ao silêncio, à “leseira” como forma de compreensão existencial a que cada um pode empreender. Substantivos, adjetivos, verbos. Expressões: tempo, toada, bocejo, alento, espreguiço, insônia, fugas mentais, repousar, saudade e por aí vai.
Nas treze faixas, Céu vai ao samba (“Sobre o amor e seu trabalho silencioso” e “Vira-Lata”, com participação luxuosa de Luiz Melodia) e à levada jamaicana na a deliciosa “Cangote” (em parceria com o produtor Beto Villares). Releitura bacaníssima de “Rosa Menina Rosa” (do primeiro disco do então Jorge Ben, de 1963) revestida de psicodelia e auxílio de Los Sebosos Postizos, formado por integrantes da Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e afins do Mangue Beat.
O tal convite a ouvir-se internamente estaria, por exemplo, em “Ponteiro”, “Espaçonave” (com sons captados na floresta amazônica) e “Bubuia”, gíria amazonense e que funciona como “respiradouro” num disco imerso em tantas possibilidades sonoras.
“Vagorosa” reafirma o porquê de meio mundo idolatrar essa moça com linguagem universal intimamente ligada à modernidade – o Brasil é moderno, sim!. Curitiba, corra e olhe a Céu! Ao vivo e em cores. Em transcendências!!
Confira a entrevista que Céu generosamente concedeu ao blog Sintonia Musical.
Por que não houve lançamento simultâneo do disco nos EUA e no Brasil? O CD vazou na internet. Isso não teria prejudicado o impacto por aqui?
Assim, não tem jeito… Não me incomodou nem um pouco, é sinal de que o pessoal teve interesse no novo disco e eu fico muito contente. O que aconteceu é que eu estava nos EUA finalizando uma turnê e lá há questões burocráticas que são mais rápidas do que aqui: edição de música, gravação, etc. Mas os lançamentos foram muito próximos.
Você não se importou muito com o vazamento porque, na atual conjuntura, o artista da música não depende tanto de vendagens e, sim, de shows. Estou certo?
Eu sou da geração Internet e o acesso às músicas está mais fácil, mais simples. Os artistas que estavam mais estabilizados e vendendo muito bem talvez não vejam muito bem esse lance da Internet. Faz parte essa coisa de vazar, não dá para nadar contra a maré. Acho que o artista vai ter que se conscientizar de que o dinheiro, a sobrevivência virá dos shows. Mesma com toda a tecnologia disponível, o show mesmo, aquele que você esteve lá e o artista falou alguma coisa, houve algum errou, desafinou, essas coisas do “ao vivo” são tão bonitas e ninguém tira. Talvez a gente possa ficar mais pobre, mas… (risos).
As letras citam palavras interessantes como “vagorosa”, “preguiça”, “bocejo”,”silêncio”… Acabaram por formar um conceito, né?
Quando começo a fazer um disco eu não elaboro um conceito. Acontece que havia uma inquietação interna minha sobre o excesso de informação, sobre a como as coisas estão aceleradas e a gente nem sempre pode estar presente em alguns momentos da vida… A gente fica com a cabeça pensando em mil coisas. Se a gente fizesse menos, trabalhasse menos, ganhasse menos as coisas talvez não estivessem tão bagunçadas. O planeta, inclusive. Tudo isso reverberou um pouco nas músicas e, sim, acabou virando um conceito. A palavra “Vagarosa” fala muito disso tudo.
Seria um convite à “leseira”, ao ócio produtivo, é isso?
É, mas uma leseira no sentido de que um pouquinho de preguiça não faz mal a ninguém; de que é necessário um pouco de silêncio interno para escutar realmente o que seu coração está dizendo. Isso vem da filosofia do “menos é mais”.
Talvez por isso o disco tenha uma sonoridade mais orgânica, com menos bases eletrônicas. É por aí?
Algumas pessoas falam que o disco é um pouco lento e eu discordo. Pode ser lento, mas tem também tem uma, digamos assim, certa pressão, com músicas para dançar. O disco não tem muita percussão: tem batera bem tocada, bem na frente. Um conceito mais o rock, vamos dizer.
O disco é pulsante também. No entanto, você acredita que seja mais contemplativo?
Talvez, não sei (risos)…
(risos) Ora, você é quem fez o disco…
Acho que é um disco com o qual você vai se adaptando. Talvez não tenha um refrão meio grudento no começo. O disco vai entrando aos poucos.
Tem “Bubuia”, que é deliciosa. É uma gíria?
É uma gíria da região do Amazonas. Eu conversei com um jornalista de lá e ele me perguntou como eu tinha achado esse termo que é tão deles. Foi ótimo o que ele disse porque eu gosto muito de pesquisar expressões brasileiras. É um termo que diz muito daquela coisa de você ir na maré, como a borbulha (bubuia) vai nas ondas.
Por que o mercado externo gosta tanto de você? Seria pelo fato de não falar apenas do Brasil onde tem coqueiro que dá coco e mostrar outra faceta do país?
Eu mostro as duas facetas. Eu tenho minha raiz muito embasada no Bras, mas não tenho medo nenhum de brincar com músicas bacanas como o jazz e o blues, por exemplo. O Brasil é muito mestiço, muito misturado e essa é a nossa graça, nosso encanto. O mundo ama isso na gente. Agora, quanto ao interesse na minha música eu acredito que o meu selo, o Urban Jungle, está fazendo um trabalho muito competente e especializado de venda e divulgação do disco no exterior.
Você é uma cantora moderna e “já é o futuro”, como disse o Caetano Veloso?
(risos) Ai que pergunta difícil…
(risos) Foi Caetano quem disse reclame para ele…
Bem, se ele disse eu só vou acatar porque eu sou fã, né?
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