Carlos Navas fez disco-tributo no centenário de Mario Reis: releituras sinceras
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O disco gira enquanto escrevo. Há um bocado de tempo não sai do CD Player. Nome: “Quando o Samba Acabou”. Cantor, quer dizer, intérprete: Carlos Navas. Homenageado: Mario Reis (1907-1981). Pois é… Não fosse Navas, artista com recursos vocais interessantíssimos, um dos ícones da música brasileira estaria relegado ao esquecimento. Em pleno ano em que se comemora (!?) seu centenário.

Se houve algum evento para marcar a data aconteceu só Deus sabe onde e quando. Cadê cantores e músicos da noite chegadinhos em datas redondas? Hein? Ah, meu Brasil, brasileiro… Adorações voláteis. Lançaram sequer um disquinho de coletânea. Nada!!

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Carlos Navas e “Quando o Samba Acabou” não deixaram os 100 anos de nascimento de Mario Reis passarem batidos. Ao que consta é o único registro em áudio de 2007. Sai pela Lua Music. Há um texto elogioso de Hermínio Bello de Carvalho. Encarte. Exatas palavras.

Álbum delicioso (se alguém quiser lamber, fique à vontade…). Navas compilou sucessos de Mario Reis, com destaque às obras de Sinhô (de quem o homenageado foi aluno de violão)e Noel Rosa.

Pode parar de pensar quem deduz tratar-se de um punhado de canções relidas burocraticamente como fazem uns e outros quando cismam de tributar voz a alguém. Carlos Navas (auxiliado por Ronaldo Royal, na direção musical e arranjos, além de Moisés Alves em “Meu Barracão”, de Noel Rosa) é um intérprete inteligentíssimo.

Decodificou a atmosfera e, dentro dessa vibração, imprimiu marcas pessoais. Vide “Dorinha, meu Amor” (José Francisco de Freitas)onde agudos fazem a diferença entre cantar e interpretar… E acrescentar.

“Quando o Samba Acabou” não é intimista. É sublime. Ouve-se em qualquer circunstância. Tem a participação luxuosíssima de Tetê Espíndola (em registro médio/baixo) na antológica “Joujoux e Balangandans” (Lamartine Babo). Há também “Filosofia” (Noel Rosa-André Filho), “Se Você Jurar” (Francisco Alves-Ismael Silva-Nilton Bastos) e “Jura” (Sinhô). Dez faixas no total.

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Tributo a Mario Reis é o sexto disco de Carlos Navas, cuja trajetória nunca esteve atrelada ao vedetismo. A decência e apurado senso artístico não o levam à busca desenfreada por dials. Paralelo a “Quando o Samba Acabou”, Navas está divulgando o sétimo disco, “As Canções de Faz de Conta”, segundo projeto infantil em que deita canto em músicas de Chico Buarque e conta com participações especiais de Bibi Ferreira e Vânia Bastos.

Confira os principais trechos da entrevista que Carlos Navas concedeu com exclusividade em que fala sobre a homenagem a Mario Reis e da trajetória artística.

“Quando o Samba Acabou” foi concebido para comemorar o centenário de Mario Reis ou o artista já lhe falava afetivamente há tempos, independente da data redonda?

São “coincidências” do universo. Depois de três discos dedicados aos autores contemporâneos, fiz um trabalho infantil sobre a obra de Vinicius de Moraes (“Algumas Canções da Arca…”), com o qual viajei por três anos ininterruptos por todo o Brasil. Neste período, surgiu a vontade de “mexer com o que veio antes”, o que acredito ser uma vontade comum a todos os intérpretes em algum momento. Imediatamente, não sei como nem por que, me lembrei de Mario Reis e fui saber mais sobre ele. Todo o meu caminho musical e minhas decisões são intuitivas. Eu procuro entender os sinais… Produzi o disco de forma independente e um amigo, o produtor Thiago Marques, o apresentou à gravadora Lua Music, que aceitou licenciá-lo. Foi quando percebi que seria o seu centenário. Mario é capricorniano como eu.

O que você acredita ter acrescentado ao repertório daquele que é considerado um estilista do canto?

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Não me preocupei e acrescentar nada e, sim, dar a minha leitura, evidenciando a sua modernidade, que influenciou tantos cantores.

Qual a maior contribuição, ao seu ver, de Mario Reis para a MPB, além da forma peculiar de cantar?

Ele foi um dos primeiros artistas da fase elétrica da gravação no Brasil (pós-mecânica) e se postava de forma quase confessional diante do microfone. Sua forma inteligente de emissão facilitou a gravação dos timbres vocais e a sua dicção valorizou imensamente o que cantava. Ele criou uma dinâmica de cantar que fez escola. Percebe-se uma inteligência rítmica imensa em suas gravações, além do fato de ter lançado pérolas que se eternizaram e ter sido o primeiro a gravar autores como Ary Barroso (“Vou à Penha”).

Qual a preocupação maior quando chegou-se ao ponto de arranjar as canções?

Menos é mais. Que fosse o Carlos Navas reverenciando Mario Reis com a personalidade que venho batalhando pra imprimir ao que canto nestes 11 anos e meio. Fiz um ensaio com o Ronaldo pra tirar os tons e um outro com ele e o percussionista Wlajones Carvalho. Gravamos as bases com voz, violão e a percussão, esta valendo. Eu voltava de Londrina e passamos as bases gravadas para os outros instrumentistas convidados. Gravamos e… tá ai!

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Você se considera um cantor, um intérprete ou um estilista, Carlos?

Quem sou eu pra ser um estilista. Canto há apenas 11 anos. Mario Reis, Alaíde Costa, Tetê Espíndola, Billie Holiday, estes e tantos outros o são. Sou um cantor que se preocupa em cantar bem e ter uma cara própria, me esforçando muito pra ser ouvido por um público cada vez mais atento e amplo.

Que espaço você já conquistou? O que pretende conquistar?

Não me frustro pelo o que não aconteceu ainda. Sou grato às coisas boas que aconteceram. Canto o que sinto, tenho muitos projetos distintos, faço da versatilidade uma forma de existência e sobrevivência e peço a Deus saúde. Pretendo tê-la sempre e ser ouvido por mais gente sensível, como é meu público. Não sei se ficarei rico e famoso, mas quero estar em paz e cantando sempre.