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DENTRO DE MIM TEM VOCÊ…

RENATO FORIN JR./ARQUIVO PESSOAL
MARIA BETHÂNIA ESTÁ LANÇANDO O DVD “DENTRO DO MAR TEM RIO”, ESPETÁCULO EM QUE CRUZA ÁGUAS DOCES E SALGADAS: REGISTRO AUDIOVISUAL FOI REFEITO A PEDIDO DA INTÉRPRETE

(Eu me desperdiçava por quem não merecia. O tal friúme dos amantes quando abrem as portas. Deu em nada, salivação cessada. Só ela para amainar minhas águas interiores. Ela no palco e eu vertendo Lágrima, nota a nota. A valsa. O Branco, espuma do mar, esse sim transcende coisa outra qualquer. Ela sobrepõe-se às coisas. Dama de espada da mão, pediu pra eu não usar “encontro das águas” por remeter a um ritual do candomblé. Disse que promoveria o “namoro” entre mar e rio. Bonito! Sob as bênçãos do vermelho de Oyá e o dourado quente de Oxum e a forte vibração de Odofiabá e suas sete anáguas. Eu amo o momento e movimento daquela mulher. Amo de ficar úmido. Cristais e amálgamas e a poesia dos vibratos, da voz metálica e dos cabelos esbranquiçados. Memória das águas de todas as cores e prolongamentos. Aquele momento, aquele dia, aquilo tudo que fez o homem de Xangô chorar emocionado quando perto dela chegou. A trupe de águas interioranas a saudar Alteza nos recortes de Capiba. Dada não foi à grande ópera por que estava esvaindo-se em turvos líquidos e não sabia mais de Okê. Quantos búzios virados na roupa dela. Tão signos! Sou das águas douradas e das matas ciliares também. Do mar, apenas o cheiro forte de homem, claríssima citação feita a mim à beira-mar. Tinha que vir Lufã, que cuida tão bem da Rosa enigmática. Eu sou memória daquelas águas. Daquele dia: Curitiba, 17 de março de 2007. No palco do Teatro Guaíra, Maria Bethânia desenhou-se em “Dentro do mar tem rio”. No camarim a pergunta. Sim, Maria da Águas, eu amei tudo o que fez. Eu senti tudo o que jorrou. Desde então, nunca mais morri do coração…)

EXPECTATIVA

Reprodução
DIRIGIDO POR ANDRUCHA WADDINGTON, DVD FOI GRAVADO EM SÃO PAULO: REGISTRO HONROSO

Um pouco de mistério ronda o DVD “Dentro do tem rio” (gravadora Biscoito Fino). Não se sabe bem o porquê de Maria Bethânia ter rejeitado a primeira gravação do audiovisual, feita nos dias 18 e 19 de agosto de 2007, no Canecão, Rio de Janeiro. Não gostou, mandou refazer quatro meses depois em São Paulo, no Citibank Hall, sob comando de Andrucha Waddington. Dias 7 e 8 de dezembro.

Havia uma expectativa muito grande quanto ao lançamento do DVD por se tratar do registro de um dos espetáculos mais densos de Bethânia. Com o tempo, a ansiedade foi se aplacando. O show, co-roteirizado por Fauzi Arap, faz a junção dos discos “Mar de Sophia” (apoiado nos textos da poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner para exaltar lirismos marítimos e religiosidades) e “Pirata” (das águas doces, serenidades e umidades singelas em canções e textos, principalmente de Guimarães Rosa).

O DVD chega ao mercado quase dois depois do lançamento do álbum homônimo e ao vivo. Sem extras, sem mimos. O show apenas. Bons ângulos, bons closes, boas expressões. Boa direção.

Mas não adianta: ninguém até hoje conseguiu captar a grandiosidade cênica de Maria Bethânia. “Dentro do mar tem rio” é bonito, sim. Para quem não viu o show, um registro honroso. Para quem deitou olhos e audição, as reminiscências. As minhas são muitas.

RENATO FORIN JR./ARQUIVO PESSOAL
NO PALCO, BETHÂNIA EVOCA INCLUSIVE SUAS ÁGUAS INTERIORES PARA DAR VAZÃO A CANÇÕES E POEMAS: ROTEIRO FOI DESENHADO JUNTAMENTE COM O DIRETOR FAUZI ARAP

APLAUSOS OU PAÓ?

Trinta e seis faixas. Extraídas foram “Riacho do navio” (por que, hein?), “Você” e Sob medida” – essas duas não encontravam afinidade do roteiro, portanto falta maior não fazem.

Viagem empreendida nas águas doces e marítimas, por vezes cruzadas. As forças da natureza, as paixões, a evocação aos orixás, o ato de fazer-se elementar. Canto e poesia a saudar águas e também lembrar quem se desidrata na falta delas – o roçar de metáforas e realidade. “Dentro do mar tem rio” tem boniteza e asperezas. Águas enfáticas e/ou serenadas. Um jorro de informações.

Diz Bia Lessa, diretora do espetáculo: “Esse show é pontuado por dualidades: Bethânia dentro do mar e Bethânia observando o mar. Ao passo que ela se insere e mergulha profundamente nestas águas, possui também um distanciamento crítico. Ao mesmo tempo que Bethânia perpassa toda aquela dramaticidade que é só dela, fruto de um entendimento absoluto da tragédia humana, ela está na verdade muito mais leve, meio que rindo disso tudo. Esse espetáculo é uma grande radiografia de Bethânia através das águas, um diálogo entre ela e o universo”.Pra quê dizer mais? Só sei e nunca me esquecer que por três vezes ao menos, Maria das Águas fez o Teatro Guairá calar-se: “Eu que não sei quase nada do mar” (Ana Carolina- Jorge Vercilo), a valsa “Lágrima” e “Ultimatum” (texto de Álvaro de Campo, 1917). O DVD reconta a história. Fielmente! Delicadamente!

Bethânia é mais bonita e forte ao vivo. Muitas palmas e assovios lhe são concedidos. Eu, paó!

Clique e confira o repertório do DVD

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