Os clichês são inevitáveis. Daí que a grata revelação, promissora artista ou mesmo a nova voz do samba chama-se Aline Calixto, tem 28 anos e é carioca radicada em Minas Gerais, a exemplo de um certo Milton Nascimento. Mora lá desde os seis anos de idade. A apresentação sucinta não comporta comparações com conterrâneos, mas algo precisa ser frisado: a moça cantora de bonitos trejeitos estreou muito bem na carreira discográfica.
No álbum homônimo, via Warner Music, Aline Calixto põe em prática tudo o que de samba aprendeu, fez e aconteceu desde os tempos em que atravessou – e se impôs – a então cena pop rock de Viçosa. Com um grupo de amigos universitário, alterou principalmente a rotina noturna da interiorana cidade mineira onde graduou-se em Geografia e formou-se nas rodas de samba. “Em quase todos os lugares em que vou fazer show sempre tem alguém que estava em Viçosa e viu o movimento que criamos”, diz com certo orgulho.
Aline abandonou o magistério por motivos de força maior: o samba mandou lhe chamar. Primeiramente em Belo Horizonte onde se apresentou ao lado de célebres como Monarco, Nelson Sargento e Luiz Carlos da Vila. A etapa seguinte, Rio de Janeiro. Lá, em dezembro de 2007, venceu, por unanimidade da comissão julgadora, o Festival Novos Bambas do Velho Samba, promovido pelo Bar Carioca da Gema.
Daí em diante, o nome da nova sambista corria de boca em boca, de bar em bar, de palco em palco. Saudada não só pelos predicados vocais e intimidade com o samba, mas também pela performance cênica. Os ouvidos das gravadoras captaram os elogios. “Tivemos propostas de várias gravadoras, mas com a Warner batemos uma boa mais direta e fechamos a parceria”, conta.
Aline Calixto, o disco, contém 13 faixas arranjadas por Jota Moraes. Músicos brilhantes são citados no encarte, entre eles Mauro Diniz, que assina com o pai Monarco a única faixa não inédita, “Retrato da desilusão”. O repertório privilegia nova safra de compositores mineiros, alguns nunca gravados ou lançados. Bons harmonizadores podem ser encontrados.
De Minas, ela pinçou, via internet, “Rainha das águas” (Rodrigo Santiago – Douglas Couto), incluiu também a dolente “Faz o seguinte” (de Renegado e seus versos melancolicamente amarrados como “tá tudo certo/ deixa terminar assim/ o amor só é amor quanto tem um triste fim”) e, por força de mídia, acabou por escolher “Tudo o que sou” (Toninho Geraes – Toninho Nascimento) para música de trabalho. Sincrética e tão brasileira. Bonita!
Há também canções desde os tempos das rodas em Viçosa, como a faixa abertura “Original”, de Santão e Sandro Borges, compositores de mineira Rio Pomba. “Revelar ainda é muito importante. É bom que esses nomes reverberem para dar um frescor”, analisa a cantora, que não reinterpretou nenhum clássico da MPB.
Célebre encontro
A diferença entre uma intérprete com estofo e uma cantora oportunista de samba (muitas por aí, convenhamos) pode ser conferida em “Enfeitiçado” (Affonsinho). A canção tinha tudo para se misturar aos hits fáceis das rádios da vida não fosse a nobreza de Aline a dourar versos tão singelos como frágeis. Minas e Rio aproximam-se através de “Teu amor sou eu”, reservada especialmente para ela por Rogê e o imenso Arlindo Cruz. Estende-se à Bahia através de Roque Ferreira (como esse homem é vasto) em “Oxossi”.
Aline apresenta-se como compositora. Dá conta do recado em três faixas: a amaxixada “Cara de jiló” (com versos de Juliano Buteco), Você e eu” (com melodia de Mestre Jonas) e a instigante “O dragão da maldade contra o santo guerreiro”, com versos ritmados de Makely Ka.
Numa reverência de dar gosto, Aline Calixto fecha o disco ao lado de quatro totens do samba:Monarco, Nelson Sargento, Walter Alfaiate e Wilson Moreira. No encontro inédito, cantam “Uma só voz”, do incensado Eduardo Krieger, presente também em “Saber ganhar”.
A turnê promocional do disco será entre agosto e setembro e deve percorrer algumas capitais. Curitiba poderia ser incluída no roteiro, afinal Aline confessa que nunca se apresentou em nenhuma cidade do Sul do Pais. Seria a chance de conferir de perto o talento da carioca-mineira tão cantada em verso em prosa.
Enquanto não vem o DVD, há imagens disponíveis dela da internet. “Tenho praticamente todas as ferramentas para ampliar meu trabalho: Orkut, MySpace, blog, Twitter. Acho bacana alimentar essas fontes. Sempre que possível respondo aos recados, adiciono pessoas. Defendo uma proximidade maior e saudável com os fãs”, avisa. O recado está dado.
A seguir trechos da entrevista que Aline Calixto concedeu ao blog Sintonia Musical
Muitas cantoras novatas, ao menos em disco, estão apostando no samba. De onde vem sua intimidade com o gênero?
Desde muito cedo eu ouço muita música. Não só samba; MPB de um modo geral. A questão do samba é o seguinte: quando fui para Viçosa estudar Geografia, havia uma cena muito forte de reggae e de rock e, junto com amigos universitários, começamos a fazer um som. Todos tínhamos uma grande empatia com o samba. Nós nos reunimos e acabamos criando um movimento, uma cena que antes não havia na cidade. Centenas de estudantes iam todas as quintas-feiras assistir ao que fazíamos. Ouvi relato de pessoas que não conheciam muito o samba ou não gostavam muito e acabaram se tornando fãs. Minha história com o samba ficou mais intensa porque das rodas de Viçosa eu fui a Belo Horizonte e depois Rio, São Paulo.
Sua trajetória artística está desde já cristalizada como cantora de samba ou está sujeita a variações?
Com certeza! Eu sou apaixonada pela nossa música, que é muito rica e temos que explorar mesmo. Eu sou aberta a outras experimentações e a outros trabalhos sim! Nesse momento, o disco foi dedicado ao samba e algumas de suas vertentes como o maxixe, o ijexá, mas isso não impede de daqui a alguns anos eu experimente outros elementos e outros ritmos Eu não gosto muito de rótulos. Eu sou o que eu gosto e acredito.
Aline, você acredita que cada lugar tem uma especificidade ou samba é samba em qualquer lugar?
O que pode acontecer é que em determinadas regiões sejam incorporados novos elementos, como no samba do Recôncavo baiano que tem a viola, muito presente na cultura de lá. Não gosto de setorizar o samba. No caso do meu trabalho, a gente tem uma presença legal das harmonias mineiras que são reconhecidas mundialmente. Temos o Toninho Horta, por exemplo, que é uma fonte que eu bebo também. Mas para mim samba é samba.
No disco há duas canções, “Oxossi” e “Rainha das águas”, que me chamaram a atenção. Alguma ligação com a religiosidade afro?
Eu acho muito importante essas duas músicas estarem no CD porque revelam uma importante face da nossa cultura. Não tenho ligação direta com nenhuma religião. Eu acredito em Deus! A questão afro eu vejo muito mais como identidade cultural que precisa estar presente sim. O que é bom e importante culturalmente temos que registrar.
Muito se fala da sua presença cênica. De onde viria? Do teatro ou de intuição interpretativa mesmo?
Olha, eu nunca estudei teatro nem mesmo música. Minha formação realmente é intuitiva e eu tento viver o que estou cantando. Eu me entrego mesmo. No palco eu canto o que professo e acredito. Talvez por isso eu deixo os poros abertos para exalar o que sinto e as pessoas poderem sentir.
Quem a atravessa musicalmente?
Ah, muita gente como Dorival Caymmi, Cartola, Paulinho da Viola… Para mim, uma das maiores cantoras que temos hoje – e viva ainda, graças a Deus – é a Maria Bethânia. A interpretação dela é algo que sempre me fascinou porque ela consegue ser doce e forte ao mesmo tempo. Bethânia dá uma força na interpretação que acaba deixando uma canção mais rica. É uma das maiores intérpretes que temos. Sempre ouvi também a Elis, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Clara Nunes… Mas quem me impressiona muito é a Maria Bethânia. Há a Marisa Monte que é uma referência para as intérpretes da minha geração. Há também muitas outras pessoas que eu ouço como o Roberto Carlos, que eu amo de paixão.
Sério? Que bacana! Você gosta inclusive da fase atual?
Sou fã do Roberto Carlos, mas sou mais fã da fase antiga dele. Eu aprendi a gostar de Roberto com o meu pai. Tem também Tim Maia. Enfim, é bem diversificado meu universo musical.
Você se propõe a que artisticamente. Quais são seus objetivos como cantora, Aline?
Acho que o que todo cantor e compositor procura: mostrar seu trabalho a um número maior de pessoas. Quero mostrar minha arte, meu cantar, revelar compositores que eu acredito. Escolhi ser cantora não por ocasião e, sim, por opção. Eu quero tocar o meu barco.
Mais informações sobre a artista no site www.alinecalixto.com.br