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Ele prega a construção do amor

RENATO FORIN JR/ ARQUIVO PESSOAL
O CANTOR E COMPOSITOR PAULISTA KLÉBER ALBUQUERQUE REAFIRMA O SINCRETISMO MUSICAL EM SEU MAIS RECENTE DISCO, “SÓ O AMOR CONSTROI”: “MINHAS BUSCAS POR LINGUAGENS NÃO PASSAM PELA DIFICULDADE, MAS PELO INUSITADO”

Quando soube que o título do mais recente disco era o nome de uma canção de Dom e Ravel – é, daquela duplinha do regime militar-, Kléber Albuquerque quis saber mais detalhes. Recorreu à internet.

Não tinha nada a ver com os propósitos estéticos de “Só o amor constrói”, quinto álbum do cantor e compositor paulista. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura/ porque só o amor constroi, mas depois vem a fatura”, escreveu Kléber na aboleirada faixa-título. O álbum tem chancela da Sete Sóis e distribuição da Tratore.

Irreverências há, sim senhor. Inquietudes experimentais também, embora menos refreadas que outrora. Porém, Kléber Albuquerque ainda posiciona-se como um artista incomum. Habilidoso com as palavras e construtor de sonoridades ávidas por ouvintes nada afeitos a comodismos, ele promove o hibridismo com o que de contemporâneo possui e com o que de ancestralidade há na sua carga “genético-musical”.

Autoral (com parcerias firmadas com Adolar Marin, Élio Camalle, Zeca Baleiro, Danilo Moraes, Chico Cesar, Fred Martins e Rafael Altério), “Só o amor constrói” tem narrativa forte e sincrética. Nas 15 faixas, há ideias que necessariamente não convergem em conceito. Há crônicas de labor, canções de amor, humor, temas existenciais, muita poesia. Liberdade criativa para colocar canções aparentemente distantes, mas que no todo do projeto acabam por dialogar.


AUTORIAL “SÓ O AMOR CONSTRÓI” CONTÉM 15 FAIXAS: INQUIETUDE MUSICAL E LITERÁRIA

Lá estão, por exemplo, um poema musicado de Hilda Hilst com reverberação renascentista (“A vossa casa rosada”, extraído do livro “Trovas de muito amor para um amado senhor”), a versão ska de “Esquadros” (Adriana Calcanhotto), uma evocação interessantíssima à bola no gramado (“Futebol para principiantes”, com citação incidental do Hino Nacional), laivos de canções popularescas (“Só o amor constrói”), a releitura cinematográfica de “Logradouro” ou mesmo na cantilena metafórica de “Já não tenho medo” (com declamação de André Sant´anna). Renato Braz participa da bela “Cala frio”.

Para dar conta das efervescências literárias, Kléber Albuquerque chamou a Miniorkestra de Polkapunk. O nome é esse mesmo! Formam a tal “orkestra”: André Bedurê (baixo), Estevan Sinkovitz (guitarra, violão e bandolim), Gustavo Souza (bateria de latas), Ricardo Prado (acordeon/teclado) e Paulo Souza (serrote). Botijão de gás e tecladinho de brinquedos ajudam a estofar o álbum.

Kléber é um sujeito interessante. Bem articulado, expõe suas ideias muitas vezes com incisão cirúrgica ou sinceridade desconcertante, principalmente no que diz respeito ao seu fazer artístico. Há um público interessadíssimo em sua arte, sim.

Sabe ele, no entanto, o quanto é difícil a “negociação” entre artista e plateias acostumadas a canções hegemônicas – distantes do universo do artista. “O que faço requer um certo nível de atenção”, disse ele após apresentação no Festival Literário de Londrina (Londrix), onde uns poucos e tolos tentaram roubar a cena.

Confira a entrevista que Kléber Albuquerque concedeu ao blog Sintonia Musical, que contou com a colaboração do jornalista Renato Forin Jr.

A que você veio musicalmente, Kléber?

Eu acho que vim trazer um modo especial de fazer canção, essa mistura da letra e música. Não vim revolucionar nada. Não me considero um artista de vanguarda porque hoje em dia não vejo quais são os limites da linguagem que se possam tentar quebrar pra se dizer de “vanguarda”. Eu gosto de músicas que tragam um componente diferente, uma experiência diferente para o ato de ouvir – seja na poesia, na timbrística dos arranjos, no inusitado da composição. Nesse sentido a minha contribuição é cada vez mais pessoal.

Onde você quer chegar?

Olha, rapaz, eu ainda não cheguei ainda onde eu quero não. Acho que a minha música, sem modéstia, tem um valor grande. A minha poesia tem um valor grande. Fico sinceramente chateado quando as pessoas não prestam a atenção. Estou cansado de fazer música pra não ser ouvido. Então, acho que meu lugar na música brasileira, com perdão da modéstia, é grande. Faço uma música de ótima qualidade, eu canto direito, eu toco bem e as pessoas que estão mais antenadas observam isso. Tanto que tenho parceiros como Zeca Baleiro, Chico César e outros parceiros da área de literatura e tudo o mais. Mas é chato e difícil convencer as pessoas a ouvirem. Não estou aqui chorando as pitangas porque estou vivendo meu melhor momento profissional, mas me cansa um pouco fazer música pra quem não está a fim.

Seu trunfo seriam as experimentações como forma de possível assinatura musical?

Essa é uma das possibilidades. Muita coisa a gente se faz por desenvolvimento próprio e muitas outras por limitação. As minhas limitações também contribuem na minha harmonização. Não sou um cara que estudou profundamente música, então muitas vezes há caminhos que a gente segue e que acabam sendo próprios por conta da limitação, do fazer. Acabam virando uma mistura bacana.

Seus discos começaram com sonoridade mais pop e hoje parecem estar mais voltados ao experimental, sons de instrumentos não convencionais. É isso?

Acho que sim, acho que sim. O primeiro disco (“17.777.700”, de 1997) tinha uma coisa muito forte que era a direção do direção do Mário Manga, que foi maravilhosa. Ele deu uma sonoridade muito dele ao trabalho. No segundo (“Para a inveja dos tristes”, de 2000) havia uma vontade minha de fazer música pop mesmo. É um disco que eu não gosto.

Sério? Nunca ouvi um artista falar que não gosta de um disco seu!

É um disco que não gosto por conta da imaturidade. Hoje em dia já não penso daquele jeito. Para um artista independente até que produzo muito bem: tenho cinco discos gravados, tenho trabalhos em parcerias, acabei de fazer uma trilha para o teatro e ganhei o APCA. Mesmo assim sofro com a dificuldade em fazer um disco. O segundo álbum aconteceu dentro do que foi possível e talvez hoje eu o refizesse. Não o renego, mas acho que foi a partir do terceiro disco que eu comecei a me sentir bastante livre e encontrei um público interessado nas minhas músicas. E minhas músicas são simples.

Não são não! São bem trabalhadas

(risos) Eu tenho a sensação que busco trabalhar no diapasão da simplicidade das coisas.

RENATO FORIN JR/ ARQUIVO PESSOAL
“MEU LUGAR NA MPB É GRANDE. FAÇO MÚSICA DE ÓTIMA QUALIDADE E AS PESSOAS MAIS ANTENADAS OBSERVAM ISSO”, DIZ KLÉBER SOBRE A DIFICULDADE EM CONVENCER PLATÉIAS ACOSTUMADAS AOS SONS HEGEMÔNICOS

A harmonização, ao menos, é complexa…

É, mas ainda assim não tem aquela quebradeira, jazzística. Minhas buscas por linguagens não passam pela dificuldade, mas talvez pelo inusitado. A minha busca na experimentação da música é um tirar um pouco os lugares comuns que existem. A música popular pop é muito pobre no sentido de querer experimentar. Hoje em dia, no computador, você tem as batida pré-gravadas e se quiser faz um disco.

Dá mais prazer compor a letra ou a canção? Ou é um jogo?

É um jogo. Às vezes dá trabalho, mas dá prazer quando surge. Eu sou um cara que acredita em inspiração, embora muita gente fale em transpiração. Às vezes você está andando na rua e ganha um presente. É indiferente se é a música ou a letra que surge. Quando componho sozinho são coisas que acontecem ao mesmo tempo. Quando componho em parceria depende da situação. Ás vezes a gente recebe uma letra ou música e em outras faz uma letra e alguém bota a melodia.

Você trabalha com pessoas que têm um vínculo muito forte com a palavra, como Gero Camilo e Rubi. Qual é a sua relação com a palavra?

Eu sou uma pessoa que, desde muito moleque, gosto muito de livro. Eu era uma dessas pessoas introvertidas que liam bastante. Lia muitos livros de sebo, em bibliotecas. Eu não tinha uma relação de posse com o livro, mas com a leitura. Eu li muita coisa da literatura latino-americana como (Julio) Cortázar, (Gabriel) García Márquez, Jorge Luís Borges, além dos poetas como Fernando Pessoa. Eu acho que, nas minhas primeiras canções, a influência da poesia é muito mais forte e perigosa. É que a poesia, às vezes, na canção, pesa muito a mão. Um erro que eu busco não cometer, embora às vezes cometa, é deixar a canção muito literária, muito poética, muito da palavra. A canção é uma coisa da palavra dita e a literatura, às vezes, tem o peso da palavra impressa.

Então, pra você, existe diferença entre poesia e letra de música?

Eu acho que existe sim, embora muitas vezes poesia e letra se sobreponham
e não há como discernir direito. A letra de música pode ser uma poesia, como uma coisa sem palavras pode ser poesia. A poesia é uma coisa que você coloca em várias áreas, em várias linguagens, em várias artes.

Soube que você pretende lançar um DVD só com gravações dos shows feitas pelos fãs. Como é o projeto?

Eu estava com essa ideia, acabei não conseguindo fazer. Era para ter saído. Eu gravei vários shows, pedindo para que as pessoas gravassem em celulares, em câmeras digitais, porque são muito interessantes as possibilidade de registro hoje em dia. Às vezes penso que as pessoas deveriam registrar menos. Muitas coisas deveriam ser esquecidas. Mas eu tenho esse material guardado comigo e possivelmente se transforme em algo dentro da ideia inicial que era fazer um DVD a partir da ótica do público.

RENATO FORIN JR/ ARQUIVO PESSOAL
COM CINCO DISCOS GRAVADOS E BOAS PARCERIAS, KLÉBER ALBUQUERQUE DIZ QUE AINDA TEM MUITO O QUE FAZER: “PARA UM ARTISTA INDEPENDENTE ATÉ QUE PRODUZO MUITO BEM, MAS SOFRO COM A DIFICULDADE EM FAZER UM DISCO”

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