Ela até pensou em colocar um ponto final. Acreditava ter encerrado um ciclo e coisa e tal. Ledo engano! Os admiradores não deixariam um projeto tão complexo sair de cena assim, sem mais nem menos. Depois de seis anos de circulação pelo Brasil – com público estimado em 300 mil pessoas – a cantora e compositora Rita Ribeiro coloca pra girar o CD e DVD “Tecnomacumba – a tempo e ao vivo”.
Há reverências e deferências através da fusão de clássicos da MPB, beats eletrônicos e pontos de candomblé e umbanda. Trata-se de uma intervenção cultural em que a religiosidade afro é tratada de forma respeitosa, mas com sotaque moderno. Há de despertar o interesse em iniciados, iniciantes e, principalmente, em quem vê algo vigoroso num trabalho pop, dançante, pulsante. Há muita verdade na voz e no entorno de Rita.
“Tecnomacumba – a tempo e ao vivo” foi viabilizado com recursos da Petrobras – via edital – e tem parceria com a ManaXica (selo da artista), o Canal Brasil e a gravadora Biscoito Fino, responsável pela distribuição. As gravações ocorreram no dia 3 de julho de 2009 na Viva Rio, casa de espetáculos carioca. Espaço lotado. “Percebi mais intensamente o carinho e a cumplicidade do público com o projeto, que cada vez caminha mais independente”, analisa a intérprete maranhense.
O repertório ganhou breves adições em relação ao álbum de estúdio, de 2006: “Moça bonita” (Jair Amorim – Ewaldo Gouveia, sucesso de Ângela Maria), “Xangô, o vencedor” (Rui Maurity – José Jorge –J.B. de Carvalho) e “Cocada” (Antônio Vieira – Pedro Giusti), com saudações respectivas à Pomba Gira, a Xangô e aos Erês. “Divino”, de Rita em parceria com Zeca Baleiro, abre o DVD – no disco foi excluída.
Todas as faixas saúdam os orixás ou entidades como “Oração ao Tempo” (Caetano Veloso), “Babá Alapalá” (Gilberto Gil), “Rainha do mar” (Dorival Caymmi), “É D´Oxum (Gerônimo – Vevé Calazans) ou mesmo “Coisa da antiga” (Wilson Moreira – Nei Lopes, extraída do universo musical de Clara Nunes e com citação aos Pretos Velhos). Ou mesmo os caboclos da linha de Oxossi, em “Cavaleiro de Aruanda” (Tony Osanah) ou “Jurema” (Domínio Público).
Há primeiramente os cumprimentos às divindades. Dentro dos conceitos estéticos do projeto, Rita Ribeiro quase reproduz o xirê, encadeamento de pontos e batuques realizados em festas do candomblé. Pela ordem hierárquica, Exu abre os trabalhos e Oxalá encerra, no caso com um remix do Dj Mam.
Os pontos e rezas foram colhidos nas vertentes afros como a Casa Mina-Jeje, do Maranhão, e nas roças de candomblé e umbanda de Pernambuco, Rio de Janeiro, além da ajuda de amigos e artistas próximos à religiosidade africana. É o caso de Maria Bethânia, ilustre convidada do CD e DVD na faixa “Iansã” (Caetano Veloso – Gilberto Gil). O mano Veloso se rende em bem traçadas linhas traçadas na apresentação de “Tecnomacumba…”
Assim escreveu Caetano: “O resultado fica mais para um pop elegante em que uma boa banda de acompanhamento é temperada por sons tecno do que para um mergulho radical no mundo dos batuques e da eletrônica. Mais uma vez, o que ressalta é a voz de Rita, sua segurança simpática (isso não é fácil nem freqüente), seu timbre cheio, seus ornamentos chiques porque personalíssimos, sua nobreza maranhense”. Bacana isso!
A banda a que se refere o compositor baiano chama-se Cavaleiros de Araunda e é composta por Israel Dantas (co-diretor do espetáculo, guitarrista e violonista), Alexandre Katatau (contrabaixo e vocais), Lúcio Vieira (bateria e programação eletrônica), Paulo He-Man (percussão), e Pedro Milman (teclados e vocais).
Transe coletivo – Conceitualmente, Rita parece evocar uma espécie de transe coletivo em que o religioso e o profano se manifestam distintamente. Ou seja, as bases sólidas advindas dos polidos rituais afros dos terreiros – sem os pertinentes toques dos atabaques, por exemplo – são esteticamente adaptadas às pistas de dança para onde “Tecnomacumba” é, a rigor, endereçado.
Bonito ver a platéia cantando alguns pontos e celebrando, em meio às eletrônicas levadas, as tradições afro difundidas sobretudo pela oralidade. Eis uma das importâncias de “Tecnomacumba – a tempo e ao vivo” concebido por uma filha de Iansã e que, no entanto, não se atrela a uma só fé.
“Sou universalista ecumênica. Freqüento terreiros, gosto do budismo e sou devota de Santa Rita e Santo Antônio. Eu prefiro dizer que minha religião é a música. É pra ela que eu bato cabeça”, explica a artista. O registro audiovisual – com direito a depoimentos de gente grande como Ney Matogrosso, Beth Carvalho, Margareth Menezes, Bethânia, Alcione, entre outros – demonstra o porquê de o verbo vibrar ser muito bem conjugado por todos. Indistintamente. Saravá!
(Sub) urbano coração – Com o caminho pavimentado, “Tecnomacumba – a tempo e ao vivo” deverá circular ainda mais em território brasileiro e até no exterior – a artista fez alguns contatos e o espetáculo deverá aportar em alguns países no final do ano. Paralelamente, a cantora e compositora vem esboçando um novo projeto, o “(Sub) urbano coração”.
“Quero algo mais intimista em que a voz fique um pouco mais à frente através de canções românticas e baladas”, explica. O formato será voz e violão, ou “variações de cordas” como prefere a intérprete maranhense. O repertório ainda não está definido, mas entre as canções inéditas estão “Deus dará” (Zeca baleiro) e “Feliz com meu bem” (Jaime Alem).
Entre as releituras aparecem “Agora” (Verônica Sabino), “Nua” (Ana Carolina) e “Aceito seu coração” (Puruca), sucesso de Roberto Carlos de 1969. As gravações do disco devem começar em abril com lançamento previsto ainda para este semestre. Tudo, no entanto, vai depender dos sempre bem-vindos patrocínios, os quais Rita ainda está à cata.
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