No início da terceira canção, alguém da plateia gritou em alto e bom som: “Saigon!”. “Já?”, surpreendeu-se Emílio Santiago, que viria a interpretar seu hit maior só no final do show ocorrido em Ibiporã, distante 14 quilômetros de Londrina.
Até o corinho se formar, o artista apresentou um repertório extenso e volumoso composto por canções por ele consagradas, releituras de clássicos e uma e outra inédita (do mais recente álbum, “De um jeito diferente”).
Todas as canções ganham formas elegantes na voz viril desse carioca, que está prestes a comemorar 40 anos de trajetória em 2010. Graves e agudos aveludados estiveram à disposição de “O melhor das aquarelas”. O espetáculo, apresentado no Cine-Teatro Pe. José Zanelli, apenas para convidados, marcou o lançamento do Royal Boulevard Residence & Resort, da Teixeira Holzmann Empreendimentos Imobiliários.
Acompanhado de um time enxuto, mas coeso de músicos, Emílio Santiago empreendeu uma viagem sonora através de refinada seleção de músicas como “Desenho de Giz” (João Bosco – Abel Silva), “Beijo Partido” (Toninho Horta), “Fato consumado” (Djavan), “O que é amar” (Johnny Alf) ou mesmo a pouco difundida “Última forma”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro. “Flamboyant“ (Paulo César Feital- Jota Maranhão) foi um dos destaques. Bela!
Ah, sim, “Perfume Siamês” (Altay Velloso – Paulo Feital) e “Verdade Chinesa” (Carlos Colla – Gilson) não poderiam faltar. Afinal, são provenientes das “Aquarelas”, série de sete discos gravados entre 1988 e 1995 pela Som Livre.
As miscelâneas musicais conferiram boas vendagens e, sobretudo, prestígio maior a Emílio Vitalino Santiago, 63 anos. Claro, bom dinheiro também! O projeto “Aquarela brasileira” foi idealizado por Heleno Oliveira e Roberto Menescal.
“Saigon” – que viria a se transformar na sua “Conceição”, conforme ele mesmo reconhece – seria gravada apenas no “Aquarela 2”, de 1989. E olha que Cláudio Cartier, Paulo César Feital e Carlão compuseram a obra especialmente para Emílio. “Estava sem gravadora quando me entregaram”, confessa. Coube a Beth Carvalho fazer o primeiro registro, em 1988, seguida por Leny Andrade. Mas o vozeirão de Emílio foi determinante para a popularização da canção.
Com uma discografia composta por 29 títulos – um compacto, inclusive -, o artista carioca nunca abriu mão de escolher o que quer cantar. A autonomia exigia por ele vem desde os tempos em que participou e chegou às finais de um concurso de calouros promovido por Flávio Cavalcanti, no início da década de 70.
Emílio atuou como crooner em casas noturnas e participou de festivais universitários quando estudou Direito. “Acho que o Brasil ganhou um bom cantor”, diz humorado.
Para comemorar as quatro décadas de caminhar artístico, Emílio Santiago pretende lançar um novo disco e fazer shows pelo Brasil e exterior no ano que vem – ele não quis adiantar nada sobre o assunto.
No entanto, não esconde a satisfação de ser recebido críticas excelentes do jornalista Stephen Holden, do The New York Times, que o chamou de “Nat King Cole brasileiro”, entre outras reverências, por conta da temporada na Birbland, mítica casa de jazz . “Foi a consagração para mim”, avisa.
A seguir, trechos da entrevista que Emílio Santiago concedeu ao blog Sintonia Musical.
“Saigon” é sua “Conceição”? Você já ousou não cantá-la em algum show?
É a minha “Conceição”, sem dúvida! Nunca consegui deixar de cantá-la em show, até já tentei. Mas acho bacana porque todo cantor tem que ter pelo menos uma música que marque sua trajetória musical. “Saigon” é a minha canção!
Foram sete Aquarelas, muito sucesso e coisa e tal. Chegou algum momento em que você disse: “já deu, gente!”. Ou seja, queria parar mas houve algum tipo de pressão para continuar?
Não, não. Não houve pressão nenhuma. Vendi milhões de discos, ganhei muito dinheiro com as Aquarelas. Consegui muitas coisas, enfim, no Brasil e lá fora com esses discos. Eu apenas cheguei e disse: “gente, chega, já foram sete aquarelas, são suficientes”. E fui fazer outros projetos musicais.
Precisaram vir as “Aquarelas” para você finalmente ter o reconhecimento popular merecido, não?
Olha, minha carreira em disco é muito interessante. Eu lancei tanta gente: Jorge Aragão, por exemplo. Fui o primeiro a gravar “Bananeira”, a primeira parceria de João Donato e Gilberto Gil. Aliás, essa música tem uma história interessante. Eu estava em estúdio e eu perguntei: “Donato, não vai ter nenhuma música sua no disco?”. Ele disse que havia mandando uma música para o Gil colocar letra. Dias depois voltou com uma música chamada “Bananeira”. Estranhei o nome (risos), aquele negócio de “bananeira não sei, bananeira sei lá”. Gravei e hoje a música é um sucesso mundial.
Suas influências musicais passam primeiramente por quem, Emílio?
Primeiramente por Cauby Peixoto, que na minha opinião é a maior cantor do mundo. Depois vem João Gilberto com aquela voz deste tamainho. Eu procuro seguir os dois, de uma forma ou de outra. Procuro usar as duas técnicas, que vem a ser a escola do Tony Bennett, um dos melhores cantores do mundo, que uma hora canta pra fora e em outras canta bem pianinho.
Em algum momento de sua carreira você precisou fazer concessões para continuar cantando?
Não. Eu nunca cantei nada que não quisesse cantar. O Cauby, que é meu amigo e meu ídolo maior, disse uma vez para mim que quem escolhia as músicas para ele cantar o De Veras (Edson Collaço Veras, empresário). Comigo não! Desde quando eu era calouro eu só cantava o que queria. E isso vem desde o final do concurso do programa Flávio Cavalcanti, que tinha o Erlon Chaves (1933 – 1974) como regente.
Que honra!
Pois é! O Erlon me perguntou o que eu iria cantar no Teatro Municipal. Eu respondi: “Chiclete com banana” (Gordurinha/Almira Castilho) E ele: O que? Eu repeti. Ele hesitou um pouco, mas falei para fazer o arranjo porque seria aquela música e pronto. Fui e cantei do meu jeito. Nunca fiquei refém de sucesso, de autoridades de gravadoras. Eu até sofri um pouco pois sabia de comentários de dentro da gravadora dando conta que eu era muito soberbo, muito metido. Nada disso, apenas nunca abri mão do meu repertório e, por isso, talvez seja um cantor brasileiro que construiu a carreira como queria.
Já dá para fazer um balanço aos 40 anos de trajetória?
Só sei que hoje em dia eu posso dizer se quero ou não cantar isso, se vou fazer show aqui ou lá. Pra conseguir tudo isso evidentemente alguém tem que ter cantado muitas boas canções senão estaria completando 40 anos de carreira.
Você é muito reservado, quase não se sabe muito da sua vida pessoal. Você vive enclausurado, Emílio?
(gargalhada). Não, não fico enclausurado. Só que enquanto as pessoas vão para capas das revistas ou às badalações eu pego um avião, vou à Paris, visito museus ou a Nova York ouvir jazz, ver musicais na Broadway. Minha badalação é essa.
O Brasil está bem das pernas?
Politicamente não. É uma vergonha, né? Antigamente era tudo por debaixo do pano e agora a gente vê quem é ou quem são as pessoas que colocamos no poder. Precisamos prestar atenção a esses acontecimentos para não cairmos novamente em arapucas.
Temos duas mulheres candidatas à Presidência da República: Dilma Rousseff e Marina Silva. Qual das duas te anima mais?
Marina, é lógico! Por mim ela já ganhou.
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