No meu peito nunca bateu um tamborim, nem me guio pelos brilhos dos metais. Não faço parte da galera que tira o pé do chão. Samba no pé não tenho.
Marcho. Marchei, aliás. Para frente e para trás. Marchinhas. Quantas voltas pelo salão. (“Foi bom te ver outra ver, está fazendo um ano foi no carnaval que passou…”).
Tanta carne. Quanta ingenuidade em grudar-se em alguém e girar naquele redemoinho de embaçar vidros, descobrir meninos e meninas. Eu transo todas sem perder o tom. Carnaval é para se confundir pernas e o juízo. Eu gosto!
Tenho saudade em estoque dos carnavais dos clubes. Eu, interiorano da melhor espécie, todo feliz quando pude freqüentar os salões à noite. A primeira cerveja. O primeiro beijo. O segundo. Se você fosse sincera, ô, ô, ô…
Carnaval “família”, sabe? Sim, algumas se constituíam nove meses depois dos dias de Momo.Serserpentinas, confetes. E tudo o mais no enquanto. As águas rolavam, as línguas destratavam (“a água lava, lava, lava tudo/ a água só não lava a língua dessa gente”). Estandarte do sanatório geral!
Cadê quem me atiçou? Os dedos indicadores tesos, para cima e a banda atravessando compassos. Os blocos, os foliões: Cleópatras, melindrosas aos montes, havaianas com saia de saco desfiados, baianas, índias com íntimas penas, colombinas, Carmens e seus balangandãs…
Eles: piratas, palhaços, ladrões (esses estão em todos os lugares), marinheiros (cada porto um amor), pierrôs, árabes, índios com penachos longos.
Cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é? E a cambada em uníssono: “Biiiichaaa!”. Moças de utilidade pública – as tais “biscates”, as apontadas, as felizes – com shorts atolados na consciência – e nem tchuns para o que falavam as tais senhoras vestidas de senhoras pudorentas e atracadas – garras fortes – no braço esquerdo de seus homens sempre tão gentis nessas ocasiões…
Índios e padres e bichas e negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval. Desde os tempos das marchinhas é assim. Homens vestidos de mulheres que, no abusar da folia, tornavam-se mulheres mesmo. Mas que calor, ô ô ô ô ô ô.
No carnaval das marchinhas, muitos tiravam a fantasia para ser o que bem entendesse. Hoje, todo mundo é o que é. Se não é, será. Se é que já não foi. Seria? O carnaval é a invenção do diabo que Deus abençoou. Muitos carnavais.
Nunca vou me esquecer da alegria contagiante do meu Tio Chico, querido Tio Chico. Sisudo, centrado, um homem de bem. No carnaval, bermuda, camiseta e sozinho dava voltas no salão movido a água. Quantos troféus de melhor folião.
E minha tia Lola na alegria incontida de ver o pessoal “se aquecendo” antes dos bailes. Minha mãe rindo do que via, tudo aprovava, gostava como eu gosto do clima carnavalesco.
Noites aquecendo a imaginação. Para cima e para baixo, sob, sobre. Letras se confundindo, pernas grossas, moças lindas. Eu quero mamar, me dá chupeta? Suores, confetes grudados em cada lugar…
Voltas no salão. Compasso binário. Eu fui às touradas em Madri e distribuí banana com os animais. Festa no interior. Fui feliz. Sabe o que aconteceu? A velha se mandou e o jacaré morreu.
Aquele ser desejado ao lado, em riste. A carne, a polpa, o sumo, o sambinha desajeitado. (“eu te quero hoje, não tem nada de amanhã”). Um salão que nunca termina… Escola de samba na televisão, flor do lácio, inculta e bela.
Verde e rosa porque desde pequeno ouvia Jamelão; hora que meu pai, nada afeito à festa da carne, parava para ver aquele homenzarrão da estação primeira. Sou também da GRES Joãosinho Trinta porque pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual. O gênio da ópera popular.
Carnaval de salão era – não mais é – feito de confete, serpentina e feromônios. As marchinhas mais lentas propiciavam diálogos não verbais, cores escapando pelos poros. Tantas lembranças de carnavais. Acúmulos de reminiscências. A coisa arde. A coisa toda entende? Máscara Negra, quantas recordações.
Na quarta, cinzas na cabeça, ramos secos de um domingo. No ori. Na quarta, branco, ekãns, guias. Recolhimento. Acabou nosso carnaval. E, no entanto, é preciso cantar e alegrar a cidade. E tudo ao seu modo se pacifica. Numas, certo?
Foi bom te ver outra vez…
SUGESTÕES PARA COMENTÁRIOS
1)Qual marchinha traz boas recordações?
2) Alguma história interessante sobre o carnaval?
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