PÁSSARO FORMOSO
Os artistas cenicamente complexos estão em alta.Ao menos para a comissão julgadora do Prêmio Shell de Música.O homenageado da edição 2009 será Ney Matogrosso, que receberá o prêmio e reverências em um show no Rio de Janeiro com data a ser confirmada.
Gostei e muito da escolha. Pela segunda vez consecutiva – no ano passado a agraciada foi Maria Bethânia – um intérprete e não um compositor levará o prêmio para casa.
Havia de ser o pássaro formoso, o pavão misterioso. A contribuição de Ney Matogrosso para a MPB é inestimável: 30 discos solos (dois com os Secos & Molhados), oito DVDs e quase 20 espetáculos.
Do desbunde à sobriedade, Ney de Souza Pereira, 68 anos incompletos e 36 anos de carreira, passeou por todos os estilos e não quebrou telhas. Nem louças. Voz masculina de timbre raro. Requebros e trejeitos e caras e bocas em cena. Uma espécie de Carmem Miranda que todos os homens deveriam ser. Seria ou será?
Sem maquiagem, na vida real, um homem alinhado com as próprias leis. Quando apareceu no cenário artístico foi um auê. Muitos idolatravam aquele cara com forte maquiagem e voz fina. Havia, claro, as senhoras e senhores ditadores dos bons modos e costumes – além dos relinchantes da ditadura militar.
Era ele uma afronta à sociedade. No raciocínio dos perversos vigilantes da moral (hum, faz-me rir) Ney fazia apologia à homossexualidade. Ele nem tchuns para as línguas. Seguiu em frente sem hastear bandeiras imensas.
Numa entrevista concedida a mim, em 2006, Ney falou que simplesmente “ignorava” as críticas: “Cheguei de frente dizendo o que esse ser humano, eu no caso, pensava sobre todas as coisas e defendendo o direito de me manifestar da maneira que eu quisesse. Ora, sou um ser humano com direito de expressão”.
Quanto à possível insinuação à homossexualidade, na ótica dos integrados (hahahá), foi mais contundente: “Eu caguei… Eu vou me guiar pela cabeça das pessoas, vou andar por trilhos pré-determinados? Eu enfrentei meu pai, que era militar e saí de casa aos 17 anos, em 1959, antes do desbunde generalizado, para defender meus ideais, meus pensamentos. E isso até hoje, artisticamente falando porque passei por várias gravadoras. Disse muitas vezes: ‘Eu não penso como vocês, não vou aceitar o que dizem e vou fazer o que quiser’. Claro, poderia ser um milionário hoje em dia…”
Fez o que bem quis. A verve pop rock deu lugar, em 1986, a discos mais intimistas, como o antológico “Pescador de Pérolas”. Vieram outros discos mais clássicos com tributos a Angela Maria (“Estava escrito”, 1994), Chico Buarque (“Um brasileiro”, 1996.), Cartola (em estúdio e ao vivo, 2002/2003) e o belo “O cair da tarde” 1997), em que delicadamente uniu a arte de “pai e filho”. Ou melhor, Villa-Lobos e Tom Jobim.
Crítica e público foram unânimes em homologar a reviravolta. Surpreendentemente, volta e meia Ney retornava àà plasticidade pop. “Inclassificáveis”, o mais recente álbum, gerou um show maravilhoso.
Vibrante, brilhante em todos os sentidos. E ainda encontra tempo para fazer incursões no cinema (ele é o protagonista de “O bandido da luz vermelha”, remake ainda em produção) e ser garoto propaganda contra hanseníase.
Certa vez perguntei se ele tinha noção do que representava para a música brasileira. Disse, na lata: ”Não, nem tenho essa preocupação de ter noção de nada… O fato de ter mais de 30 anos de carreira pesa um pouco… A mentalidade no Brasil é muito descartável em todos os sentidos. Artisticamente, então… A pessoa faz dois, três anos de sucesso e desaparece. Eu tenho uma trajetória ininterrupta. Quer dizer, estou no ar. E sempre arriscando. O interessante para mim é arriscar”.
Precisa dizer mais alguma coisa?
Sugestões para comentários:
1) O que achou da escolha de Ney Matogrosso ao Prêmio Shell de Música 2009?
2) Qual intérprete da MPB, em sua opinião, deveria ser indicado ao próximo Prêmio Shell?
Mais informações sobre o artista no site www.neymatogrosso.com.br
DigiGAL
O milagre eu conto, mas o caminho das pedras cada um que busque. A descoberta foi feita por um amigo meu. Vasculhou e encontrou na internet preciosidades de Gal Costa. Ele utiliza, assim como eu, para consumo próprio. Assim deve ser.
São músicas extraídas de shows e especiais da diva baiana – algumas até registradas em discos, mas sem as quenturas do palco e público. Mais de 400 faixas. Fiquei dias ouvindo, ouvindo e, principalmente, analisando a maturidade daquela cujo nome é Gallllllllllll!. Eu me rendi:. ela é – ainda – a grande cantora do Brasil. Cantora com história musical produzida em larga escala. Pausa de paixão de semifusa.
A qualidade de alguns áudios não é boa. No todo, dá para sacar o quanto a Gracinha – ou Maria da Graça, como assim se apresentou inicialmente – passou por tantos estilos e tons e graves e agudos e Tins e Bens e tais. Velô, Giló, faróis que alumiam. Do psicodelismo (até hoje não entendo direito esse “estilo”) ao intimismo, da voz livre às burocráticas interpretações. Espontaneidade, leveza, técnica.
Cadê os tais pesquisadores “atentos” e midiáticos por natureza que não fazem resgate das raridades de Gal e oferecerem às gravadoras? Dos quatro doces bárbaros (Caetano, Gil e Bethânia), Gal foi a mais esquecida. Cadê os discos em catálogo? Cadê caixas, pacotes, relançamentos?
A Phillips (atual Universal Music) e BMG (incorporada a Sony Music), que detêm discos e sobras de gravação, nada fizeram ou fazem por Gal Costa. Não espalham a voz dela nem em datas redondas. Ficam amoitadas. Caladas. Omissas. Não investem em cultura musical.
Coube a um grupo de admiradores buscar, por conta e obra, preciosidades da baiana. Há, por exemplo: “Ilusão à toa” (em dueto com Elis), a fusão de “Ilê pérola negra” e “La Marseillaise” (com Daniela Mercury, Lenine e Gil, Jorge Bem e Seu Jorge) “Cordeiro de Nanã (Com João Gilberto e Bethânia), “Lili (Hi Lili, Hi Lo, com o extinto grupo infantil Trem da Alegria e Moreno Veloso), “Maracatu atômico”, “Não existe pecado ao sul do Equador”. Muita coisa boa.
Que não venha nenhum canalha dizer que incentivo a pirataria. Afinal, as músicas foram captadas – o áudio, friso, muitas vezes é ruim) por admiradores. Vale pelo caráter histórico pois há registros desde a década de 60.
Quer saber? Que atire a primeira faixa quem nunca baixou uma musicar para consumo caseiro. E de mais a mais, os piratas dos camelódromos não gostam de qualidade. Os fãs, sim, sabem o tamanho e a importância exatos de um grande artista. E Gal é imensa!
* O que acham de Gal Costa? Alguma música ou disco em especial ficou marcado? Espaço aberto
Mais informações sobre a artista no www.galcosta.com.br
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Peço licença aos leitores para me ausentar durante 10 dias por, digamos assim, motivos de força maior. Retorno com boas novas. Até já.
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