A intenção foi boa. No entanto, o formato do espetáculo com o qual Moraes Moreira – peça-chave do atemporal grupo Novos Baianos – escolheu para comemorar 40 anos de carreira não funcionou muito bem ao ar livre.
Gravado em junho de 2008 na Feira de São Cristóvão, reduto nordestino no Rio de Janeiro, “A história dos Novos Baianos e outros versos” demora a estabelecer empatia com o público.
Para narrar seus primórdios, Moraes alinhavou, na primeira parte do show, versos de cordel (extraídos do livro homônimo lançado por ele em 2008) com canções antológicas e a narrativa arrasta-se a uma platéia disposta a ouvir apenas música.
Uma pena porque há boas histórias declamadas com rigores métricos como a vida em comunidade, a importância de João Gilberto para os Novos Baianos, o desbunde da vida hippie, a saída para a carreira solo (movida também para se manter como músico e pai de família), a feitura das canções feitas com Galvão, entre outros tópicos.
Em ambiente menos festivo, o espetáculo, dirigido por João Falcão, seria melhor apreendido. Até porque o registro audiovisual é de uma linearidade franciscana. Tem mais: a performance vocal de Moraes Moreira está fanhosa, irreconhecível até.
No embalo do DVD – distribuído pela Biscoito Fino – os ouvidos vão se acostumando com o cantar de Moraes Moreira por conta das maravilhas feitas e/ou interpretadas desde os tempos dos Novos Baianos até o momento atual. Das 21 faixas (algumas com várias canções aglutinadas), sete não entraram no CD.
Duas canções inéditas: “Oi” – inspiração advinda do nome da empresa de telefonia móvel que patrocina o projeto? – e “Spok Frevo Spok, feita em parceria com Fernando Caneca, reverência ao brilho dos metais do maestro pernambucano Spok. Boa!
Moraes Moreira subiu ao palco da Feira de São Cristóvão com o Davi Moraes, filho e exímio guitarrista. A sintonia entre pai e filho é perfeita. Moraes revisita canções como “Dê um role”, “Acabou chorare”, “A menina dança”, “Preta, pretinha”, além de Caymmi (“Samba da minha terra”) e Assis Valente (“Brasil pandeiro”) sopradas, provavelmente, pelo mestre João Gilberto. O filho vale-se do legado musical e imprime assinatura em “Um bilhete para Didi”. Perfeito!
Moraes Moreira já em fase solo – reverberações de Luiz Gonzaga, Waldir Azevedo, Jackson do Pandeiro e Hermeto Paschoal – oferece ao público, já não disperso, preciosidades como “Forró do ABC” (parceria com Patinhas), “Eu também quero beijar” (com Pepeu Gomes e Fausto Nilo), “Meninas do Brasil” (regravada recentemente por Jussara Silveira, Rita Ribeiro e Teresa Cristina em projeto de extrema delicadeza) e sucessos emplacados por Gal Costa nos tempos de alegria: “Festa do interior” e “Bloco do prazer”.
Com contornos burocráticos, “A história dos novos baianos e outros versos” tem, nos extras, o que faltou em cena: espontaneidade. O espetáculo deve percorrer o Brasil para Moraes Moreira, compositor de extrema valia, festejar data redonda. Tomara que os registros vocal e visual tenham sido feitos em momento inadequado. Tomara!
A seguir a entrevista que Moraes Moreira concedeu por e-mail ao Sintonia Musical.
Moraes, você sempre exercitou essa faceta de cordelista? Ou para fazer um livro, que rendeu CD e DVD, houve um empenho particular?
Sempre gostei de cordel, só que agora já posso me considerar um cordelista de verdade, pois fui fundo, estudando os rigores dessa forma poética, considerando a contagem das sílabas, rimas, etc. Tinha toda a história na cabeça. Depois foi só colocar tudo no palco, e contar com a participação especial de Davi Moraes e a direção de João Falcão, além de uma ótima banda.
Um songbook não seria viável?
Tudo aconteceu a partir do livro. A ideia do Songbook é muito boa, estou pensando nisso.
Qual a importância dos Novos Baiano, ao seu ver, para a MPB?
Os Novos Baianos tiveram sim uma importância muito grande na nossa MPB. Fizemos um som brasileiríssimo e ao mesmo tempo universal, misturando linguagens com muita liberdade e criatividade.
E a importância de João Gilberto para o grupo e a você?
João Gilberto foi fundamental na definição da sonoridade do grupo. Ele nos mostrou um Brasil maravilhoso, que naqueles tempos de ditadura, censura e muita repressão só ele conseguia vislumbrar e passar pra gente. Ele é o nosso guru musical!
A vida em comunidade era tudo muito bom, tudo muito bem?
Até 1974 foi tudo muito bom. Depois, como em toda a relação, começou a se desgastar e foi aí que resolvi partir para a carreira solo. Mas valeu.
Não fosse a força dos acontecimentos, você acredita que o grupo poderia ter resistir ao tempo até hoje? Como anda a relação com os demais integrantes?
Os tempos são outros, tudo aconteceu daquele jeito, naquela hora, dentro daquele contexto cultural e político. Não acredito em eventuais voltas. Nossa relação hoje em dia não é tão próxima. Os Novos Baianos é uma fonte e as próximas gerações poderão beber e tirar lições importantes com a nossa experiência, tanto de vida quanto musical e poética.
Gostaria que falasse um pouco da sua ligação com Paulo Leminski. O que de bom você guarda do poeta paranaense?
Os nossos encontros na minha casa, no Rio de Janeiro. Foram muitos e renderam muitas canções. Sinto saudades, mas ele estará sempre vivo na minha lembrança. Era um parceiro genial!
Você nunca mais se apresentou no carnaval de Salvador. Não sente falta?
Sinto falta, mas me recuso a participar de um carnaval que deixou de ser do povo. Um dia os coordenadores da festa vão se tocar que carnaval não é somente um bom negócio, mas acima de tudo é cultura. Quando isso acontecer estarei de volta.
Como o cidadão Antônio Carlos Moreira Pires vê o Brasil de Lula? Ainda prevalece a máxima de “Quem desce do morro não morre no asfalto”?
Essa é uma expressão poética e não política. Acredito no meu país e acho que melhorou em muita coisa, mas ainda está longe de ser uma grande nação que deveria ser diante do seu do seu imenso potencial.
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