“Ao inferno todos os perversos que iludiram e iludem a “cidade e o rio”, donos dos sons e sabores que aqui na música única de Roberto sente-se, respira-se e saboreia-se.” (Maria Bethânia)
Baiano de Santo Amaro da Purificação, o compositor e pesquisador Roberto Mendes, 55 anos, só deixa a terra natal para cumprir compromissos profissionais.
”Bicho-do-mato”, retorna o mais rápido possível a seu povo marcado pelas tradições culturais e perversos despejadores de toneladas de Cádmio e Chumbo no rio que banha o município. “Desgraçaram a cidade inteira”, diz ele com veemência, referindo-se à Cobrac, subsidiária da empresa francesa Perranoya Oxide S/A.
O rio Subaé é ponto de partida de “Cidade e rio”,nono disco de Roberto Mendes dedicado a Santo Amaro e a Maria Bethânia, que desde 1983 dá voz às muitas águas – plácidas, inclusive – e confluências rítmicas do compositor. “Eu componho pensando nela”, admite.
A capa de “Cidade e Rio” remete imediatamente a “Pirata”, lançado por Bethânia em 2006 e de onde foram reeditadas “Memória das águas” (letra de Jorge Portugal) e” Francisco, Francisco” (poema de Capinan).Do “Mar de Sophia”, o desdobramento de salgadas águas, foi selecionada “Beira-mar” (com Capinan). Outro diálogo restabelecido com a “voz” das suas canções: “Esse sonho vai dar”, de 1984.
O conceito de “Cidade e rio” apóia-se também no acento da chula, gênero musical nascido da mestiçagem portuguesa, africana e brasileira. A sobrevivência dessa manifestação popular, principalmente no recôncavo baiano, se deve a Roberto Mendes. Juntamente com o jornalista Waldomiro Júnior, lançou recentemente “Chula – comportamento traduzido em canção”. “A chula é música orgânica, comportamental”, sintetiza o pesquisador.
Com andamento de chula e citação de “Peixe vivo”, “Purificar o Subaé” (Caetano Veloso) é a única faixa não autoral do disco de Roberto Mendes, que apresenta músicas confeccionadas com parceiros bissextos: Nelson Elias (“Linda morena”) e Herculano Neto (“Deu saudade”).
Convidados foram os violonistas Guinga e Marco Pereira, além do violoncelista Márcio Mallard. Leonardo Mendes, co-produtor e filho de Roberto, imprimiu leves e inovadoras sonoridades acústicas. Pedro Luis e a Parede e Lenine ajustaram-se perfeitamente a “Cidade e rio” sem ofuscar as raízes primárias de Alcione e do Grupo de Chulas de São Braz. “Não faria essas coisas modernas por falta de competência”, diz o compositor bem-humorado.
“Cidade e o rio” tem narrativa substanciosa. “Bom começo” é tão bonita quanto reverencial, melodia e palavras: “Bom começo de todo começo, senhor do meio e do fim/ Oxalá! / Nunca eu fique sozinho”. Lindo isso!
“Cidade e o rio” é trabalho de um músico de rara sensibilidade. De um homem extremamente interessante, que deixou de ser professor de matemática para se tornar um formador e informador musical.
A seguir, trechos da entrevista que Roberto Mendes concedeu ao blog Sintonia Musical.
“Cidade e o rio” tem um tom de denúncia, certo?
O disco é um canto de memória. Eu convivo com a degradação, com a linha evolutiva que Santo Amaro tem passado por conta de uma empresa francesa que desgraçou a cidade inteira. Não devemos aceitar esse progresso cruel! Essa visão “civilizada” de progresso tem destruído de maneira violenta a nação brasileira. É um processo muito sério! Temos o Brasil oficial que é tão ausente do Brasil real que se cria, entre um e outro, o Brasil clandestino.
O disco conserva as tradições musicais do recôncavo baiano, mas há uma sonoridade moderna que não arranha seu trabalho. Como se deu isso?
Essa parte moderna foi feita em especial pelo meu filho, Leonardo Mendes. Eu jamais faria isso por falta de competência. Todos os convidados foram brilhantes. De Guinga, costumo dizer que a canção o escolheu para representá-la na terra. Já Lenine eu gosto o pela capacidade de conservar o sotaque dentro de um conceito moderno.
Cantor, compositor e pesquisador, podemos assim sintetizá-lo?
Sou um artista, um trovador que fala com paixão pela minha terra. Minha criação artística é sustentada pelo seguinte binômio: a cidade de Santo Amaro e Maria Bethânia, que dá voz ao meu canto. Eu me tornei uma ponte para quem quer voltar porque nunca quis sair daqui de Santo Amaro. Nem sairei.
Não é muito “provincianismo” pensar dessa maneira?
Acho que sim… Eu não consigo ver o mundo através dos meus próprios olhos; eu o vejo através dos olhos dos que saíram como Jorge Portugal, Capinan, Caetano, Gil, Bethânia… Fui a Cuba no ano passado e depois de cinco dias eu me toquei que não tinha ligado para Santo Amaro. Deu-me vontade de ir embora porque não admito ficar numa cidade e sentir saudade da minha.
(risos) Interessante essa conclusão…
Isso não pode acontecer, é uma traição. Eu adoro Santo Amaro, é minha vida e minha alma.
Por você faz música?
O que me levou à música foi a perda meu pai. Eu tinha 13 anos de idade e fiquei com uma dificuldade imensa de entender essa perda. Fui para a matemática, dei aulas, mas essa razão cruel me cansou. Com a música houve uma freqüência que provocou uma outra relação com a vida. Daí, virei devoto da canção.
O disco é dedicado a Maria Bethânia. Essa amizade vem desde quando?
A amizade surgiu a partir do momento em pude estar perto dela profissionalmente. Bethânia é a voz das minhas canções e intenções musicais, mas a coisa do fã, de admiração não mudou não.
Sou “desesperado” pela arte dessa mulher!
Eu também, Mariano! Sou ousado por gravar uma canção depois de Bethânia porque não existe nada mais próximo do silêncio que um verso dito ou cantado por essa mulher.
Religiosamente como você se situa, Roberto?
Sou de Oxalá do Bonfim, Oxalá velho (Oxalufã). Sou apaixonado pelo candomblé porque conceitua melhor a minha fé.
Você é um homem satisfeito com a vida?
Não tenho do que me queixar!
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