Alguns compositores me chamam a atenção pela forma como arquitetam suas melodias. Ouço quantas vezes forem necessárias – o tempo é quando! – a canção, tento compreender o “desenho”, as harmonias desenvolvidas a partir de uma célula melódica, a criação. As modulações de Francis Hime me instigam!
O primeiro disco dele que me caiu às mãos – ouvidos? – foi “Sonho de moço”, de 1981, em fita cassete. O lacônico “Francis”, do ano anterior, veio de uma em “sociedade” com Paulo, amigo meu. Morávamos em república. Ele ficou com o vinil e eu com o K7. Saíram de catálogos os projetos. Ficaram as músicas na cabeça, no coração, soltas no ar…
Francis, né? Seguinte: a Biscoito Fino reeditou “Pau Brasil”, sexto disco de Francis Hime lançado há 26 anos. Essencialmente acústico, o álbum tem leveza e transparência, adjetivos tão bem sintetizados no texto assinado por Aretuza Garibaldi, em 1982, e requentado no atual material de divulgação…
“Pau Brasil” é um projeto solar, conciso refinamento sonoro proveniente da fusão de alguns gêneros musicais. A começar pela faixa-título, parceria com o poeta Geraldinho Carneiro. Salsa enviesada com paso doble, na segunda parte. Aliterações evidenciadas pelo sotaque carioca de Francis (“era uma vez uma floresta cheia de festa e/ balangandã/ na noite fresca carnavalesca brilhava a estrela / Aldebarã). Contrastante melodia revestida com versos em referência às “rosas” de Gertrude Stein no estribilho: “uma maçã é uma maçã é uma maçã é uma maçã”.
Outro roçar de ritmos: “Cada canção”, vai da toada ao samba-choro com impressionante naturalidade. É de Francis e Olívia Hime, mulher e parceira, com quem inclui “Mente”, blues não muito, digamos, ortodoxo. Dos primórdios, Francis resgatou “A grande ausente”, feita com Paulo César Pinheiro e apresentada no Festival da Record, em 1968. Modulações magníficas, frases delicadas, constatações aparentemente simples da letra: “O amor parou e ela seguiu”.
“Pau Brasil” tem doze faixas. Dois temas instrumentais, homenagens. “Falcão”, hábil diálogo entre sopros e percussão, Hime coloca na pauta as sensações das jogadas do ex-craque do futebol. Rio Vermelho, um chagado, vai ao compositor amazonense Vinícius Cantuária, radicado nos Estados Unidos.
Com o poeta Cacaso (1944 – 1987), “Pau Brasil ganha volume”. Quatro parcerias, entre elas a irreverente e calangueira “Língua de trapo”. Queixumes por uma certa desaforada, “má-dona, a filha de uma da zona”. O disco traz “Embarcação”, das mais perfeitas melodias de Francis com letra de Chico Buarque. Versos doídos tão bem encaixados na música. A música!
“Pau Brasil” tem cordas parcimoniosas. Nelas as cordas, enxutas ou exuberantes, Francis Hime – 69 anos, 44 anos de carreira, 17 discos e tantinho de DVDs gravados – imprime também assinatura. No álbum, há participações de instrumentistas em ascensão: Raphael Rabello (violão 7 cordas), Márcio Mallard (cello) e Jamil Joanes (baixo), além de Jane Duboc (backing vocal). Armadinho no bandolim elétrico destaca-se no frevo “Luar do Japão”. Show de solo!
“Pau Brasil” volta às bancas masterizado a partir da transcrição da fita matriz original, até então pertencente a Som Livre. Não se pode afirmar categoricamente ser o melhor disco de Francis Victor Walter Hime, carioca. Brilhante sim.
Talvez porque “Pau Brasil” seja do deus Tupã, cunhã e da maçã…
* Saiba mais sobre a trajetória de Francis Hime no endereço: www.francishime.com.br
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