Para ele eu bato cabeça, dou paó, tamanha a admiração. Vem de muito tempo. Qualquer jornalista, pesquisador ou admirador de música brasileira precisa fazer uma reverência distinta a Hermínio Bello de Carvalho. Precisa sim!
Foi ele quem colocou Clementina de Jesus no trono e ajoelhou-se diante da negra rainha, mãe de tantos. Revelou Kelé e deu-lhe uma Rosa de Ouro. Mais que isso, Hermínio não deixou o Brasil morrer no esquecimento. Quantas vezes não foi conversar com vozes então caladas!?
Passei os últimos dias maravilhados com o acervo desse homem prestes a completar 74 anos, no dia 28 de março. Pretendo vasculhar ainda mais. Afinal são 10 mil itens catalogados – áudios, fotos e textos – que Hermínio recolheu como pesquisador, produtor de discos e shows, compositor, entrevistador, poeta, cronista e, principalmente, apaixonado zelador da memória nacional.
Falo com muito prazer do Acervo HBC, projeto patrocinado pelo Programa Petrobras Cultural, através da Lei Rouanet. Ou seja, do acervo particular de Hermínio Bello de Carvalho digitalizado e disponível na internet a quem interessar possa.
Vasto mundo de preciosidades recolhidas por um dos mais importantes divulgadores da cultura nacional. Ou seja, um site para quem gosta de Brasil e conteúdos na rede.
Pois bem, no alto da página, fotos mostram Hermínio ao lado de entidades como Pixinguinha (ambos vestindo de smoking), Cartola (passando a mão da cabeça do amigo), Clementina (sentada com seu mais fiel “súdito” abaixado), Nelson Cavaquinho, alguns Outras podem ser encontradas clicando nos 13 links da barra de navegação. Tudo precisa ser visto ou ouvido – até telas de Heitor dos Prazeres e Di Cavalcante lá estão.
Doce Drummond, indignado Millarch – “Correspondências” é um dos itens mais interessantes. Lá estão cartas, bilhetes, telegramas, postais, palavras de pessoas de todas as espessuras que demonstram o carinho e respeito por Hermínio.
O maestro paraense Waldemar Henrique, por exemplo, faz elogios a Clementina de Jesus e pede – isso em 1977 – para que Projeto Pixinguinha (do qual Hermínio foi idealizador) seja levado ao Teatro de Belém, que completaria cem anos em 1978. Tem o pernambucano Capiba cumprimentando o amigo pelo aniversário e até bem traçadas linhas do fã clube de Emilinha Borba enviando votos de felicitações.
Singeleza e bem querer estão no poema de Carlos Drummond de Andrade dedicado ao amigo. Assim escreveu o poeta: “Hermínio Bello de Carvalho/ de tal modo vive abraçado / à doce música sua amada/ que não sabe onde termina/ ou de onde brota a luz divina/ sobre seu destino pensado”.
Aramis Millarch, pesquisador e mais importante crítico musical paranaense, também comparece na seção. Numa de suas correspondências, comenta ao “amigo-irmão” a falta de apoio da Fundação Cultural de Curitiba, em especial à “incompetência de uma assistente social (Celise Niero)” na época (a carta é de 6 de junho de 1991) na função de diretora de arte e programação da instituição, à Associação de Pesquisadores da Música Popular Brasileira. Millarch não economiza adjetivos.
Lata de leite e Aracy soltando a língua – Já em “Músicas (player)” encontram-se tesouros inestimáveis. Registros caseiros e ensaios. A entrevista com Pixinguinha, distribuída em oito partes, é de se ouvir várias vezes. Hermínio consegue extrair declarações ricas e bem-humoradas do gênio brasileiro, que fala do primeiro choro (“Lata de leite”), das “mudanças” que promovia como arranjador em músicas alheias, entre outros assuntos. Donga também é entrevistado.
De se dar boas risadas o jeitão desbocado de Aracy de Almeida – a Araca, como era tratada na intimidade – falando o que lhe vinha na telha – de sexo a Carlos Lacerda, da “cafonice” de Ângela Maria, da “bosta” que era o Rio de Janeiro, do primeiro samba que Noel Rosa fez para ela cantar, de Jesus Cristo (“o único cara bacana que passou por esse planeta”), dos cachorros velhos que a impediam de vender a casa e se “pirulitar” para São Paulo. Uma rara entrevista com o compositor Valzinho também merece ser apreciada
Tem, por exemplo, Sílvio Caldas cantando “A deusa da minha rua” com Roberto Carlos, Marlene cantando “Mané fogueteiro” e “Beguine dodói” (João Bosco – Aldir Blanc) e Elizeth Cardoso soltando a voz em “Como dois e dois” (Caetano Veloso). De Elizeth, aliás, há gravações originais assim como Dalva de Oliveira, Araci Côrtes, Nicanor Teixeira, infindáveis personalidades.
Das gravações inéditas, constam Paulinho da Viola mostrando o samba “Na linha do mar” a Clementina de Jesus, Cartola apresentando “Autonomia” a Elizeth Cardoso, Tom Jobim revelando para Hermínio – em primeiríssima mão – a sua “Inútil paisagem”, feita em parceria com Aloísio de Oliveira. Tem o próprio Hermínio cantando músicas próprias e também de Ismael Silva, além de declamar poemas de Drummond e Fernando Pessoa.
Mesmo com o áudio não muito bom, Ademilde Fonseca dá o ar da graça cantando “Inconstitucionalicimamente” durante os 33 anos de Hermínio, comemorados numa churrascaria. Uau!
O site traz também uma breve e sisuda biografia de Hermínio. Que poderia muito bem ser resumida assim: iluminado!
O endereço do site é acervohbc.com.br
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