Chego à entrevista bem antes da hora marcada. Conversando, percebi que estava diante de uma artista perfeccionista, de temperos quentes. Mais que isso, a cantora e performer espanhola Fátima Miranda, uma das atrações do Festival Internacional de Londrina, FILO, demonstrou ser uma intelectual a serviço da arte sonora. Uma voz com muitas técnicas colhidas mundo afora. Multifonia e espacialidade.
No concerto-performance “prESENCIAS –entre Salamanca y Samarkanda”, apresentado no Teatro Ouro Verde, Fátima Miranda impressionou por descristalizar sons convencionais.
Uma poderosa arma vocal a serviço de “ações poéticas”. Humor: uma “faca” atravessada na cabeça, longa saia de pregas, voz e sapateado a desconstruirem a imagem kitsch de dançarina de flamenco.
Dois momentos inesquecíveis. O primeiro: “Desasosiego” com imagens da guerra civil espanhola projetadas no telão – voz e aflições. O outro, “In principio”, sentada ao chão extraindo sons de uma bacia numa espécie de ritual fonético. Uma “bruxa” a fazer água borbulhar? Não, uma atriz performática a mexer com os campos sensoriais.
A presença de Fátima Miranda no FILO 2009 foi marcante. Diva ou não do experimentalismo, ela promoveu ações éticas e estéticas inesquecíveis. Arte sonora, filigranas particulares.
A seguir, reproduzo o material feito com Fátima Miranda, disponível no site do FILO. Uma sugestão: clique no vídeo para conhecer um pouco da arte da performer espanhola.
ARTE SONORA
EXUBERANTES AÇÕES POÉTICAS
Impressionantes as habilidades da cantora e performer espanhola Fátima Miranda. A extensão incalculável da voz contém vasto volume de informações transmitido até quando faz breves demonstrações para ilustrar o que chama de “ações poéticas”.
Dezesseis anos depois, Fátima Miranda, uma das mais incensadas investigadoras vocais da atualidade, retornou ao Brasil para uma apresentação no Festival Internacional de Londrina (FILO), com o concerto –performance “prESENCIAS – Entre Salamanca Y Samarkanda”.
Trata-se de uma viagem sonora e metafórica empreendida entre a cidade natal da artista até a milenar localidade asiática e citadas no subtítulo. A apresentação compila obras de quatro espetáculos de Fátima: “Las Voces de la Voz” (1991), “Concierto em Canto” (1995), “ArteSonado” (2000) e “Cantos Robados” (2005).
“Não é um pot-pourri porque o concerto se converte a uma dramaturgia, com coerência e linha de ações próprias. As pessoas verão um espetáculo atual”, enfatiza a artista. O concerto, com duração de aproximadamente 90 minutos, contém oito peças autorais.
Em cena, a artista desenvolve a narrativa com a própria voz sobreposta a uma base pré-gravada. Os sons digitalizados provêm de suas poderosas cordas vocais. Um contrabaixo acústico e uma bacia estão nos mínimos elementos cenográficos.
“prESENCIAS – Entre Salamanca y Samarkanda é dividido em duas partes. A primeira de caráter ritual e íntimo, a outra situada entre o sagrado e profano. Há humor.
Há principalmente multifonias adquiridas em apuros sonoros nada convencionais. “Meu trabalho é considerado experimental, contemporâneo, minimalista, alternativo… até concordo. Mais que um concerto experimental, sobretudo me interessa apresentar um concerto de experiências”, diz Fátima.
As “experiências” advêm de processos vocais extraídos de etnias, sonoridades cotidianas ou mesmo de objetos insólitos como vasos, cristais, tubos de conexão, encanamentos, papel, entre outros. Os meandros investigativos começaram a ser vasculhados em 1979 quando Fátima, juntamente com Llorenç Barber, fundou o grupo “Taller de Musica Mundana”.
O desejo de expandir conhecimentos e convertê-los em criação artística fez com que Fátima Miranda não prosseguisse num meio consequentemente natural: acadêmico. Ela é licenciada em História da Arte, com atuações no campo da arte e arquitetura contemporânea. Escreveu dois livros sobre os temas. “Não queria lecionar”, resume.
Beber nas fontes ancestrais – A artista espanhola começou efetivamente a investigação sobre a voz e a música vocal em 1983. Buscava uma linguagem para se expressar. Conseguiu. Não se acomodou.
Como criadora artística coloca-se à disposição da aprendizagem, sempre e tanto. “Não pode haver novidade alguma se não bebermos nas fontes ancestrais. Precisamos transcendê-las em algo novo”, avisa.
A inquietude artística é tamanha que Fátima Miranda incursionou – até agora – por técnicas vocais como o canto japonês, a diafônica expressão mongol e tibetana, cantos sagrados e xamânicos, interjeições do teatro Nô e Kabuki, entre outras manifestações.
Ela foi também às nuances populares e líricas para associá-las às suas intenções artísticas. Tudo propiciou uma memória fonética aliada à espacialidade teatral.
Pertencente ao campo da Arte Vocal Contemporânea, Fátima desafia plateias com seu poderoso “instrumento” produtor de exuberâncias sonoras. É necessário contemplar o conjunto de sua obra, mesmo que as regiões agudíssimas chamem mais a atenção.
Fátima exime-se de vaidades maiores. “Para evitar presunção e ego exaltado prefiro não contar quantas oitavas eu atinjo. Sei que são mais de quatro”, diz bem-humorada.
Os concertos-performances são vistos regularmente em festivais cênicos e circuitos de música nos quatro cantos do mundo. A participação de Fátima no FILO 2009 esteve diretamente ligada ao evento VOZ.PERFORMANCE.JOGO.POESIA.CORPO.
Mais informações sobre a artista no site www.fatima-miranda.com
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