Gosto muito do terceiro disco-solo de Paula Morelenbaum. E olha que fico com um pé atrás – sempre – quando uns e outros e tantos resolvem reler clássicos da MPB à luz – e som – dessa tal de contemporaneidade. Isso acontece em “Telecoteco – um sambinha cheio de bossa”. De leve.
Paula e companhia utilizaram inteligência –emocional, inclusive – ao revestirem com levíssimas programações eletrônicas canções feitas entre as décadas de 30 e 50 se exaurir-lhes a seiva. “Teleco-teco” (Murilo Caldas – Marino Pinto, 1942) deu nome ao disco lançado pela Mirante Produções em parceria com a Universal Music.
Repertório pré-Bossa Nova, canções que favoreceriam o maior movimento musical brasileiro. E lá está “Um cantinho e você” (José Maria de Abreu – Jair Amorim), samba canção originalmente gravada por Dick Farney, em 1948, a se aproximar do sotaque bossanovista que certo João daria, ao violão, dez anos depois. Ou mesmo “Manhã de carnaval” (Luiz Bonfá-Antonio Maria) que ganhou no rastro da nova Bossa.
Em vez do cantinho-banquinho-violão, a cantora – cuja voz está no ponto mais cristalino e agradável possível – foi vasculhar o que poderia ter influenciado a santíssima trindade Jobim-Moraes-Gilberto e seguidores. E deu seu parecer moderno e respeitoso. Bacana, viu? Laivos de brasilidade à mercê de uma onomatopéia tão nossa e intraduzível. O mundo que nos entenda, ora!
“Telecoteco – um sambinha cheio de bossa” é solar até em canções relidas melancolicamente. Paula mantém a intenção, mas ilumina, por exemplo, “Manhã de carnaval” com rápido scratch para se entregar à suavidade do pianista japonês Ryuichi Sakamoto. “O samba e o tango” tem versão remix com o grupo Bajofondo, responsável pela abertura da global “A favorita”.
“Ilusão à toa” (Johnny Alf) vem com firmeza sem perder a ternura discreta. “Ternura antiga” (J.Ribamar – Dolores Duran) é o que de bom há na proposta de Paula Morelenbaum ao espalhar luz quando a vontade é de chorar. Maravilha!
O teletecoteco vem por vezes macio (“Não me diga adeus”, Luiz Soberano-Paquito-Joao Carlos da Silva, 1947), marcado (“O que vier eu traço”, Alvaide-Zé Maria, 1945, sem o jeitão sincopado de Ademilde Fonseca) ou nas harmonias redondas dos Gershwin (“Love is to here to stay”).
Tem Dorival Caymmi, já urbano e carioca, em “Você não sabe amar” (Carlos Guinle e Hugo Lima, 1950, com participação de João Donato) e Tom Jobim com Newton Mendonça esboçando o que viria ser a ambientação da bossa mundial em “Luar e batucada” (1957). É a última faixa do disco. Recado sutil do que viria com tudo.
“Telecoteco” foi concebido por mãos férteis de produtores e músicos. Paula Morelenbaum… Vai ser boa assim no mundo no todo, hein!?
A seguir, trechos da entrevista que a cantora concedeu ao blog Sintonia Musical.
Gostei do título “Telecoteco”. Além do nome de uma das músicas do disco, o título sugere um conceito mais moderno de “batucada”, de suingue. É por aí, Paula?
Gostei da sua colocação, Mariano. O título ‘Telecoteco’ me veio à cabeça porque achei bacana essa onomatopéia representando o som do tamborim. É samba mesmo. Nas décadas de 40 e 50, usavam essa expressão pra dizer que o samba tinha suingue. Então, pra mim, fechou o círculo. Achei que era isso que eu queria encontrar nesse repertório: suingue dos sambas antigos com conceitos modernos.
O que a levou a reler canções pré-Bossa Nova feitas entre 1930 e 1950? O que acredita ter acrescentado a essas releituras?
O que me impulsionou a esse projeto foi primeiro conhecer esse universo de musicas dos anos 40 e 50, que pudessem ter influenciado os bossanovistas. Como tenho viajado muito pelo mundo representando a Bossa Nova, vejo como ela tem uma força de reconhecimento mundial. Queria conhecer o que existia antes, e que pudesse ter sido uma fonte pra Bossa nova. Acredito que as nossas releituras trazem essas canções para a nossa linguagem musical do século 21, e as aproximam da nova geração.
Instrumentos acústicos convivem com programações. Qual estética sonora você buscou imprimir?
Gosto muito dessa mistura do acústico com o eletrônico. Cada vez mais. Porém cada vez mais o eletrônico aparece com sutileza.
Isso foi uma evolução em relação com o disco ‘Berimbaum’.
O disco tem uma sonoridade que agrada gregos e troianos. “Telecoteco” foi concebido também para ter uma aceitação maior mundo afora?
Puxa, obrigada!!! Que felicidade ouvir isso! Mas não, o ‘Telecoteco’ não foi concebido pra ter maior aceitação. Eu o concebi com a minha intuição. Com os sentimentos que estavam brotando naquele momento, em relação à musica que estávamos trabalhando. Não foi um disco sob encomenda. Foi resgate de uma música popular brasileira que não é muito ouvida nem no Brasil, nem no resto do mundo…
Aliás, como você, Paula, é recebida lá fora? Podemos dizer que o Japão é a sua “base” no exterior?
Felizmente tenho viajado muito e sempre sou bem recebida no exterior. O ‘Telecoteco’ foi lançado no Japão no final de Junho, estive lá pra fazer shows no Billboard Live e fazer divulgação. Eles gostaram muito do CD, que, aliás, está indo bem. Agora em outubro devo ir a Portugal, pois o CD saiu lá no fim de setembro. A música brasileira é bastante cultuada lá fora. Mas o que eu estou curiosa em relação ao ‘Telecoteco’ é que ele não traz os clássicos da Bossa Nova. Mostro agora uma novidade, uma parte um pouco desconhecida da nossa história.
Estamos comemorando os 50 anos de Bossa Nova. O movimento teve que tipo de importância na sua vida profissional?
Eu convivi mesmo com a Bossa Nova depois que conheci o Tom Jobim e passei a integrar sua banda. Antes disso, a Bossa Nova era uma musica que os meus pais ouviam. Aí depois de cantar com o Tom, e passar 10 anos na banda, virei PHD no assunto… Acho bom quando me relacionam profissionalmente à Bossa Nova, mas ela já veio pronta pra mim.
Mesmo contendo músicas pré-Bossa Nova, Tom Jobim está presente no repertório. Você trabalhou com ele durante 10 anos. O que o maestro de melhor lhe ensinou?
Pois é, o Tom está sempre presente. Aliás, em tudo, nos passarinhos, nos urubus, nas onças, nos rios, no céu, no mar, enfim, na música da natureza. Ele me ensinou a querer amar tudo à minha volta.
Qual espaço, metro quadrado, você pretende ocupar dentro da música brasileira?
Como diria Tom Jobim, você está sendo muito científico!!!!Metro quadrado? Eu prefiro o triângulo da bermudas…
**SUGESTÃO DE PERGUNTA: RELER CLÁSSICOS DA MPB COM USO DE PROGRAMAÇÕES ELETRÔNICAS É VÁLIDO ATÉ QUE PONTO?
Mais informações sobre Paula Morelenbaum no site www.paulamorelenbaum.com.br