Aquela passadinha básica na seção de discos. Sabe como é, né? Para ver gente nova fazendo estradas, gente recapeando, quem já faz e fez algo novo, quem poderia ter feito melhor, quem é, cadê, quem passou batido.
Quem! Quem? Ora, Jorge Mautner e seu “Revirão”, lançado em 2007. Tudo do poeta do Kaos (com K, como faz questão de frisar quando sente suscetibilidades no interlocutor) merece apreciação. “Revirão” (lançado pelo selo Geléia Geral, de Gilberto Gil) passou batidinho para mim. Acontece, né?
O álbum estava isolado, perdido em meio a coletâneas e lançamentos de gente que tem muita modernidade e atitude – e pouca música. Acontece, né? Jorge estava lá num só disco. Unzinho pra conta história.
Perguntei ao vendedor há quanto tempo “Revirão” estava depositado. Não se lembrava. O preço – estava em promoção – era uma pista do quanto as ideias de Mautner estava assentadas naquele cantinho.
Comprei, claro! Direto do player, percebo que Jorge Mautner surpreende até quando lança um produto com linguagem mais acessível que trabalhos anteriores – intrincados para iniciados e incompreensíveis a quem dele se lembra unicamente de “Vampiro” e “Maracatu atômico”.
Jorge dos rótulos: “remanescente da Tropicália”, “maldito”. Pode ser, ele é isso, mas me impressiona o fato de ele colocar Nietzsche no samba, roçar existencialismo com candomblé e morar na filosofia. Antropofagias! O homem do violino – bonito vê-lo ao vivo e em cores com o arco em riste quando canta ou recorre a citações e lustra-se como ilustre figura da contracultura. Toca pouco nesse disco.
Tá! Algumas considerações para quem, como eu, não avistou “Revirão” na época do lançamento. Mautner rende rodapés ou notinhas. Isso porque a mídia reconhece a importância do cantor-compositor-instrumentista-escritor-filósofo e tudo o mais. Vai entender…
“Revirão” é bom! Posterior a “Eu não peço desculpas”, papo cabeça dos bons registrado com Caetano Veloso, 2002. Boas sacadas. De Jorge, claro. Velô entrou com a grife e aconteceu. Zabé come Zumbi, Zumbi come Zabé!
Em Gil, Mautner encontra mais ressonância. Gil fala o dialeto de Mautner – as divagações, disparo de signos. De Gil sobre Jorge: “Ele é homem de Neanderthal e ao mesmo tempo é a mente e a mentalidade da pós-civilização. Então, ele é um pré-histórico pós-histórico”. Né? Então… Tá dito, para que complicar, certo?
Ok, “Revirão”. O disco acena levemente ao mercado fonográfico, que nunca perde a pose mesmo em crises de identidade. A nova safra de Mautner vem com sonoridade menos complexa e literariedades mais diretas. Freqüências codificadas em pop rock por uma turminha que propõe renovações. São eles: Kassin (baixo), Berna Ceppas (teclados e efeitos eletrônicos), Domenico (bateria).
Nelson Jacobina, companheiro de empreitadas, não só toca violão nas 13 faixas como também canta – eis finalmente a estréia; nada assim, vale o registro! – em “O Executivo-executor”, sarcasmos advindos de elucubrações sobre o tal sistema neocapitalista.
“Revirão” abre-se com uma balada insinuantemente radiofônica, não fosse a letra e suas antíteses provocadas pelas liberdades atuais. Chama-se “Os pais”, parceria com Gil. Que também assina e canta “Outros viram”.
Taí uma “grande viagem” feita pelos velhos parceiros. E uma das mais interessantes. Sambinha exaltação ao Brasil – muito distante da terra do coqueiro que dá coco – em que Maiakovski, Walt Whithman, Rabindranagah Tagore (“que ousou dizer que aqui surgiria o ser do amor”) são evocados.
Gil abriu as portas do seu selo e levou integrantes da família para participar das novidades de Mautner. Bem, o filho, assina e canta “Acúmulo de azuis” – e salve, salve o AfroReggae. Bem – expressão de concordância -, Preta Gil entrou no embalo e demosntra a imaturidade como cantora. Ela comete os versos iniciais de “Juntei com a fome com a vontade de comer”. Precisa se alimentar mais de voz essa menina! Mautner salva a pátria.
Claro, claro, ele. Caetano comparece na desbragada canção de amor “Estilhaços de paixão”, composta em 1958. Pelo título dá para imaginar o possível bolerão a revestir uma letra tão, hã, digamos pueril. Coisas de Jorge…
“Revirão” processa-se em meio a simplicidade. Não há flechas, portanto não há alvos. É para quem realmente gosta de Mautner… que oferece algumas evidências e altos relevos!
“Ressurreições” é um bom exemplo: “Te amei no dia em que te vi /Domando um bando de leões/ Domando aquelas feras, conquistando os corações/Dizendo que o amor nunca morre porque tem ressurreições/ Sete mil quartos secretos guardam um segredo/ Só o amor, só o amor pode matar o medo”. Bacana isso, gostei!
Tem samba, rock, baladonas, frevo, marchinha e carimbó. Homenagens: “Ao som da Orquestra Imperial”,pelos “efeitos medicinais”, e com participação de instrumentistas, destaque para Wilson das Neves.
Alto lá! Dito assim parece tudo muito nos conformes. De fato, os gêneros são processados em narrativas, algumas “plácidas”.
“Revirão” pode flertar com o pop, mas não cai no lugar comum.Jorge não dá piscadelas ao mainstream. É que ele não nasceu para as convenções. Ainda bem!
Mais informações sobre Jorge Mautner, inclusive autores e comentários das faixas de “Revirão” podem ser acessadas em www.jorgemautner.com.br
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