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É sempre assim: disco no aparelho, encarte às mãos e lá vou para mais audição. Corro os olhos no repertório, conheço e me reconheço em muitas canções. Regravações.Tá!

Dessa vez, quebro o “ritual” no início da primeira faixa. Por conta da voz de timbre delicado e seguro – elegância sem amparos –deito as letras no braço do sofá e… nossa, como essa moça pronuncia bem as frases, inclusive as musicais!!! Lá pelas tantas, já encantado, vou ler os créditos.

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Ouço seguidamente “Bonita” de Márcia Lopes. O apartamento adensado está com delicadezas e signos. Certeiro e simples e, no entanto, comovente, o disco da cantora paulistana, feito em 2005 para o mercado japonês, é relançado no Brasil sob licença da Lua Music. O fato é esse: está à venda.

As impressões valem mais que o fato: é ótimo, precisa causar bem-estar a muitos, posicionar-se na memória afetiva, atingir – quem sabe – as sensações hiperbólicas. Falo de sensações, sem isso um disco não passa de objeto prateado e calculado. O repertório contém, é fato, canções exploradas por muitos, mas a diferença está no revestimento, na compreensão do que se canta.

“Bonita” é acusticamente suave e ,em momento algum, cai na linearidade interpretativa ou instrumental. Treze faixas. Junção da maneira nada afetada de Márcia com a música e músicos, tendo à frente Swami Jr. (violões) e Mario Manga (produção, violoncelo e violões) nos arranjos.

Outros instrumentistas com quem a intérprete estabeleceu conivências sonoras: Marcelo Jeneci (piano), Sylvio Mazzuca (baixo acústico) Fábio Tagliaferro (viola), Ubaldo Versolato (sax e clarineta), Adriano Busko (percussão).

Postumamente foram incluídas as participações de Rodrigo Rodrigues ao violão em “Coração vagabundo” e “Boneca de pixe”, pandeiro e voz, no momento mais descontraído do álbum.

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O repertório mostra a pluralidade sonora de Márcia que, vejam só, escolhe o que cantar primeiramente pela melodia. É, isso mesmo! Depois, como diz, vem a letra. “Bonita” vai de Assis Valente a Tom Jobim, acena aos Beatles e Henry Mancine , mas sustenta-se mesmo na música brasileira de espécies raras.

Chico Buarque está quatro faixas, entre elas “Quem te viu, quem te vê” inicialmente em bossa cool e, ao final, em samba dolente. A valsa “Boa noite, amor”, é um dos resgates mais interessantes. Em “Bonita”, Marcia mantém permanente diálogo com os músicos, “conversa” por vezes concisa, mas íntima.

Além da música, Marcia Lopes ocupou-se entre a publicidade e o teatro através de espetáculos burilados nas mãos de diretores como Gianfrancesco Guarnieri e Gabriel Vilela.

Em discos, colocou voz em projetos de Eduardo Gudin, Antonio Nóbrega e do grupo Música Ligeira (formado por Mario Manga, Fábio Tagliaferro e Rodrigo Rodrigues) e do violonista norte-americano Jim Nolet, responsável pela primeira turnê em Nova York.

O primeiro disco é de 2001. Chama-se “LP”, editado três anos depois no Japão e recebeu até indicação para o Grammy Latino. No Baretto, piano-bar do luxuoso Hotel Fasano, Márcia cantou durante quatro anos.

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Lá conheceu Caetano Veloso. “Ele é um de nossos grandes artistas e isso, obviamente, tem outro peso e outra medida. Cantamos juntos no Baretto , no pocket show que ele fez. Foi uma delícia e acho que muita gente ficou roendo os cotovelos de inveja”, diz bem-humorada. “Não tenho nenhuma dúvida de que seus elogios abriram portas e fico imensamente grata e envaidecida com suas palavras”, arremata

Assim falou Veloso sobre o timbre e os tantos da intérprete: “Ela parece que já nasceu com a música. A emissão é muito calma, muito límpida e tudo nas interpretações dela dá a impressão de boa música, sem esforço, tranqüila. A primeira coisa que a voz dela faz é produzir a nota. Isso é bom. Dá uma felicidade para quem está ouvindo. Fiquei realmente impressionado com a afinação precisa e perfeito senso de medida em suas interpretações. Uma das mais belas vozes femininas”.

Uma felicidade para quem está ouvindo… Bonito isso, né? Falar mais o quê, hein?! Vai ser feliz ouvindo “Bonita”, vai!

Mais informações sobre a cantora no site www.marcialopes.mus.br, onde há trechos de algumas canções do disco. Clique CDS/Bonita/ audio bits

O que você, Marcia, busca atingir com ou através da música?

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Eu busco atingir minha própria independência e reconhecimento, mas isso até hoje não aconteceu. Cantar é um prazer e, se de alguma forma, esse prazer ressoa agradavelmente em outras pessoas, então é essa minha alegria.

Interessante como seleciona o repertório: “Primeiro a melodia, depois vejo o que diz a letra. Então, me apaixono ou não”. Você diria ser um critério apurado ou “severo” demais com a parte literária?

Na verdade, esse repertório foi escolhido pensando unicamente no mercado japonês. Meu primeiro CD “LP” foi muito bem recebido por eles. Passados dois anos, eles próprios me encomendaram o segundo. Então segui mais ou menos o mesmo caminho, mas com arranjos e sonoridades acústicas e mais brasileiras. Claro que as músicas são escolhidas exatamente como falei: melodia e depois a letra. Não me considero severa demais com a poesia, mas compositores como Chico Buarque não há parâmetros de comparação. Para um intérprete, não existe nada igual. Como disse Bethânia, “música é como perfume”, a mais rápida e sensorial das artes. Concordo plenamente e penso que, depois da música, vem a importância das letras. Uma arte dificílima onde tudo tem que caber como luva.

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“Bonita” saiu primeiro no Japão. Você se considera mais uma artista brasileira, a exemplo de outros tantos, a ser melhor acolhida lá fora que em seu próprio país?

Sem dúvida nenhuma. E não me pergunte o porquê, nem minha opinião sobre isso. Nunca saí do divã do analista e, até hoje, não tivemos nenhum tipo de iluminação sobre esse tema.

Falar em Japão é, ao menos musicalmente, associar imediatamente à Bossa Nova e suas reverberações. Até que ponto o cinqüentenário movimento musical atravessa sua personalidade artística?

O Japão é famoso por sua preferência pela Bossa Nova. Sei que eles gostam demais e lá se ouve Bossa Nova até no supermercado. Eu tive a sorte de cair no gosto dos ouvintes e donos da empresa Inpartmaint. Minhas influências foram outras, apesar de ter tocado muita Bossa Nova no violão. Eu era pequena numa família grande e cheia de portugueses. Meu único irmão ouvia óperas, fados e música erudita. O único artista da família foi pianista do Light Reflections (lembra de “Tell me once again”?) Esse mesmo primo tem uma irmã que foi a grande inspiradora para eu começar a cantar. Parei o piano, iniciei o violão e, aos poucos, fui descobrindo a música popular brasileira.
Ouvi muita Maysa, Elis, Bethânia, mas pouquíssimo João Gilberto. Talvez por isso eu tenha ficado fora das tribos.

Sua voz está a serviço da contemplação? Quais conivências você busca estabelecer com que a ouve?

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O que eu pretendo é, única e exclusivamente, fazer bem à alma de quem está me ouvindo. Ao vivo as coisas ficam melhores porque estamos em contato com o público e a conversa é direta e reta. O CD pode ser muito bom, mas nada se compara ao olhar, ao som ao vivo.

Você participou de espetáculos sob o crivo de diretores teatrais consagrados. O que absorveu de melhor nas artes cênicas? O que você utiliza num palco para cantar?

Não utilizo nada propositalmente. Nada é pensado. Muito pelo contrário, fico nervosa e entro. Depois da segunda música, estou mais tranqüila. Gosto de olhar para o público e cantar para eles. Trabalhar com o Guarnieri, por exemplo, foi a maior lição que tive sobre arte cênica. Enquanto ele dirigia os atores eu ficava olhando e me deliciando com as formas mais diferentes de interpretações. Não sei, mas acho que isso me deu muito chão.

Somos o país das cantoras. Que espaço você busca? Alias, você é cantora ou intérprete ?

Não sei como te dar uma resposta. Sou cantora, adoro interpretar, mas não passo perto de estilos musicais definidos. Gosto de toda espécie de música, mas nem tudo que ouço eu posso cantar. Não fica bom. Por exemplo: adoro fados, meu sotaque até que não é dos piores, mas nunca chegaria aos pés de Amália Rodrigues ou Dulce Pontes. O mesmo acontece com as divas americanas. Ella Fitzgerald é, para mim, a melhor cantora dos últimos tempos. É perfeita, um instrumento. Ela realmente estava se divertindo exercendo sua profissão. Isso não existe mais.

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