Ela já rodou tantas vezes nos discos cá em casa que chego a esquecer que seu nome integra a lista da chamada “nova safra”. Mônica Salmaso é clássica no sentido da maturidade do canto e da densidade do repertório. Para artistas desse quilate, não são os anos que dignificam o trabalho, mas o contrário. Ela “apenas abre a voz, e o tempo canta”, diria o Velho Francisco.
É assim: natural. Cordas tencionando a exatidão de cada nota. As vocais. Os vocalises de Mônica. Verônica brasileira. Palavra que já não é mais palavra – estende-se em frases melódicas navegando todos os sentidos. Emissão considerada por muitos um instrumento. Valioso. Afinadíssimo. E ela mesmo admite: “Sou uma instrumentista melódica. Quando eu canto, gosto de misturar minha voz com outros sons”.
Eis a simbiose musical que ecoará no Teatro Ouro Verde nesta sexta-feira (dia 15 de maio). É a primeira vez que Londrina recebe Mônica Salmaso. O espetáculo é promovido pela Vectra Construtora através do projeto cultural Vectra ConstruSom. Expectativas à prova para conferir a estréia de um trio, que ela completa com os sopros de Teco Cardoso e com o piano de Nelson Ayres; musicistas cheios de identidades (os três), forjando um repertório que nasceu especificamente desse encontro.
Dentre as canções já gravadas, Mônica apresenta em Londrina “Minha palhoça”, de J. Cascata, incluída no elogiado álbum “Voadeira” (1999) e no recente “Nem 1 ai” (2008), além de “Ciranda da bailarina”, “Construção” e “Beatriz” – letras de Chico Buarque integrantes do seu penúltimo disco – “Noites de gala, samba na rua” (2007), dedicado inteiramente ao compositor.
O ar de novidade do espetáculo reside justamente nas músicas garimpadas e lapidadas pelo trio, e que nunca foram registradas por Mônica, como “Melodia sentimental” (de Villa-Lobos e Dora Vasconcelos), “Lábios que beijei” (J. Cascata e Leonel Azevedo), “A história de Lily Braun” (Edu Lobo e Buarque) e a pouco conhecida – e sensacional, segundo ela –“Samba erudito” (Paulo Vanzolini), gravada, além do autor, somente por Chico Buarque em um compacto no ano de 68. O pianista Nelson Ayres assina a valsa “Uma noite”.
Concerto que transita entre o popular e o erudito, como a obra de Mônica. A escolha minuciosa e eclética de repertório é uma de suas mais autênticas marcas. Músicas de domínio público, lendas praieiras, cantos de escravos, caras de índios convivem harmoniosamente com suburbanos corações. A permuta dos santos: hinos à Ave Maria, à estrela d’Oxum – ambas nossas senhoras do morro.
Sua afinação e lirismo podiam muito bem tê-la conduzido (por competência) a caminhos inacessíveis ao popular. Mas a voz de Salmaso está a serviço do Brasil. Visita porões negreiros, embrenha-se nas toadas interioranas, chega à sofisticação de Tom e Vinicius. Caymmi e Buarque, mestres e referências primeiras.
Universo artístico que está reunido, até agora, em seis discos de carreira e em um DVD – lançado em 2008 com registro de “Noites de gala, samba na rua”. O projeto deve originar um outro lançamento ainda este ano: o CD ao vivo, incluindo também músicas que não entraram na gravação audiovisual.
A turnê passou por 21 cidades e, talvez, seja uma das maiores responsáveis pela progressiva popularização da intérprete. “Nunca quis ser uma cantora elitista, acho que isso não é uma opção que ninguém faz. O problema é que nunca quis ser atropelada por um esquema em nome do sucesso”, diz, consciente da sólida carreira.
Os dois músicos que a acompanham no show em Londrina integram o quinteto Pau Brasil, que harmonizou Buarque em “Noites de gala…”. A relação dos três é antiga. Com Nelson Ayres, a amizade nasceu por ocasião da montagem de “O Grande circo místico”, quando ele, então regente e diretor artístico da Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo, convidou Mônica para dar voz ao musical.
A aproximação com Teco Cardoso aconteceu quando ambos participavam da Orquestra Popular de Câmara. “Ela sabe achar a mescla onde eu deixo de ser uma flauta e ela deixa de ser uma voz e a gente vira uma outra coisa”, define Teco, hoje marido de Mônica. O depoimento está nos extras do DVD.
Sim. A dona da voz sempre esteve muitíssimo bem acompanhada. Os grandes músicos a cercam desde o início da carreira. Seu primeiro disco, Afro-sambas (1995), é uma parceria com o exímio violonista Paulo Bellinati. O último, “Nem 1 ai”, reuniu ninguém menos que Tutty Moreno, Nailor Proveta, Toninho Ferragutti, Rodolfo Stroeter e André Mehmari.
Eis a fórmula de gravações memoráveis. A “Beatriz” da intérprete é a versão feminina definitiva para a canção (a masculina nasceu do tom e do dom genial de Milton). Foi o New York Times, aliás, que os comparou, em 2002, dizendo que o canto de Salmaso rivaliza em pureza com o de Milton Nascimento. Mesmo assim, ela admite: “Não sou uma celebridade da notícia”. Será que é uma estrela? É. Mídia nunca foi régua para medir a grandeza dos astros.
A economia cênica no palco não esmorece o drama. Acontece que as cordas vocais recolhem todo o sentimento. Raras são as vozes que carregam a melancolia da entonação de Mônica Salmaso. É o mesmo nó que engendra gargantas clássicas como Nana Caymmi ou Alaíde Costa. Mas o timbre é outro: repleto de nuances. Mezzo soprano com confortáveis graves e brilho agudo. Musical instrumento. Não há muito a dizer, senão ouvir. Ouvi-la. (Texto gentilmente escrito pelo jornalista Renato Forin Jr.)
A seguir, trechos da entrevista que Mônica Salmaso concedeu ao blog Sintonia Musical.
A demanda de shows, acredito, deve ser muito grande. E você tem filho, afazeres domésticos e tem que pensar em música. Não é corrido?
Agora ficou. Tanto que meu site está vergonhosamente desatualizado (risos). Eu tenho um filho de dois anos e minha vida mudou muito por conta disso, claro. Estou me reorganizando e tentando ver como vou funcionar agora. Gosto muito da minha estrutura de trabalho, mas às vezes ela fica pequena. Não sei o quanto tenho vontade dessa estrutura aumentar, entendeu? É uma coisa que vou ter ir sentindo e me encontrar. Mas acho muito importante que eu tenha pé da situação porque me sinto mais dona da minha carreira.
Mônica, já virou uma máxima dizer que sua voz é um instrumento. Que instrumento afinado é esse?
Sou uma instrumentista melódica. Tive algumas oportunidades de trabalho como fazer parte da Orquestra Popular de Câmara, onde eu usava a voz como instrumento. Muitas músicas eu só vocalizava. Foi uma experiência muito rica. Quando eu canto é lógico que estou envolvida com as palavras, com o sentido das letras. Escolho as músicas muito pelas letras também; estou fazendo um som. Eu me preocupo muito com a qualidade desse som. Quando canto eu gosto de misturar minha voz com os outros sons.
Qual sua classificação vocal?
Sou mezzo soprano, mas tenho uma voz que engana: parece que é grave e não é tão grave quanto parece.
Você não se preocupa muito com o ineditismo, de fazer discos só com canções novas. E o Brasil tem, digamos, um pouco de aversão a regravações. Como você se posiciona nesse sentido?
Eu não dou muita bola pra isso não. Nunca fui atingida pelo bichinho da composição, nunca quis compor. Até invejo quem compõe, acho lindo quem tem essa capacidade. Vou me apaixonando pelas músicas conforme escuto. Garimpo e encontro músicas e quero mostrá-las para as pessoas à minha maneira. Tem que ser uma música que me diga alguma coisa, tanto faz se for inédita ou que todo mundo conheça.
Você tem, vamos dizer assim, certa aversão ao estrelismo, à fama, de precisar estar na mídia a qualquer preço, certo? Você percorre um caminho suave?
Eu gosto de um caminho suave. Não tenho aversão ao sucesso; tenho aversão pelo atropelamento e isso é uma coisa da minha natureza. Gosto muito que as pessoas ouçam meu trabalho; adoraria que todo mundo conhecesse o que faço pois há muito prazer, amor, honestidade e expressão real.
É perceptível!
Então… Nunca quis ser uma cantora elitista, acho que ninguém faz essa opção. Eu nunca quis ser atropelada em nome do sucesso. Algumas vezes apareceram escolhas que teria que fazer, mas haveria um esquema que me faria ser mais escutada. E eu saí correndo de todas essas oportunidades porque significavam algo talvez que eu não me orgulhasse. Eu quero fazer o meu caminho. Vou andando no meu passinho de formiguinha e tudo bem. Sinto que desde o início eu venho crescendo de forma gradual e fazendo um público que reconhece essas qualidades. Se continuar assim será uma carreira bonita da qual, aliás, já me orgulho.
Você uma cantora técnica? Digo, de se manter na técnica para não soltar demais a emoção na voz?
Não sou uma cantora, por exemplo, como a Maysa…Uma cantora…
Uma intérprete rasgada, seria isso?
É! Eu não sou assim. Sou mais econômica. Quando canto tenho prazer em escutar o resultado do som que está acontecendo. E isso me deixa concentrada, ao contrário de outros cantores que se jogam na canção com emoção carregada. Não sou assim. Não acho errado porque há cantores que são assim e eu adoro, mas não é meu jeito. Prefiro mostrar mais a música que eu mesma. Eu mostro assim: “olha, pessoal, que música linda eu trouxe pra vocês”. E não assim: “Olha como eu vivo através dessa música”.
Li na internet: “Mônica Salmaso adora a pirataria”. Que história é essa?
(risos) É claro que essa manchete exagerou. Eu posso explicar…
(risos) Por favor…
O que eu disse e disse mesmo é que eu entendo perfeitamente que pra um determinado tipo de carreira a pirataria faz muito mal. Ela oferece um produto mal feito, baratinho e que atrapalha a possibilidade de um disco ter vendagem momentânea muito grande. A parábola de vendagem de produtos como esses é que eles têm uma vendagem muito grande de uma vez e a pirataria é muito prejudicial.
Mas daí “adorar” a pirataria…
Isso não me afeta particularmente porque minha carreira não funciona dessa maneira. A pirataria comercial não acontece comigo. O que acontece, e eu adoro que aconteça, é disponibilizar minhas músicas gratuitamente na internet. Não posso e não vou fazer isso. Mas vejo no orkut o pessoal distribuindo: “olha, eu coloquei, baixem tal faixa”. No meu caso isso é muito bom. É uma divulgação espontânea que não necessariamente impede a venda dos discos..
Você vende bem? Qual a média por lançamento?
Depende do que é vender bem. Para o meu tamanho, acho que vendo bem sim. Faz tempo que não vejo isso, mas vendo em torno de 20 mil cópias a cada lançamento.
São várias as formas carinhosas de as pessoas se referirem a você. Até diva já a chamaram. Que tal?
Eu não me considero assim. Para mim, cantar é um ofício. Não sou especial ou diferente de qualquer outra pessoa que tenha um ofício. Como eu me envolvo em todas as partes da produção, uma vez falei numa entrevista que eu era um padeiro que faz um pão artesanal, gostoso. Daqueles pães que a gente come e diz: “nossa, que mão boa tem esse padeiro”.
Quando vem disco novo?
Eu quero fazer, mas não sei o que fazer ainda. Estou dando um tempo para minha cabeça para começar a criar. Não tenho pressa, não está na hora de gravar. No ano passado foram dois lançamentos, o DVD “Noites de gala…” e o “Nem 1 ai”, um disco gravado em 2000 e lançado só em 2008. É capaz de a gente lançar nesse ano o ao vivo do “Noites de galas…”.
Ah, é?
É. Ficou lindo porque o show foi mudando naturalmente. Depois de dois anos fazendo o disco de estúdio foram aparecendo outras coisas: os andamentos foram mudando, entrou música nova do Chico Buarque que é “Flor da idade”. A gente captou tudo num único dia no Teatro FECAP (São Paulo) e ficou muito bom. Estamos agora trabalhando para lançar esse disco.
SERVIÇO: Show de Mônica Salmaso acompanhada de Nelson Ayres (piano) e Teco Cardoso (sopros). Nesta sexta-feira (dia 15 de maio), às 20h30, no Teatro Ouro Verde de Londrina. Ingressos a R$ 20,00 e R$ 10,00. Pontos de venda: bilheteria do teatro, Pátio San Miguel e Brasiliano Bar e Restaurante. Promoção: Vectra Construtora dentro do projeto Vectra ConstruSom.
Mais informações sobre a artista no site www.monicasalmaso.mus.br
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