Ela estava num contentamento que dava gosto ver e ouvir. Pudera, o público que lotou o Teatro Guairá, em Curitiba, no último sábado (05.12.09 foi generoso ao se deixar levar do começo ao fim em “Amor, festa, devoção”, espetáculo com o qual Maria Bethânia comemora 45 anos de pisar descalço nos palcos. Ponta dos pés.
Mais que palmas, assovios grossos, corinhos, gritinhos e declarações de amor – até pedidos de casamento recebeu em cena aberta – houve explícita aprovação ao roteiro delicado e, sobretudo, convidativo delineado com Fauzi Arap, o mestre primeiro dela.
A narrativa muitas vezes abriu-se ao silêncio, à reflexão. Ao agrupamento sensorial de cada um. Jorro forte. Cada um sabe como tratar intimamente os graves e os metais de Bethânia – seja em prosa (“Quem fala de mim tem paixão”, frase final de “Olho de lince”, texto de Waly Salomão) ou música (“Vida”, Chico Buarque, agora em camadas perfiladas de voz). Sinais iniciais.
“Amor, festa, devoção” se desenvolveu sob o signo da alegria, da forte vontade de causar encantamento nas pessoas de forma direta. Sem conceitos fortemente intrincados, os espectadores viram sua estrela brilhar mais próxima da terra. Leve Maria. Dançou demais, brincou demais no palco, gargalhou gostoso quando uma voz de volume espesso lhe enviou a primeira proposta de amor.
O acento percussivo – nada desvairado – envolveu o repertório com 35 canções dando, inclusive, contornos mais incisivos a algumas extraídas de “Tua”, o disco com canções de amor sábio. Jaime Além assegurando harmonias em violões e viola. Ah, a percussão de Marco Lobo e Reginaldo Vargas… O show. A base. A festa.
Os olhares se convergem para Bethânia. É natural! Mesmo com gestos recorrentes e a direção bem (demais até, digamos) familiar de Bia Lessa (há propostas novas?), ela mantém a postura incomparável. Um intérprete de porte nunca decepciona. E Maria é a maior de todas. Queiram os modernos aos montes ou não!
Bethânia afagou a plateia com cadência e dolência – o ritmo é tudo na vida de um espectador. Reciclou clássicos: “Explode coração” (Gonzaguinha), cantada a capela, tão cabível ao espetáculo quanto imprescindível a alguns fãs. Alto lá: Não há facilitações. “Amor, festa e devoção” não se inclina aos comuns demais da conta.
Há contrapartidas, isso sim. Se Bethânia oferece momentos gozosos, ela consegue silenciar todo o teatro para que todos ouçam e apreendam o que de novo, belo e intimista tem a apresentar. Se no bloco aberto e fechado com “Saudade dela” (Roberto Mendes – Nizaldo Costa), homenagem a Dona Edith do Prato, há convite para se dançar e cantar, a sequencia vem intensa e intimista com “Saudade” (Moska-Chico César).
“Queixa” (Caetano Veloso), interpretada de maneira suave ao violão, busca vozes. “Você perdeu” (Marcio Valverde – Nélio Rosa), do atual repertório, vem pungente e instala-se no refrão – “foi você quem se perdeu de mim, foi você quem se perdeu, foi você quem perdeu, você perdeu”. Há um sertão nos harpejos da viola. Um luar esquecido.
Urbanidade volátil. Uma asa parada no ar, o drama de Gisberta, a brejeirice cavada nas mercadorias de Zezé di Camargo e na frase da duplinha Bruno & Marrone – “do jeito que você me olha, vai dar namoro”. Tudo pacificado ao modo de uma inocente Maria ou na Bethânia religiosa que dedica os vermelhos à Santa Bárbara, oiá com bracelete no pulso direito. Ouro no esquerdo.
Comovente a interpretação de “Não identificado”, a canção preferida de seu pai. “Eu sempre imaginei que ele ouvia, se comovia e dedicava silencioso a minha mãe. Comigo acontece parecido, mas Deus me deu voz. E assim faço ecoar no tempo o nosso amor por ela. Amor, festa, devoção. Ensinamentos dela para bem viver”, diz Bethânia. “Meu canto é teu, minha senhora”, arremata batendo no peito. Daí em diante é desnecessário esmiuçar o espetáculo. O público, antes mesmo do amor nominal, já havia jogado o coração no palco.
Bethânia maximiza fatos. Eu creio em fatos. Nas rosas vermelhas de 45 mil pétalas. “Você gostou?”, perguntou ela no camarim. Gesticulei, busquei adjetivos novos, não achei: “Amei, Maria”. Inscrevi novamente a palavra devoção no nome dela.
“Amor, festa, devoção” é para se guardar no escaninho da alma. Quem foi diz: “lindo”. Quem foi diz: “belo”. Fico com Zeca Corrêa Leite: “maravilhoso, menino!”. Zeca sabe de tudo o mais! E a vida o que é diga lá, meu irmão?!
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* E no saguão do Guaíra encontro a moça bonita, que orgulhosamente registrou Maria Bethânia com amor, festa e devoção. Pedi fotos. Silmara, obrigado pela confiança.
* Etel Frota, dona de “Sete trovas”: prazer imenso sentar-me ao seu lado. Maria levantou-se para aplaudi-la, no camarim. Bravo!
* Joana, João, Marcelo, Anna, Valéria, Marilda, Cibele e “…” por terem comentado no post anterior: quem viu, sabe o que fala!
* Solange Bronzatti, minha amiga: Dona Maria, não é mesmo?
* Mais, quero mais. Londrina, 08.12.09/ 6h15/ 45 anos.
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