No disco de estreia pela Biscoito Fino, Simone queria algo “feliz, para cima”. Conseguiu. Ao menos fugiu das melancólicas canções e releituras com andamentos lentos e/ou burocráticos.“Na veia”, projeto de inéditas depois de cinco anos, fala de amor – claro -, mas contém pegadas sonoras interessantes. Levemente pop aqui e acolá, apoia-se em sambas das mais variadas vertentes, um pseudo blues e algumas baladas adequadas aos dials.
Ah, as baladas radiofônicas. A intérprete baiana recebe duas de Erasmo Carlos: “Migalhas” e “Hóstia” (em parceria com Marcos Valle). As faixas não deixam dúvidas de que se trata de um disco de Simone em momentos, digamos, mais introspectivos.
Porém, “Na veia” recebeu injeções maiores de ânimos. Abre com um samba rock (“Love”, do novato Paulo Padilha) e segue com acentuada “Certas noites”, balada pop de Dé Palmeiras e Adriana Calcanhotto feita sob medida aos intentos felizes de Simone.
A dupla comparece com outras companhias interessantes como a balada “Bem pra você” (Palmeiras com Marina Lima) e a belíssima “Definição da moça” (hábil Calcanhotto que musicou texto de loas sensuais de Ferreira Gullar).
Sambas. Simone sempre dá conta – e bem – do recado quando verte o canto de timbre grave e quente ao gênero. No caso, através de Martinho da Vila, a quem já dedicou o especial “Café com leite “(1996), excelente por sinal, em “Na minha veia” (coautoria de Zé Catimba), na elegância harmônica e literária de Paulinho da Viola e Elton Medeiros (na clássica “Ame”) ou mesmo “Deixa eu te amar” um dos hits de Agepê. – aquela do “quero te pegar no colo, te deixar no solo e te fazer mulher”. Pois é!
A cantora deita e rola com suingue e simpatia em “Pagando pra ver” (Abel Silva – Nonato Luiz), com levada blues e versos por rondarem a cabeça; e a regravação de “Geraldinos e arquibaldos” (Gonzaguinha), dividida entre o bolero me a salsa.
Algo, entretanto, atravessa estranho o álbum. Chama-se “Vale a pena tentar” feita por Simone e com arremates melódicos – e também na letra – de Hermínio Bello de Carvalho. Nem mesmo o arranjo e piano de Nelson Ayres conseguem esconder a fragilidade da compositora, que já havia registrado algo próprio – no caso merecimento, no álbum “Corpo e alma” (1982). Teria talvez entrado no lugar de “Sou eu”, de Chico Buarque e Ivan Lins, que lhe escapou das mãos e foi parar na voz de Diogo Nogueira?
Um competente grupo de músicos moldou os propósitos de Simone. Além de Nelson Ayres, Rodolfo Stroeter (produtor), Luiz Brasil, Marcos Suzano, Rildo Hora, Julinho Teixeira, entre os mais notáveis. “Na veia” está muito distante dos álbuns antológicos registrados brilhantemente por Simone na década de 70 e início dos 80. No entanto, não encontra ressonância nos – diversos – projetos da década de 90 quando a intérprete parecia bem acomodada com uma das mais bem pagas artistas da MPB e seus discos sem muito volume.
“Na veia” reafirma Simone Bittencourt de Oliveira – 36 anos de estrada e rumo aos 60 de idade, em dezembro – como uma cantora popular, mas refinada. Mítica figura da MPB em estado de felicidade. Ou pra cima, como quer.
A seguir, a entrevista que a cantora Simone concedeu ao blog Sintonia Musical.
“Na Veia” é essencialmente romântico, mas com nuances interpretativas e sonoras não muito recorrentes em seus trabalhos. É por aí? Quais intenções você quis imprimir ao disco quando o idealizou? Poderia me explicar o que é um “disco feliz, pra cima”, conforme consta no material de divulgação?
Sem dúvida, estou no meu auge como pessoa. E este disco reflete o meu momento, tanto que quando liguei para os compositores pedindo canções, já dei o recado: quero fazer um disco feliz, de amor e feliz. São tantas as barbaridades e mazelas que se vê ao redor, que quis cantar o oposto. Estou num momento sereno, bem comigo e com a idade que tenho. E a sonoridade limpa, clean do disco reflete tudo isso.
Há uma canção própria no disco. Você já havia gravado “Merecimento”. A pergunta: outras criações podem ser desarquivadas ou a compositora Simone é, digamos, mais retraída?
Minhas composições eu não mostro pra ninguém, nem pra mim…rs. No caso desta com Hermínio, de 1976, fiz a melodia e um esboço da ideia da letra, que era uma “resposta” a “Proposta”, do Roberto (Carlos). Depois a entreguei pro Hermínio resolver algumas passagens da letra e só agora me liberei pra gravar. Como estou me reaproximando do violão, pode ser que venham algumas coisas por aí. Mas o meu negócio é cantar. Sou bem retraída compondo, afinal meu ofício mesmo é outro.
Procede a informação de que Chico Buarque teria remetido uma canção que faria parte do projeto a um outro intérprete? A imprensa disse que vocês teriam rompido por conta disso. O que de fato aconteceu?
Romper com Chico? De jeito nenhum… O que aconteceu foi muito simples: ele fez a canção e entregou para o Diogo Nogueira gravar. Nada mais, nada menos. Ele é o dono da canção e, se pensou numa voz masculina, mais precisamente na do Diogo, o que eu posso fazer? Chico já me deu muitas alegrias, canções lindíssimas das quais me orgulho muito de ter dado minha versão. Isso que foi publicado é só especulação infundada.
Muitos críticos não economizaram tintas quando, a partir de meados de 80, você passou a gravar canções mais radiofônicas. Esse possível direcionamento foi para ampliar público ou adaptação ao mercado? Por que as pessoas incensam tanto seus discos da década de 70?
Não só eu gravei, como quase todo mundo. Essa era uma estética daquela época. Naquele momento se gravava isso, mas o tempo passou, as coisas mudaram… Mas também não me arrependo de nada que fiz, gravaria de novo. Quanto aos meus primeiros discos, tive a honra de “debutar” como cantora tendo um repertório maravilhoso de nomes como Suely Costa, Abel Silva, Bituca (Milton Nascimento), Ivan Lins, Chico Buarque, Gonzaguinha, entre vários outros ao meu alcance. Aquele foi um momento mágico mas, como eu disse, cada época tem suas particularidades.
Quais vaidades artísticas e pessoais prevalecem aos 36 anos de trajetória e prestes a completar 60 anos de idade?
Vaidades? Acho que hoje elas não prevalecem mais não. Só quero estar bem comigo mesma, com meu corpo, com minha voz… Poder fazer o que gosto e estender isso às pessoas a minha volta e ao meu público. Estou num momento muito harmônico.
……………………………………
ESPAÇO ABERTO
* Você gosta da Simone?
* Quais músicas ou discos da intérprete baiana foram marcantes?
……………………………………
Mais informações sobre a artista no site www.simone.art.br