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“O tempo para Alaíde não passa, graças a Deus!” (Milton Nascimento)

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Como pode uma voz tão frágil, sussurrante até, ficar imensa quando canta? Sempre me faço essa pergunta quando converso com Alaíde Costa. Por falta de retorno satisfatório – a técnica não se basta – atribuo tal grandeza aos mistérios inflexíveis.

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Aos campos sensoriais, “Alaíde Costa canta Milton – amor amigo” em que a intérprete tributa voz e impressões próprias a canções de Milton Nascimento. Ela possui a compreensão da musicalidade do amado amigo de anos. O disco, sob chancela da Lua Music, é um dos melhores projetos de 2008. Possui contornos históricos.

Quando ouço Alaíde Costa fico com os pêlos eriçados. Adoro o que dela provém. Telefono. Do outro lado da linha a inconfundível voz atende.

Apresento-me e ela, imediatamente, quebra as formalidades. “A gente não se conhece?”, indaga. Respondo afirmativamente. “Tudo bem?”. Imediatamente falo do fascínio do projeto com músicas do Milton.

– Você gostou?
– Adorei.
– Mesmo?
– Tudo o que você faz tem peso, Alaíde. Pára de ser modesta, mulher!
– Ah, eu sou assim…

Rimos.

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“Alaíde canta Milton – amor amigo” é feito com canções em que Milton Nascimento e parceiros tocam o amor e suas confluências. Há o amor contido, o cotidiano, o melancólico,o confessional, das gratas causas, das instâncias, das querenças,da lucidez camuflada.

“Milton não precisou escrever `eu te amo´ para o amor estar presente nas canções que escolhi”, diz Alaíde. Verdade! Portanto, não é um disco romântico. É sentimental, contemplativo.

Doze faixas. Citações de “Bodas” e “Amor amigo” abrem e fecham o álbum. Alaíde põe canto em dez faixas das décadas de 60 e 70, períodos dos mais férteis do carioca mais mineiro do Brasil. “Beijo partido” (Toninho Horta) entra como licença poética, afinal foi Milton quem fez a canção ter alcance.

Aptos músicos adentram no universo de Alaíde, cuja característica essencial é erguer projetos nos quais o intimismo e o recitativo se roçam. Algumas faixas têm pujança instrumental, outras mais econômicas resolvem-se – e muito bem –com um ou outro instrumento.

A base sonora vem, em especial, de Hamilton Messias (piano), Ronaldo Rayol (violão), Eric Budney (baixo acústico), Nahame Casseb (bateria e percussão), Jonas Macaio (cello) e Iuri Savagnini (acordeon).

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Alaíde deixa digitais em canções propagadas com definitivas na voz do criador: “Morro velho”, “River Phoenix”, “Um gosto de sol” ou mesmo “Travessia” só com voz e Cello.

Maravilhas? “Milagre dos peixes” e “Sentinela”. Refinada e coerente senhora prestes a completar 73 anos, dos quais 53 anos dedicados ao artesanato musical.

Alaíde sou todo, todo coração quando ouço você cantar!
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Sugestões para comentários:

1) Qual sua opinião a respeito de Alaíde Costa?

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2) Quais músicas ou discos do Milton Nascimento você gosta?
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Gostaria que você falasse um pouco da sua relação com o Milton Nascimento.

Eu conheci o Milton antes mesmo dele ser o famoso Milton Nascimento. Um dia, um amigo que tem o apelido de Jacaré, disse que havia conhecido o Milton, que tinha músicas maravilhosas e perguntou se eu gostaria de conhecê-lo. Marcamos um encontro na minha casa e fiz até um bacalhau com leite de coco (risos). Isso em 1965. Milton todo quietinho, tímido, como eu…

Olha só!

Eu falo agora com você, mas em público fico numa timidez danada. Bom, o Milton pediu para que eu gravasse “Pai grande”. Fui gravar anos e anos depois. Na época, eu estava sem gravadora por não querer abrir mão da boa música. Gravei a música com arranjo belo do João Donato no disco “Coração” (1976), que o Milton produziu. Mas antes disso, eu participei do “Clube da Esquina” (1972), onde cantei “Me deixe em paz”, em dueto com ele. De lá para cá houve um afastamento natural, pelo fato de ter me mudado para São Paulo, mas a amizade continuou a mesma. Fazia muitos anos que a gente não se via e eu fiquei muito feliz em reencontrá-lo nesse disco.

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Quais os desafios que a música do Milton oferece a um intérprete?

Muitos. Não é fácil cantar, por exemplo, “Outubro”, que exige uma extensão que eu pensava eu não ter; vai do grave ao agudíssimo. Foi um desafio para mim. Você tem que ter muita coragem para cantá-lo porque ele faz tudo tão bem feito. Fiquei meio assim, quando me apresentaram o projeto, mas no final eu disse: “vamos tentar”. Pesquisei e fiquei com
aquelas que mais se adaptavam à minha voz.

Você pegou o lado que fala de amor, não só o amor carnal, né?

Exatamente. O Milton apresenta vários caminhos para o amor e eu escolhi as canções de amor porque é a minha praia. Teve alguém que falou: “Ah, `Travessia´ o Milton gravou, a Elis gravou…”. Sabe aquelas coisas, né? Pois eu disse que iria gravar de uma forma diferente. Canto só com cello; fiz uma “Travessia” diferente.

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Você é uma cantora essencialmente romântica?

Sou sim. Não sou muito de cantar festa.

Você gosta muito das canções do amor melancólico, né? Você é melancólica por natureza?

Não sou, mas na hora da música eu vou para esse lado.

Eu a admiro por não fazer concessões, ou seja, gravar apenas o que quer.

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É uma opção minha e eu pago um preço muito alto por isso. Financeiramente não estou estável, ainda luto pelo pão de cada dia.

O Brasil foi ingrato com você?

Não digo o Brasil, mas as máquinas que não deixam a gente ter mais espaço. Não só as gravadoras, mas as televisões, rádios… Querem retorno financeiro imediato, não querem investir em qualidade. Da minha época sou uma das poucas sobreviventes.

Se fosse para fazer um balanço até agora da carreira, o que você diria?

O saldo foi médio.

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Médio?

Vou explicar. Como trajetória musical eu não me arrependo de nada, mas na parte financeira deixou muito a desejar. Vou completar 73 anos e era para estar com uma vida mais tranqüila. Fiz minha escolha.

Você poderia ter ficado rica se abrisse mão do seu estilo?

Talvez…

E se você passasse, de repente, a cantar sertanejo ou axé? Isso dá dinheiro…

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(riso) É ruim, hein?! Cruzes!! Eu cantaria sertanejo, desde que fosse o autêntico sertanejo, de raiz, que tem tantas coisas lindas. Eu até cantaria sim. Gosto de “Tristeza do Jeca”, por exemplo. Cantaria numa boa. Outras coisas nem pensar! Canto minha verdade.

REPERTÓRIO