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UM CANTINHO, UM VIOLÃO E UM NOTEBOOK
| Foto:
LEO AVERSA
OLIVIA BYINGTON REGISTROU EM DVD O MONÓLOGO MUSICAL “A VIDA É PERTO”: FORMATO SIMPLES, MAS GENIALMENTE BEM DESENVOLVIDO

DVD de Oliva Byington, é? Hum… Tá, cantora sofisticada, bela voz, extensão aos moldes operísticos, e tal e coisa e coisa e tal… Portanto, repertório austero, show idem. Que nada!

“A vida é perto” (gravadora Biscoito fino) isenta-se de associações pertinentes a uma artista refinada por demais que resolve gravar momentos de rara erudição, digamos assim, e pronto. Não é o caso de Olivia Byington – artista refinada sim, senhor – no registro audiovisual feito em janeiro deste ano, no espaço Rogério Cardoso, da Casa de Cultura Laura Alvim, Rio.

Olivia faz de “A vida é perto” um monólogo musical. Formato simples, inovador até certo ponto, genialmente bem conduzido. Assim: camarim, espelho repleto de fotos, velas – aromáticas? -, retoques na maquiagem, batom claro, mulher bonita a se adornar à luz da temperança, da calmaria de quem sabe seduzir. Microfone e monitor de ouvido ligados, on!

O público percorre o camarim, põe olhos, toca, aponta detalhes. Simultaneamente, Olivia averigua seu espaço de atuação por onde estará cercada de fotos de amigos, livros, discos e tudo o mais.

Um doce boa noite chama os pagantes ao espaço aconchegante onde se desenhará um espetáculo na base do cantinho, um banquinho, um violão e um notebook. Isso mesmo, um computador portátil de onde sairão referências, datas, fatos, vozes.

Durante 1h15, a máquina não irá extrair um só acorde frio, sampleado. Não é show pop. É autobiográfico, confessional. Voz. E violão tocado por uma instrumentista de boa envergadura.

A VOZ NO LUGAR – Bate-papo para aquecer a turma. Olivia fala de descobertas musicais – como o pianista inglês James Uhart numa das explorações ao My Space – enquanto faz brotar velas de bojudos e bonitos candeeiros.

Clica no computador e vê que naquele dia 12, Frank Sinatra e Lamartine Babo fariam aniversário. Exibe um vídeo de Nara Leão cantando “Cantores do rádio”. Conversa vai, conversa vem… “Estou enrolando vocês, né? Vou dizer uma coisa: eu adoro começar o show na hora, sou muito pontual. Então vamos começar”, diz ela arrancando breves risos da platéia.

Começa “A vida é perto” com um mantra, “OM”. Para botar a voz no lugar e “alinhar a cabeça e o coração”, tipo assim, sabe?! Ao violão, a bela Olivia resgata “Mãe da manhã” (Gilberto Gil), delicada reverência à Senhora Maior. Lindo!

A partir do bento aquecimento, outras 18 canções servirão de trilha sonora à vida, obra e sentimentos de Olivia Byington. Que quase foi roqueira depois de abandonar a música erudita, aos 15 anos. Que buscou um sinal para saber se deveria seguir a carreira artística – filha de pai junguiano, ela necessitava de símbolos, subjetividades, sincronicidades, sinal.

O tal sinal veio de Tom Jobim num cartão postal. Deu no que deu: Olívia, prestes a completar 50 anos de idade, 30 de estrada, quatro filhos, dez discos e muitas histórias pra contar. Boa parte no DVD, entre elas a engraçada “separação” das turmas da maconha e do uísque, dentro do contexto dos anos 70.

PRÉVERT E PESSOA – Direção e roteiro por ela assinados. Assistir ao DVD é compartilhar um pouco da intimidade de Olivia Byington. Palavras quentes, “intimidade” compartilhada em mais de 150 apresentações Brasil adentro – fora, shows marcados em Munique e Frankfurt. Arrancou elogios de Millôr Fernandes, pois é…

“A vida é perto” não é uma conseqüência natural do disco lançado no ano passando quando Olivia retomou a veia autoral com o poeta português Tiago Torres da Silva. Aliás, quanta brasilidade num estrangeiro a derramar-se em “ais” a nomes consagrados da música brasileira. O DVD tem vida própria. Retrato fiel de uma mulher das artes em seu tempo e contratempo.

Reprodução
EM TOM CONFESSIONAL, PROJETO TRAZ 18 CANÇÕES MARCANTES NA TRAJETÓRIA DE UMA ARTISTA ÍNTEGRA E SINTONIZADA COM SEU TEMPO

A “inveja” de atores em monólogos (especialmente Débora Bloch em “Brincando em cima daquilo”) foi a causadora de “A vida é perto”. Há doçura e maturidade nas releituras de canções tão dela quanto eternas dela: “Lady Jane” (Nando Carneiro –Geraldo Carneiro) e “Anjo vadio” (com Geraldo Carneiro).

Olivia, tão “valente” para desfrutar alegrias, necessita de auxílio quando o assunto ronda tristezas, dores de amor, percalços da vida. Daí a inclusão de palavras dos poetas Jaques Prévert (francês), através da voz do ator Yves Montand (“Feuilles mortes”), universal Fernando Pessoa: “Pobre e velha música/ não sei por que agrado enche-se de lágrimas meu olhar parado/ recordo outro ouvir-te/ não sei se te ouvi nessas minhas infâncias que me lembra em ti/ com que ânsia tão raiva quero aquele outrora/ eu era feliz? / não sei: fui-o, outro agora”.

Olívia toca na vida do filho João, nascido com uma síndrome rara. “João nasceu numa casa onde se ouvia música muito sofisticada. E veio ao mundo gostando de música sertaneja”, contemporiza com humor. E interpreta, ao seu jeito, “Pense em mim” (Leandro e Leonardo). Nada a dizer. Coisas dela.

Tem Caetano, Pablo Milanés, Gismonti,Assis Valente, Geraldo Carneiro, Cacaso, um monte de gente grande, Jobim. Seu Jorge ao computador a duetar em “Na ponta dos pés”. Samba no pé, Olivia! Platéia aos pés. Bravo, mulher do canto bonito! Voz acima dos vieses.

“A vida é perto” é para entrar no corpo em estado horizontal. De preferência, bem devagar. Mas com vontade.

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