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Uma mulher de palavras e sons

FÁBIO GATTI/ DIVULGAÇÃO
A ESCRITORA PARANAENSE KAREN DEBÉRTOLIS ESTÁ LANÇANDO O CD “A MULHER DAS PALAVRAS”, EM QUE ESTABELECE UM INSTIGANTE DIÁLOGO ENTRE SEUS TEXTOS E COMPOSIÇÕES MUSICAIS: “ACHO QUE ESTE PROJETO IRÁ ATINGIR OUTROS PÚBLICOS, ALÉM DO PÚBLICO DO LIVRO”

Friccionar subjetividades literárias e sonoras exige elegância. Sim, porque as conexões entre prosa, poesia e música não podem vir cercadas apenas de boas intenções – há lugar certo para isso, sabemos. Lugares-comuns produzem, quando muito, combustões rápidas.

Não é o caso da escritora paranaense Karen Debértolis, que investiu em sensibilidades outras ao roçar seus textos – belos – no som dos instrumentos. Deu ao projeto o nome “A mulher das palavras”. Tão bonito quanto cabível ao ofício dela. O lançamento ocorreu na sexta-feira (dia 27), na Divisão de Artes Plásticas da Universidade Estadual de Londrina.

“A mulher das palavras” não é um disco com poemas musicados. Muito menos um álbum de declamações com fundinhos musicais tão críveis quanto gastos. “A mulher das palavras” é um projeto de intérpretes, criadores e recriadores. As prosas poéticas e poesias de Karen Debértolis fundem-se num interessante diálogo de ritmos e tessituras com autores musicais de Londrina.

Leitura dinâmica que não apazigua contundências e densidades das palavras. Cunho existencial advindo de observações e, principalmente, absorção de sensações – Karen capta muito bem o seu entorno. Algo pulsa na insinuante e melancólica (“Calidoscópio”), um velado humor no trato musical dado a “Dia difícil”, a consequência natural de viver mesmo que não se atinjam cem mil fios de cabelos brancos (“A morte”) e um dos naipes do amor (Canção de ninar os sem coragem).

A poética não se contrasta com o som. Ao contrário, subverte-se em algo prazeroso. Em acordes fragmentados ou tesos, a profusão de estofos sonoros – quase pop, acentos de rock setentista, soul-funk, algo de jazz, experimentações leves, bem leves. Bons achados.

Pode não haver algo revolucionário, mas as canções não esbarram em clichês e cacoetes instrumentais. Quem quiser ouvir algumas faixas bem como conhecer melhor a trajetória da escritora, clique aqui.

“Há intenções de evidenciar climas em cada texto, sensações, ideias, instigar sentimentos. De uma certa forma, na edição final há um fio narrativo que sutilmente costura com finíssimas linhas as faixas”, avisa a escritora. Os textos, publicados entre 1995 e 2007, foram compilados do livro “Calidoscópio” e do blog “Inéditos e dispersos”, da autora.

“A mulher das palavras” sai com chancela do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), de Londrina, e foi gravado entre setembro de 2007 e setembro de 2008, no estúdio PlayRecPause Studio. A distribuição fica a cargo da Travessa dos Editores.

O projeto teve co-idealização do cantor, compositor e agora produtor Bruno Morais. Após seleção definitiva do texto, ele pôs-se à tarefa de agregar compositores que pudessem compreender a intenção dos escritos e compor.

Morais trilhou seis faixas, algumas em parceria. Outros criadores/ músicos foram: Júlio Anizelli (violão e também produtor do álbum), Mizão (guitarra), Rafael Fuca (violão), Felipe Barthem (baixo) e Rodrigo Barreto (bateria). Todos participaram das gravações, além de André Vercelino (percussão), Leonardo Cacione (bateria), Flávio Nunes (baixo acústico) e Edna Aguiar (vocal e cantora de bons e expressivos recursos interpretativos).

Antes de entrar em estúdio, Karen Debértolis buscou preparação vocal com a cantora Meire Valin. Ganhou volume. Refez-se em timbres. ”O que aflorou foi uma outra voz que eu desconhecia”, reconhece Karen Debertólis.

Uma mulher dedicada às palavras e de bem com a música só pode conter dentro de si o fogo sagrado. A seguir, trechos da entrevista que a escritora Karen Debértolis concedeu ao blog Sintonia musical.

O que uma mulher das palavras tem a dizer sobre música? Que impulso a levou a fazer um projeto como esse?

Eu adoro música. Sempre fui embalada pela música no ambiente familiar. Como sou a caçula, aprendi a ouvir música com as minhas irmãs, especialmente com a Miriam. Eu me lembro de muitas noites em que elas se juntavam no quarto pra tocar violão e cantar. Eu nunca consegui me aperfeiçoar num instrumento, aprender a tocar mesmo. Tentei aprender piano, mas a minha paixão sempre foi pelas palavras. Eu aperfeiçoei a minha escuta ouvindo o programa “Música Nova”, que a Janete El Haouli apresentou ao longo de nove anos na Rádio Universidade FM, da UEL. Ali compreendi que a voz também poderia ser um instrumento na música.

Ouvi de tudo, sempre. Sempre achei muito interessante o trabalho de diversos poetas que musicavam seus poemas, faziam experimentações, estabeleciam as conexões entre poesia e música. Logo depois que eu lancei o livro “A estalagem das almas” comecei a pensar no próximo projeto e tive insight de trabalhar com música. Quando resolvi que queria fazer um CD de poesia, imediatamente, pensei no Bruno Morais para produzir. Ele havia acabado de lançar o “Volume Zero” e eu estava ouvindo o disco sem parar. Na primeira conversa, Bruno se entusiasmou, mas também ficou com ar pensativo de como resolveria aquilo. A proposta amadureceu e logo escrevemos o projeto e começamos a trabalhar

FÁBIO GATTI/ DIVULGAÇÃO
“NÃO HÁ UMA PREDILEÇÃO PELA POESIA, PELA PROSA OU PELA PROSA POÉTICA. HÁ UMA PREDILEÇÃO PELA PALAVRA, PELA EXPERIMENTAÇÃO ATRAVÉS DA PALAVRA”, DIZ KAREN, QUE FEZ O LANÇAMENTO DO ÁLBUM EM LONDRINA

Qual o prazer em roçar as sonoridades literárias e musicais, Karen?

É fantástico! Antes de gravar eu trabalhei os textos com a Meire Valin, que foi minha preparadora vocal. Tentamos explorar no trabalho as possibilidades dos textos e também as possibilidades da minha voz. Quando a gente entrou no estúdio pra colocar em prática o que até naquele momento eram ideias abstratas, foi uma alegria. Aos poucos fui observando como os textos gravados impregnavam-se às melodias. Como as fronteiras iam sendo borradas.

E também havia um prazer muito intenso que emanava de toda a equipe envolvida. Dava pra perceber que todo mundo estava instigado a fazer aquele trabalho. Não havia nada formatado; a gente foi criando no próprio processo de desenvolvimento do CD. A música evidenciava sonoridades das palavras, dos textos e também acontecia o contrário. Para mim foi uma descoberta a cada etapa. Acho que tanto o Bruno quanto os músicos conseguiram mergulhar nesta proposta, neste cruzamento de sonoridades, nesse arranhar-se.

Musicar letras ou apenas ler os textos seria cair no lugar-comum. Pergunto: “A mulher das palavras” é um meio angariar um público que, provavelmente, não seria tão ligado ao ato tátil de apreender um livro?

O que norteou o trabalho, tanto pra mim quanto ao Bruno, foi buscar uma forma diferenciada de produzir este diálogo entre a poesia e a música. Não queríamos que a música fosse apenas um acompanhamento, um som de fundo para dar suporte à leitura. Não era o caso de musicar os textos porque a ideia era de ser uma leitura dos textos e não canções. E a leitura também tinha que dar o tom do clima dos textos. E foi pensando nestes climas que o Bruno trabalhou com os músicos.

Primeiramente eu fiz uma seleção dos textos que passaram depois por outras edições somente minhas. Em seguida eu e o Bruno fizemos a seleção definitiva dos textos que compõem as dez faixas do CD. Depois de fechar uma ideia geral, ele trabalhou separadamente com cada um para compor as músicas sempre partindo da intenção do texto. Sempre explicando o que precisava tirar de cada instrumento para que se estabelecesse uma “conversa” com os textos. Considero, sim, que este projeto irá atingir outros públicos, além do público do livro. Apostaria até numa faixa mais jovem que talvez não seja habituada ou nem teve tanto acesso à leitura da poesia. Se puder contribuir para instigar um público ficarei muito satisfeita.

Você se submeteu, Karen, a uma preparação vocal antes de ir ao estúdio. Bacana! O que você descobriu de bacana na sua voz? Algo aflorou ou foi atenuado?

Primeiro houve uma constatação de que eu precisava conhecer o instrumento com o qual eu iria trabalhar. Eu descobri a minha voz. Acho que, principalmente, como “colocar” esta voz, como utilizá-la como instrumento sonoro, musical. O que aflorou foi uma outra voz que eu desconhecia. Tudo foi emergindo naturalmente durante o trabalho, para meu espanto.

Acho que a descoberta da voz faz uma tempestade na gente, muda a vida, como a gente se coloca no mundo, derruba a timidez, encoraja. “Uma voz imensa que pára diante do semáforo indeciso”. Quando eu escrevi esta frase eu nem imaginava que iria produzir este CD…

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Você é uma ótima escritora. Respeitada! Querida e não sou apenas eu que digo. Pergunto: por que você escreve? Há predileção entre prosa ou poesia? Quais autores lhe servem de faróis?

Tempos atrás eu fiquei dois anos sem escrever nada. Achei que não iria escrever mais, que não conseguiria mais. Foram os piores anos de minha vida porque eu vivia angustiada, infeliz, muito triste. O meu “corte e costura” é a escrita, costurar palavras é o que dá sentido pra minha vida. Hoje eu tenho isso muito claro pra mim.

Não há uma predileção pela poesia, pela prosa ou pela prosa poética. Há uma predileção pela palavra, pela experimentação através da palavra. Em relação a autores, eu sempre li de tudo. Mas, o meu farol, é, sem dúvida, a poeta Ana Cristina Cesar.

Música. O que você ouve, de quem você gosta? O que é boa música? Você canta?

Eu tenho um gosto variado e depende do dia, da fase da vida e muitos outros fatores. Música erudita, música nova, música de raiz – tipo Paulo Freire e Rolando Boldrin. Rock, MPB, jazz, tango – Gotan Project, Otros Aires, Astor Piazzola. Fado – Madredeus. Gosto muito de rock – Led Zeppelin. A “música da minha vida” é “In the light”, Supergrass, The Smiths, Talking Heads, tudo do David Barnie. Rock nacional dos anos 80, Cazuza, Mutantes, Rita Lee, Karnak, André Abujamra. Gosto muito das vozes femininas nas canções – Billie Holiday, Marisa Monte – para mim a maior cantora brasileira na atualidade; Miúcha, Adriana Calcanhotto, Mariana Aydar, Tulipa Ruiz, Laurie Anderson, Emily Simon, Patti Smith, Elis Regina, claro! Ah, são tantas…

Compositores: Chico Buarque, Tom Zé, Otto, Arrigo Barnabé, Itamar Assunção, Bernardo Pellegrini, Caetano Veloso. E tem algumas bandas que misturam jazz e outras coisas mais – Koop, Parov Stelar, Nouvelle Vague.
Eu sempre tenho uma trilha musical para escrever um livro. No “A estalagem” foi Madredeus. Agora no romance que estou começando a escrever é Phillip Glass, que eu adoro e que me leva a determinados climas essenciais para escrever sobre determinados momentos das tramas.

Boa música é aquela que você para em frente a caixa de som e diz: “pô, olha o que esse cara ou essa mulher fez…”. É aquilo que me surpreende. Adoro cantar em casa, cantarolar. Sempre foi assim. Na família é conhecida a minha fama de cantar por dias a mesma música ou a mesma frase musical…

Livros, blog e agora disco. O que ainda pretende colocar em prática a curto, médio ou longo prazo?

O meu próximo projeto é escrever um romance. Ainda está sendo “desenhado”. Deve levar um tempo pra ser finalizado. Mas, há vários outros projetos que ainda estão amadurecendo e poderão ser transformados em algo concreto nos próximos anos. Mas, o desafio agora é levar “A mulher das palavras” por aí. É espalhar estas palavras.

FÁBIO GATTI/ DIVULGAÇÃO
RESPEITADA COMO ESCRITORA, KAREN DEBÉRTOLIS PUBLICOU TRÊS LIVROS E PREPARA UM ROMANCE: SENSIBILIDADE, ELEGÂNCIA E CAPACIDADE DE CAPTAR POETICAMENTE O SEU ENTORNO

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