Agora nem tanto, mas Arrigo Barnabé ainda incomoda. É o verbo! Com ou sem aspas. O cara pede atenção e consegue. Grita: “Porto, 10 de junho de 2004”. Clara Crocodilo fugiu, escapuliu pela, ahn, vejamos, enésima vez.
Dessa vez no Teatro Nacional São João, na cidade de Porto, Portugal. Rendeu um novo
– !? – disco. Ao vivo, sem palmas, em parceria com o pianista Paulo Braga. Que imprimiu virtuosismo – explorações – enquanto o companheiro consultou as bases.
Seis faixas, das quais três extraídas de “Clara Crocodilo, a nave-mãe, que há 28 anos colocou o londrinense – paranaense é melhor, entende? – à frente da vanguarda paulistana – a lira, os experimentos; o mundo vive em Sampa.
São elas: “Clara crocodilo” (com Mário Cortes), “Office boy” e “Sabor de veneno”. Ah, sim, tem “Antro sujo” (parceria com Regina Porto, o “Num” do título original foi extraído), que também pode ser alojada por ter sido revivida na saga parcialmente regravada em 1999.
Duas faixas restantes: “Cidade oculta” (com Eduardo Gudin e Roberto Riberti), da trilha sonora do filme homônimo de Chico Botelho, 1986, em que Arrigo contracenou com Carla Camurati; e “Outros sons” (com Carlos Rennó).
“Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao vivo, em Porto” (lançamento da Gravadora Atração Fonográfica) tem 42 minutos e 31 segundos cravados e traz as peças arranjadas para piano, sem o pulso roqueiro original. Algumas receberam enxertos não possíveis nas gravações originais. Mas contêm improvisações suficientes para Paulo Braga mostrar virtuosismo.
Ao dileto ouvinte cabe o desafio de apreciar e tentar entender a complexidade do processo composicional que explora o atonalismo e o dodecafonismo – a “transgressão” dos 12 sons da escala cromática.
“Importante ressaltar, porém, que o caráter erudito da música escrita não exclui seu aspecto intuitivo, típico de toda música popular que se toca e pratica de ouvido”, escreveu Regina Porto no encarte do álbum.
Ela complementa: ”Por mais complexa que seja, a música de Arrigo, sendo construída sobre módulos repetitivos, `quase obsessivos´, permitem a memorização relativamente fácil”.
É isso mesmo!! Aos eruditos, o rigor, a análise. A quem possa interessar, paisagens sonoras de Arrigo. Apreciar é preciso! E cada um tenha que a “viagem” que melhor convier..
“Ao vivo, em Porto” não estava nos planos do cantor e compositor paranaense. Ele e Paulo Braga já levavam, desde 1992, esse formato de show aos quatro costados. Aconteceu de, em Portugal, um técnico ter registrado a apresentação no final de um festival de teatro. O material ficou amoitado durante quatro anos.
Saiu agora como uma espécie de “abre-alas” já que a Atração Fonográfica pretende de relançar toda a obra do Barnabé londrinense.
“Arrigo Barnabé e Paulo Braga, ao vivo, em Porto” é fantástico. O show tem que continuar. Ainda não veio a Londrina. Virá? Seria legal, né?
Só não vale nos deixar – com sotaque e presenças fortes – esperando horas e horas e horas e horas como aquela vez, em 2005, quando nem tchuns de Arrigo comparecer. E nós sob os arcos do Museu… Temos memória e dores nas pernas. E bons ouvidos!
A seguir a entrevista que Arrigo Barnabé concedeu, por e-mail, ao blog Sintonia Musical.
Temas de Clara Crocodilo reaparecem agora em versão bem distantes dos originais. Os novos arranjos têm um acento menos roqueiro e mais jazzístico, podemos assim dizer?
Pode ser um pouco jazzístico, mas os improvisos também têm a ver com a música contemporânea; nas outras gravações havia pouco espaço para o improviso.
Em versão pianística você acredita que se possa analisar melhor a estrutura de suas composições? Aliás, seu processo de criação é intuitivo ou mais matemático levando em conta os meandros dodecafônicos?
Acho que é mais fácil olhar o esqueleto da composição nessa forma de dois pianos. O meu processo de criação é intuitivo e matemático, aliás, acho a matemática intuitiva…
Houve alguma “reparação” ou acréscimos em temas durante o arranjo para quatro mãos?
Havia materiais não aproveitados em nenhuma das versões anteriores, principalmente na faixa “Clara Crocodilo”. Aqui eles podem ser ouvidos, principalmente no “labirinto”.
Você cogitou fazer esse trabalho solo? Quando ou por que entrou Paulo Braga, seu velho conhecido?
Eu e o Paulo fazemos esse duo desde 1992. Não havia intenção de gravar esse show em Portugal para lançar em CD, aconteceu. O Teatro Nacional São João tem uma excelente equipe técnica que registrou todos os trabalhos. Quando ouvimos a gravação do show percebemos que estava bem acima da média e ficamos com a pulga atrás da orelha… Finalmente quando o Wilson Souto, diretor da (gravadora) Atração resolveu lançar minha discografia, eu mostrei pra ele o material e ele concordou porque seria bom começarmos com esse registro. O Paulo é o mais solista nesse trabalho e além do mais ele toca muito.
“Suspeito” é um disco que você tentou um flerte com o mercado, com a popularidade (não o popularesco, entenda), foi bacana e coisa tal, mas ficou só nisso. A pergunta: Quem o ouve?
Bom, existem pessoas que ouvem minha música, acho isso incrível!! Geralmente os mais curiosos. Acho que meu público tem uma curiosidade acima da média…
Seu nome sempre esteve associado à Vanguarda Paulistana. Você gosta disso? Você é um músico de vanguarda?
Não, o pessoal de vanguarda está fazendo umas coisas muito loucas, com manipulação de sons ao vivo utilizando programas de computador desenvolvidos pelo Ircam, etc…
Como vai Londrina em termos musicais? Aproveitando o gancho, como vai sua relação com a cidade?
Eu estou distante do que acontece em música em Londrina. Minha relação é mais com a memória que eu tenho da cidade, apesar de estar indo pelo menos duas vezes por ano a Londrina…
O que você anda fazendo atualmente? Algum disco ou projeto engatilhado?
Acho que vou gravar um CD com canções do Lupicínio Rodrigues, uma coisa meio performática…
A chamada crítica especializada tece muitos elogios ao que faz. Existe algo em seu trabalho que ainda não foi notado?
Não sei dizer…